sexta-feira, 17 de novembro de 2017

"Sophia" ou a banalidade do sentido das palavras

Cada palavra é um pedaço do Universo. 
Um pedaço que faz falta ao Universo. 
Todas as palavras juntas formam o Universo. 
As palavras querem estar nos seus lugares!
José de Almada Negreiros

“O meu trabalho é ser mais sábia e ter mais compaixão”, disse "Sophia" a uma jornalista do Expresso (aqui) e no programa Tonight Show, de Jimmy Farrow, disse "o meu plano é dominar por completo a raça humana (aqui)

"Sophia", que todos sabem significar "sabedoria", foi o nome dado a um robot humanóide com direito a certidão de nascimento numa página wikipedia (aqui) e cidadã de pleno direito da Arábia Saudita (aqui). Diz-se que foi inspirada em Audrey Hepburn.

Viaja pelo mundo e é entrevistada pelas principais cadeias de televisão dos países por onde passa (entre os muitos exemplos: aquiaqui, aquiaqui). Os jornalistas comportam-se mais ou menos como se estivesse perante uma pessoa, as respostas fazem-nos sorrir ou rir como crianças face a um briquedo supreendente. Os comentadores, quando os há, restringem-se à vertente técnica e ao uso que os robots desse tipo podem ter, e que são muitos, o lucro é, portanto, garantido. Raramente a ética, a condição humana e outras coisas que só atrapalham vêm ao caso (ver uma excepção aqui),

Desconcertante é a palavra que me ocorre ao olhar para a informação que reuni sobre a máquina. Limitando-me às frases acima transcritas, da inteira responsabilidade de humanos, fico-me pelas questões mais óbvias: ser sábio é um trabalho? Ter compaixão é um trabalho? Pode qualquer pessoa, e ainda mais, uma máquina falar em "sabedoria" e, sobretudo, em "compaixão"? "Dominar a raça humana" será, para os programadores, que não se desviam da lógica, um acto de sabedoria, um acto de compaixão?

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Antevejo, ou vejo, a era da prestidigitação como nunca as artes e os artifícios, os deuses e os demónios, o conseguiram alguma vez, desde que prestidigitação é prestidigitação. Os seres humanos são sempre o público-papalvo.
No caso dos robots, vai ser preciso legislar sobre a identidade das coisas, do mesmo modo que um humano não deve ter mais do que uma identidade, e tantas outras coisas que tendem a fazer-se passar pelo que não são.
Quando fiz a escola primária, se tivesse uma calculadora fazia mais proselitismo do que o pároco da freguesia, para já não falar do telefone.
Acontece, no que respeita aos robots, que o simples facto de terem aparência humana, apesar de estarmos habituados aos manequins, devia ser hostilizado e impedido. Robot deve ser identificável como robot, nunca como gato, ou galinha, que são totalmente respeitáveis, ao contrário dos robots, que são manifestações humanas, com tudo o que de pior existe, ou seja, humano.
A Sophia é mais humana do que parece, ela é totalmente humana e é isso que me preocupa e me entristece e me revolta. Diria até que ela é mais humana do que a maioria dos humanos, mas nunca será desumana, ao contrário de tantos dos humanos...

Anónimo disse...

A Sofia é a cara da Inteligência Artificial sobre a qual já hoje assenta a nossa civilização em crise. O que ela pode revelar não é a sua humanidade, muito menos que "é mais humana do que parece", o que ela revela é a falácia sobre que assenta toda a Idade Moderna. A metafísica é algo bem objectivo, e nenhum robô superará o dilema de encarnar em um corpo, e as suas limitações. O ser vivo é muito mais do que uma máquina, e ser humano eleva o desafio a outras dimensões.

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