segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Sustentabilidade Ambiental e Produção Animal


Novo texto do Prof. Arnaldo Dias da Silva:

Com alguma frequência verificamos que os consumidores admitem que os métodos modernos de produção de carne de bovino, de ovino, de caprino, de suíno, de aves ou de algumas espécies de peixe, têm maior impacto sobre o ambiente que os métodos tradicionais. Alguns falam mesmo, com indisfarçável saudade, dos “bons velhos tempos de antigamente”,

Atribuem-se, assim, aos métodos de produção ditos intensivos efeitos muito nefastos sobre o ambiente, a segurança alimentar e, portanto, sobre a saúde humana, muito mais que aos métodos tradicionais de produção. Vários autores (por exemplo, Jude Capper, 2011) têm mostrado quão errada é esta presunção.

Com efeito, diz-se correntemente que os métodos intensivos poucas vezes respeitam - ou, na versão mais radical e simplista, sempre desrespeitam -, os direitos dos animais - designadamente, o direito ao seu bem-estar e, em última análise, à sua saúde - e ao direito a exibirem comportamentos alimentares e outros normais, isto é, próprios da vida de cada espécie ao ar livre, em plena natureza.

Numa palavra, apelidam-se os métodos de produção animal de hoje em dia como sendo métodos verdadeiramente insustentáveis.

Por isso, queremos, em primeiro lugar, definir o que deve ser entendido por sustentabilidade, definição que tenha, a um tempo, rigor científico e que possa ser entendida por todos.

Assim parece-me uma definição muito feliz aquela que podemos encontrar na internet em http//www.epa./gov/Sustainability/basicinfo.htm. Passo a traduzir: sustentabilidade consiste em fazer face às necessidades actuais da sociedade sem comprometer a capacidade de as gerações futuras poderem satisfazer as suas próprias necessidades.

Devo acrescentar que isto implica, em relação à carne de bovino e a outros produtos animais, responsabilidade ambiental e viabilidade económica - estamos a viver em mercado há vários milénios e, por isso, ninguém pode trabalhar na sociedade actual para produzir alimentos seguros se não receber algo tangível em troca...

Esta produção deve ter também plena aceitabilidade social nas suas técnicas de produção que, reconhecemos sem dificuldade, se alteraram muito ao longo da História da humanidade.

Como regra, em democracia, os votos levam a que os decisores políticos sejam particularmente sensíveis a primeira e à última destas consequências, ou seja, responsabilidade ambiental e aceitabilidade social.

Relativamente à responsabilidade ambiental, vale bem a pena ver o que Jude Capper (2011) apurou relativamente à produção de carne de bovino nos USA comparando o que se passou em 1977 com o que ocorreu 30 anos depois, isto é, os sistemas de produção prevalecentes em 2007.

Para o efeito Capper (2011) utilizou um modelo determinístico, perfeitamente validado pelo mundo científico. Foi baseado nas necessidades alimentares da população bovina nos USA em 1977 e em 2007, votada à produção de carne e foram quantificados todos os recursos utilizados – inputs – e as respectivas saídas - outputs - observadas, considerando sempre todos os alimentos que os animais
consumiam para produzir carne (numa palavra, a dieta) e as fracções da dieta sempre desperdiçadas sob a forma de fezes, urina e metano, ou seja, os excreta por bilião de kg de carne de bovino produzida.

As regras de maneio características sistemas de produção de 1977 e de 2007, não deixaram de ser devidamente consideradas bem como as dinâmicas da população bovina num caso e noutro. As características produtivas destes sistemas nas duas épocas foram igualmente tidas em conta.

Após realizar esta análise Capper (2011), concluiu que a produção de 1 bilião (escrito de forma matemática: 10 elevado a 12) de kg de carne de bovino em 2007 nos USA gastou muito menos recursos que em 1977, a saber, designadamente: foram precisos apenas 69,9% de animais, 81,4% de alimentos, 87,9% de água e 67,0% de terra.

A produção de efluentes foi também consideravelmente reduzida: em 2007 a unidade de produção de carne de bovino nos USA, produziu 81,9% de fezes+urina, 82,3% de metano e 88,0% de óxido nitroso, relativamente ao mesmo bilião de kg de carne de bovino 30 anos antes

Nem é de ficar surpreendido que assim tenha sido tendo em conta toda a informação científica hoje disponível. A pegada de carbono em 2007 foi também algo menor que em 1977. Com efeito para produzir a mesma quantidade de carne a pegada de carbono foi reduzida em 16,3%.

Perante esta constatação, que posição racional se pode tomar senão estar de acordo com a recomendação de Jude Capper quando diz (traduzo): “dado que a população americana vai aumentar – e, acrescento eu, a FAO (2008) prevê que aumente bastante mais nalguns países que nos USA - será crucial prosseguir no rumo da investigação que visa conseguir melhorar a eficiência da utilização dos recursos na produção de carne como aconteceu nos últimos 30 anos. Só assim se pode satisfazer as aspirações do mercado para carne de bovino segura, atractiva do ponto de vista económico, usando menos recursos e mitigando o impacto ambiental”

Que posição assumiu o comissário da saúde da UE em 2007?

Numa publicação com apresentação excelente e certamente muito cara (aquele papel de certeza que não foi barato…) comemorativa de “50 anos de segurança alimentar na UE” (2007 European Union), o Comissário Europeu para a Saúde (de nacionalidade grega), senhor Markos Kyprarianou ou alguém da sua confiança, escreveu - destacando, de forma bem visível - num quadradinho com fundo encarnado, “Did you know? Intensively reared beef production uses over 33 as much of energy as pasture production to produce the same quantity of meat. Now that`s intensive!”

Não posso admitir que o Comissário da Saúde da UE afirme isto usando de má fé. Que será então? Ignorância muito atrevida? Infelizmente parece-me o mais provável. Mas daqui poderia não vir grande dano para a UE e para todos nós – bastaria que o Comissário Marcos fosse bem assessorado para tais disparates não seriam publicados. Assim este disparate pode vir a custar muitos euros a todos nós...

Permitam-me, no entanto, que vos recomende uma leitura muito atenta e satírica da crónica de Henrique Monteiro contida na edição em papel do EXPRESSO de 31.05.2014 a propósito das recentes eleições para o Parlamento Europeu “Bárbaros regressam à Europa”.

Vila do Conde, Junho de 2014

Arnaldo A. Dias da Silva

Referências:

- Capper J. L. (2011) – The environmental impact of beef production in the United States: 1977 compared with 2007. J. ANIM SCI 2011, 89; 4249-4261.
- Henrique Monteiro, crónica in EXPRESSO, edição de 31.05.2014
- EUROPEAN UNION – 2007. 50 years of food safety in European Unit 1957- 2007

PUBLICADO NO BOLETIM DA SACP, Nº 3, Setembro de 2014

Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...