quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Quem consegue arrotar mais alto?
Excerto do livro de ciência juvenil de Glenn Murphy, Consegues arrotar muito alto? que acaba de sair na Gradiva Júnior (tradução de António Piedade):
O recorde do arroto mais barulhento é de cerca de 105 decibéis — mais ruidoso que uma mota ou uma motosserra, o suficiente para causar dor a qualquer pessoa muito próxima. Mas não tentem isto em casa: pode ser mesmo muito perigoso.
Mais alto que uma mota?! Não acredito!
Mas é verdade. O recorde mundial do arroto alcançou 104,9 decibéis (ou, abreviadamente, dB, as unidades usadas para medir o volume do som). E a medida foi realizada a cerca de 2,5 metros! O campeão do mundo dos arrotos jura que é capaz de atingir 118 dB, ou mais. Em média, o ruído de uma mota a passar é de cerca de 90 dB — umas boas vinte e oito unidades abaixo.
Então quem foi que o deu?
Um inglês chamado Paul Hunn. Silenciou o anterior recorde do arroto em Julho de 2004, e ainda ninguém conseguiu batê-lo.
Como é que ele conseguiu arrotar tão alto?
Bem, como todos os sons, os arrotos são só ondas de pressão do ar, e, se pressionarmos mais essas ondas, qualquer som pode tornar-se muito alto. Para produzir um som faz-se vibrar um objecto — como um sino ou uma corda de guitarra — para a frente e para trás muito rapidamente, chocando, puxando ou esfregando alguma coisa nele. Por sua vez, o objecto comprime as moléculas do ar à sua volta, gerando ondas ou vibrações que são transportadas pela atmosfera. Quando atingem os ouvidos, as ondas de pressão fazem vibrar os tímpanos. Depois as vibrações são amplificadas por um conjunto de ossos pequeninos e recolhidas por uma série de pêlos finíssimos que existem na cóclea (que é um tubo longo e fino cheio de um líquido alinhado com os pêlos, tudo enrolado como uma concha de um caracol no ouvido interno). Aqui as vibrações são finalmente traduzidas em sinais nervosos que o cérebro interpreta como sons, e identifica como um «sino», uma «corda de guitarra» ou outra coisa qualquer.
Mas então e os arrotos?
No caso dos arrotos, o objecto que vibra é uma dobra carnuda designada cárdia, que separa o estômago do tubo de comida, ou esófago. Quando o ar é engolido (por acaso, enquanto comemos; ou de propósito, se forçarmos um arroto), fica aprisionado no estômago. À medida que este se enche com comida, líquidos e ar, a pressão vai aumentando e o ar acaba por irromper através da cárdia, fazendo-a vibrar quando é expelido e criar aquele profundo e agradável BUURRRRRRRRRRRRRPPPP ao sair. Claro que, se quisermos forçar um arroto a sair, podemos apertar o estômago pela contracção dos músculos do próprio estômago e do diafragma (uma camada lisa de músculo entre o estômago e os pulmões). Foi desta maneira que o Sr. Hunn conseguiu um arroto tão alto. Há milhões de crianças em todo o mundo que usam o mesmo método para forçar arrotos altos, mas ele sabe fazer isso melhor que qualquer outra pessoa. Ah, e antes também ingeriu muitas bebidas com gás.
Está bem, mas porque é que as bebidas com gás fazem arrotar mais alto?
São gasosas e têm bolhinhas devido à adição de dióxido de carbono, um gás, sob pressão. Por isso, quando as bebemos engolimos o gás, que aumenta no estômago e… é fácil imaginar o resto.
É perigoso forçar um arroto dessa forma?
Bem, abusar das bebidas gasosas não é muito bom para ninguém, e engolir gás de propósito não faz nada bem ao estômago, mas na realidade não é isso que torna perigoso arrotar tão alto como fez o Sr. Hunn. É só depois de o arroto sair do nosso corpo que ele se torna perigoso para nós e para os outros.
Mas se um arroto é só ar e som, como pode ser perigoso para quem quer que seja?
Se os sons forem suficientemente altos e na frequência certa, tornam-se muito intensos e perigosos. Nunca ouviste falar dos cantores de ópera que conseguem estilhaçar copos de vidro só com as vozes? É bem verdade. Tudo o que têm de fazer é atingir o tom certo, cantar essa nota suficientemente alto, e o copo de vidro vibrará e tremerá até se desfazer em pedaços. Os militares dos Estados Unidos da América desenvolveram uma «arma sonora» que dispara ondas de pressão de ar e som em vez de balas. A «pistola de anel em turbilhão» dispara um anel de ar que vibra tanto que consegue fazer cair um homem a dez metros de distância.
Então se arrotássemos suficientemente alto conseguiríamos partir os óculos de uma pessoa? Ou deitar ao chão um grupo de pessoas? Isso seria fixe!
Bem… Não. Nem por isso. Nem mesmo o melhor arroto jamais conseguido, como o do Sr. Hunn, conseguiria produzir uma pressão de ar que derrubasse uma pessoa. E o arroto dele tem um tom demasiado baixo para partir vidro. Mas consegue arrotar suficientemente alto para magoar os ouvidos de alguém, ou mesmo feri-los de forma permanente.
O quê, a sério?!
Sim, sem dúvida. O Sr. Hunn arrota entre 105 e 118 decibéis, e 85 decibéis são suficientes para danificar temporariamente a audição de uma pessoa. Os construtores que utilizam martelos pneumáticos (que martelam à volta dos 120 dB) usam protectores nas orelhas para evitar que os seus ouvidos sofram lesões. Se arrotássemos a 165 dB, o estrondo seria igual ao de um tiro de pistola junto à nossa cabeça, portanto se arrotássemos desta forma conseguiríamos defender-nos a nós e às outras pessoas!
Sim, e também seria uma grande desilusão.
Então porquê?
Imagina. Conseguíamos arrotar tão alto como uma pistola, mas depois da primeira vez que arrotássemos mais ninguém nos conseguia ouvir. Nem mesmo nós.
Pois… sim… isso seria realmente uma tragédia.
Só mais uma coisa…
O que é?
Os brócolos fazem arrotar?
Eu penso… que não, não. Porque é que perguntas?
Deviam. Soam a bróóóó, como um arroto.
Caramba, essa foi má.
Eh, eh.
BUUUURRRRRRRRRRRRRRRPPPPPP!!!!!
Saber mais: coisas barulhentas...
O volume de uma onda sonora está relacionado com a pressão do ar e é medido em decibéis (dB). Nessa escala, zero decibéis correspondem a um som mais suave do que a maioria das pessoas consegue ouvir (embora algumas consigam ouvir sons de aproximadamente 10 dB, ou mesmo menos). Vejamos quanto medem os sons de algumas coisas comuns (e outras menos comuns):
dB Som
0 barulho de folhas
20 sussurro
40 chuva miudinha
75 máquina de lavar
90 mota
110 motosserra, concerto de rock
115 um dos arrotos do Paul Hunn (próximo de nós)
130 avião a jacto (a uma distância de 30 metros)
165 disparo de uma pistola.
(Ver aqui uma recensão a este livro)
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3 comentários:
Adorei esta entrevista. Útil, interessante, incontornável. Daqui em diante arrotarei racionalmente.
Bom dia a todos do DRN!
Seria importante destacar que o tema deste livro é realmente surpreendente e quanta ciência guarda uma simples função do corpo humano.
Parabéns a António Piedade.
Meus Deus. Um comentário inteligível da Cláudia Tomazi.
O mundo está perdido...
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