quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O QUE ELES FIZERAM PELAS CIÊNCIAS DA TERRA - Alfred Lothar Wegener (1880-1930)

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho, que muito agradecemos.

Com formação superior na área da astronomia, Alfred Lothar Wegener doutorou-se, em 1904, na Universidade de Berlim.

Interessado pela geofísica, pela meteorologia e pela climatologia, participou, em 1906, numa expedição à Gronelândia visando o estudo da circulação das massas de ar polar. Esta experiência abriu-lhe as portas da Universidade de Marburgo, onde trabalhou como assistente e, nesta situação, voltou a fazer trabalho de campo na Gronelândia.

Após a Grande Guerra (1914-1918), na qual foi ferido em combate e participou como meteorologista do exército alemão, regressou à mesma Universidade, onde permaneceu por mais meia dúzia de anos. Aceitou, então, um lugar de professor de meteorologia e geofísica na Universidade de Graz, na Áustria.

Morreu de hipotermia na Gronelândia, em 1930, ao regressar de uma expedição de salvamento, em que levou alimentos a um grupo de seus colegas acampados num local remoto.

Quando, em 1911, ainda em Marburgo, durante uma sua pesquisa na biblioteca da Universidade, Wegener deparou com um artigo científico, em que se afirmava que as mesmas espécies de fósseis de animais (Cinognatus, Lystrosaurus, répteis mamalianos do Triásico) e plantas (Glossopteris) haviam sido encontrados em lados opostos do Atlântico. Estimulado por este facto, iniciou uma série de estudos que conduziram à teoria que o celebrizou, com o mérito de a ter concebido e divulgado no seio de uma comunidade científica ortodoxa, marcada pelas ideias fixistas, fruto de uma doutrina ou teoria filosófica bem aceite no século XVIII que, no que diz respeito à geologia, sustentava que os continentes se teriam mantido, desde sempre, estáveis e fixos nas posições que hoje ocupam.

Nessa época, para explicar uma tal identidade de fósseis de um e outro lado do oceano, acreditava-se na existência de “pontes terrestres, intercontinentais, hoje submersas, que, em tempos recuados, haviam ligado os continentes”. Wegener admitiu, então, que a citada identidade de fósseis poderia ser explicada, não pelas fantasiosas pontes intercontinentais, mas pelo facto de os continentes terem estado unidos no passado. Era o mobilismo a pôr fim ao fixismo.

Por outro lado, Wegener foi profundamente impressionado pelo facto, já anteriormente notado, de as costas de África e da América do Sul se encaixarem, como num puzzle. Com efeito, muito antes dele, o geógrafo flamengo Abraham Ortels (1527-1598) sugerira que as Américas tinham sido arrastadas para longe da África e da Europa por acontecimentos catastróficos à escala do planeta, admitindo, assim, a possibilidade da existência da translação dos continentes, numa notável antecipação, de três séculos, à sua grande divulgação pelo meteorologista alemão, com a estrutura de uma teoria inovadora.

Mais de dois séculos e meio depois de Ortels, o geógrafo e geólogo francês Antoine Snider-Pellegrini (1802-1885), um fiel devoto às Escrituras, inspirado na correspondência morfológica entre as linhas de costa dos citados continentes e na ocorrência de fósseis idênticos em terrenos de um e outro lado do Atlântico, aceitou e desenvolveu as ideias do colega flamengo. No livro que nos legou, “La Création et ses Mystères Dévoilés”, publicado em 1858, Pellegrini, ao abordar alguns dos acontecimentos geológicos que, segundo ele, tinham ocorrido ente a Criação e o Dilúvio, defendia a fragmentação de uma grande massa continental e o afastamento, entre si, dos continentes vizinhos do Atlântico, recuperando a ideia de Ortels.

Dizia ele que todas as terras tinham estado unidas num único continente, ao longo do qual se instalou uma enormíssima fenda que o atravessou de Norte a Sul e que, através dessa fenda, que separou o Novo e o Velho Mundo, houve a invasão do mar, dando, assim, nascimento ao Oceano Atlântico. Para melhor expor esta ideia, Pellegrini desenhou dois mapas representando a sua versão da forma como os referidos continentes poderiam ter estado juntos no passado.

Para ser entendida e aceite como uma teoria, a ideia da deriva dos continentes necessitava de um conjunto suficiente de provas que a suportassem. E Wegener reuniu essas provas, juntando-as às que obtivera em Marburgo. Descobriu então que os montes Apalaches, na América do Norte, tinham continuação nas Highlands (Terras Altas) da Escócia e que uma dada série estratificada, na África do Sul, era idêntica a uma outra conhecida em Santa Catarina, no Brasil. A estes argumentos, acrescentava-se a existência de vestígios de antigos glaciares em regiões do mundo (nomeadamente, África do Sul, sudeste da América do Sul, Madagáscar e Índia) hoje com clima tropical, facto que o levou a admitir que, no passado, essas regiões teriam ocupado uma posição muito mais meridional próxima do Pólo Sul.

Wegener tomou ainda conhecimento de fósseis de plantas inequivocamente tropicais (fetos arbóreos) recolhidos em terrenos hoje sob climas frios, com é a ilha de Spitzberg, no Árctico. Na sua obra “Origem dos Continentes e Oceanos”, editada em 1915 (com mais edições em 1920, 1922 e 1929), Wegener defendia que, há cerca de 300 milhões de anos, os continentes teriam estado unidos num único supercontinente, a que deu o nome de Pangea (ou Pangeia), rodeado pelo também único oceano, que designou por Pantalassa. Segundo ele, a Pangeia fragmentou-se e os seus fragmentos andaram "à deriva" desde então.
Desenho original da Pangea e da subsequente deriva dos continentes
É certo que Wegener não foi o primeiro cientista a sugerir que os continentes estiveram ligados no passado e que, depois, se afastaram entre si, mas foi ele o primeiro a reunir os dados científicos disponíveis e, com eles, elaborar uma hipótese com o potencial de uma teoria, utilizando argumentos geográficos, geológicos, paleontológicos e paleoclimáticos.

Porém, incapaz de explicar as forças motoras da translação de tão grandes massas continentais, a concepção wegeneriana não resistiu às ideias fixistas e às objecções da comunidade científica da época (em especial, a norte-americana), sendo votada ao esquecimento por cerca de meio século, renascendo a meados do século XX, como precursora da Teoria da Tectónica de Placas.
A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

Unknown disse...

Este é mais um bom exemplo do que é esbarrar com o concenso científico (e o retrógrado que é esse consenso, nomeadamente quando se procura afirmar politicamente).

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Bom estudo sr. Vasco.

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