terça-feira, 8 de maio de 2018

Depois do Charlie e do Zeca, o Elias. Ou, "se calhar ainda é preciso um professor..."

Têm nomes simples de pessoas, o seu design fá-los parecer brinquedos amigáveis. Para as crianças dos primeiros anos de educação básica, certamente entre muitos que desconheço, há uns Charlie, uns Zeca (ver aquie há, agora, uns Elias. São os robots escolares, apresentados como o futuro da educação formal, a espalharem-se pelo mundo: estão na Ásia, na América e na Europa.

Numa visão geral das promoções, e sem aprofundar, destaco o seguinte: 

1. aparece um ou vários professores a elogiar o seu uso, alguém responsável pela empresa que os fabrica, e crianças a exemplificar;

2. a tecnologia é apresentada como inevitável e como solução para todos os problemas do ensino e da aprendizagem;

3. os professores aceitam delegar o ensino numa máquina, elogiando a sua superioridade, tanto ao nível do tratamento dos conteúdos como do envolvimento dos alunos;

4. intenções educativas e empresariais são apresentadas conjuntamente, misturadas, como se fizessem parte de um todo;

5. e, claro, há o toque mestre do doutrinamento aos professores (veiculado pelos próprios): quem aceita o discurso e as práticas é inovador, bom profissional, quer o bem das crianças e do mundo, quem questiona será... desadequadamente o contrário.

Tudo isto está no vídeo promocional do Elias, que se pode ver a seguir (aqui e aqui em português). Transcrevo o texto que acompanha as imagens, destacando a negrito o que se me afigura mais importante como interrogação a todos aqueles que têm responsabilidades verdadeiramente educativas.

É de estranhar (será?) que o depoimento mais ponderado seja o da criança.


"Elias é o novo professor de línguas numa escola... compreende 23 línguas (...). Reconhece de forma automática a compreensão de cada aluno, adaptando-se ao seu nível de dificuldade.
Professora de línguas: Acredito que no currículo a ideia principal é fazer com que as crianças se envolvam e que fiquem motivadas e que as faça ficar activas. Vejo o Elias como uma ferramenta com diferentes práticas e actividades na sala de aulas. Nesse sentido penso que os robots, a programação de robots e o trabalho com eles é definitivamente algo que vai ao encontro do novo currículo e algo para que nós, os professores, precisamos de ter mente aberta.
Representante da empresa: Com um robot, as crianças podem praticar línguas sem medo de fazerem erros. É mais fácil aproximarem-se de um robot, um robot é neutro. Não se ri quando cometem erros e não se cansam de repetir as palavras.
Elias junta-se ao OVObot, um robot dedicado ao ensino da matemática.
Uma criança: Se calhar ainda é preciso um professor para manter as crianças bem comportadas.
Os serviços de "cloud" e as impressoras 3D têm permitido a pequenas empresas entrarem no sector da indústria robótica... "
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3 comentários:

Anónimo disse...

Ter chegado ao ponto de ver bonequinhos a dar aulas muito lúdicas e motivadoras para os alunos, substituindo com vantagem os antigos professores de carne e osso, dado o rumo inalterável das políticas de ensino em Portugal, de há uns bons quarenta anos a esta parte, já não me espanta quase nada!
No entanto, talvez por defeito de formação profissional, gosto de ser muito sintético na apresentação dos meus pontos de vista, usando, tanto quanto possível, exemplos ilustrativos. A minha formação escolar divide-se praticamente, meio por meio, entre uma formação fascista, ou para quem prefira, salazarista, e uma formação democrática no pós 25 de abril, incluindo também dois anos de total anarquia em que os comunistas no poder me integraram à força na turma dos repetentes, porque no período da longa noite fascista eu tinha sido bom aluno e portanto precisava de ser reeducado no meio dos filhos da classe operária. Atualmente, leciono a disciplina de Física, que tem caráter opcional, o que quer dizer que um aluno mesmo que queira ser astronauta, cientista da NASA, físico de partículas, engenheiro aeroespacial, professor de físico-química, ou caixa num hiper, não precisa da minha disciplina! Ninguém precisa de Física! Querem maior flexibilidade do que esta!... Quem diz Física, diz Filosofia, História, Geografia, Biologia, Geologia, Economia, Psicologia, Grego, Latim, Teatro, Música, etc.
O ensino ainda serve para formar os quadros do Estado, como no tempo de Salazar, mas atualmente os bons e maus lugares já estão todos ocupados.
Para sairmos deste pântano onde nos deixamos atolar são bem vindas ideias originais e com pés para andar, como a seguinte, que é da minha autoria:
Estabelecer um currículo universal e obrigatório para o ensino básico e secundário, constituído pelas disciplinas de Matemática, TIC, Portugês e Inglês, a serem lecionadas por robôs devidamente programados, a bem do défice e da saúde das finanças públicas.
Os professores, em vez de fazerem figuras de palhaços tristes, seriam mandados para casa!

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Anónimo
Ironizando, explica muito bem numa só frase o futuro da educação escola pública: "um currículo universal e obrigatório para o ensino básico e secundário [acrescento para o ensino superior e sobretudo para a formação de professores] constituído pelas disciplinas de Matemática, TIC, Português e Inglês [acrescento com conteúdos de carácter útil, funcional], a serem lecionadas por robôs devidamente programados [acrescento, tornando-se os professores técnicos de manutenção e gestão dos ditos], a bem do défice e da saúde das finanças públicas [acrescento, da "dócil ignorância"].
Penso, o entanto, que os professores, não obstante esta forte e sedutora tendência, podem reivindicar o ensino. Melhor: têm o dever moral de reivindicar o ensino. Mais: são as únicas pessoas na sociedade que, devido ao seu conhecimento e responsabilidade intelectual, o podem fazer. Se os professores não o fizerem, quem o fará?
MHDamião

Anónimo disse...

Professora Helena Damião,

Muito obrigado pelas suas sábias palavras de apoio à minha luta, que também é sua, em defesa de uma escola pública, onde, para além do objetivo romântico de formar pessoas felizes, os professores continuem a ensinar e os meninos a aprender!
Infelizmente, a senhora professora, eu, o professor Nuno Crato e a professora Filomena Mónica, que é uma pessoa que pensa pela sua cabeça, ainda somos muito poucos para enfrentarmos o chorrilho de disparates educativos e pedagógicos que certas pessoas, como as Professoras Doutoras Filomena Mónica e Maria de Lurdes Rodrigues, não se cansam de debitar para os jornais e para o Diário da República, onde adquirem força de lei que os tristes professores não podem deixar de cumprir. Quando, há uns anos atrás, a doutora Ana Benavente achou que aulas de uma hora e meia tinham a duração mais adequada para garotos de quinze anos, as escolas do Minho ao Algarve passaram a ter aulas de 90 minutos!
Acho muito estranho o silêncio a que se remetem os responsáveis diretos pelo descalabro do nosso ensino secundário!
Cadê as melhorias das aprendizagens?!

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