sábado, 1 de dezembro de 2012

DO REAL COLÉGIO DE NOBRES NA 7.ª COLINA DE LISBOA E DO COLÉGIO EM FONTENAY-AUX-ROSES A 7 KMS DE PARIS - 1.ª PARTE

Primeira parte de um novo texto do Professor João Boaventura, que o De Rerum Natura muito agradece.

– Real Colégio de Nobres 

No reinado de D. João V, na Gazeta de Lisboa Ocidental n.º 1, 07.01.1740, ainda se pode ler que na “Sexta feira primeiro dia do ano foi a Rainha nossa Senhora ao sítio da Cotovia visitar a Igreja do Noviciado dos Padres da Companhia de Jesus, onde se achava o Lausperene”, retratando simbolicamente o louvor perene da Monarquia absoluta à Igreja, mesmo inseridos os actores da Ordem dos Jesuítas, ou seja, a aliança perene entre Estado e Igreja.

É verdade, como afirma Habermas, que “a separação cada vez maior entre as esferas pública e privada” terá feito com que o Rei, “concentrando o poder em suas mãos, passasse a necessitar do reconhecimento público de sua dominação”. O que parecia insuficiente não fosse a Igreja reforçá-la com a imagem de que todo o poder real derivava da sua entronização pelo poder de Deus, mais forte que um exército para manter a força do Rei. O que reforçava também, como retorno, o poder da Igreja. A pompa das procissões e a magnificência da Igreja e do Paço Real irmanavam-se nos símbolos do domínio.

No reinado de D. José, essa prática jurisdicional foi quebrada pelo regalismo pombalino, em dois tempos: primeiro, pelo decreto de 06.06.1758 que legalizava a criação da Direcção-Geral dos Estudos, com o objectivo de retirar a tutela do ensino aos jesuítas – como se os jesuítas só actuassem no campo educacional –, e, no segundo tempo, em lentas doses, dá como provadas as acusações à Companhia de Jesus, ordena o total sequestro dos bens móveis e de raiz dos seus padres, proíbe-os de confessar e pregar, quer nos noviciados quer no Paço Real, extingue as escolas reguladas pelo fundador da Societas Iesu, para criar o ensino secundário – como se ele não existisse –, e finalmente, pelo decreto de 03.09.1759, expulsa a Companhia de Jesus, donde resultou, pelo normativo de 25.12.1761, a incorporação de todos os bens seculares na Coroa. Estava dado o primeiro passo para a secularização do ensino atribuindo ao Estado a responsabilidade da instrução pública, separando a Igreja do Estado, pelo menos nesta matéria.

Fique assente que os jesuítas eram avançados para a sua época, não desconheciam o Verdadeiro método, de Vernei – a mesma obra que também servirá ao Marquês de Pombal para fundamentar o ensino no Real Colégio de Nobres – nem as obras de Locke e de Descartes, e as suas escolas espalhadas pela Europa configuravam um iluminismo traduzido pelas fontes mais modernas da época colhidas pelos jesuítas nas diversas capitais onde exerciam o seu magistério, patentes na rica biblioteca do noviciado jesuíta da Cotovia que o Real Colégio herdaria. Com a expulsão dos jesuítas, Portugal ficou sem os respectivos professores das 34 faculdades e dos 17 colégios por eles criados.

Mas, enfim, com aquelas medidas pombalinas já foi possível – como se antes, algo o tivesse impedido – criar o Real Colégio de Nobres – inspirado nos Apontamentos para a educação de um menino nobre, que para seu uso particular fazia, de Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743), nas Cartas sobre a Educação da Mocidade, de Ribeiro Sanches (1699-1783), e nos Tomo I e Tomo II, do Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Vernei (1713-1792) – e regular os respectivos estatutos, pela Carta de Lei de 07.03.1761, mas o Colégio só abriria em 19.02.1766, com um discurso do prefeito dos estudos seguindo-se o juramento, do prefeito, do vice-prefeito, e dos 24 alunos já matriculados, de defender a Imaculada Conceição da Virgem Maria.

Na possibilidade de defenderem a Imaculada Conceição pouco ficou para defenderem o bom funcionamento do Colégio. Entre a sua criação e a abertura do mesmo, no decurso de cinco anos Pombal aproveitou-os para contratar professores estrangeiros conforme conselho de Ribeiro Sanches, até porque em Portugal não os havia em determinadas matérias como a Física e a Matemática. Estrangeiros eram já o prefeito, o médico e o cirurgião, mas faltavam os de Francês, Italiano, História, Arquitectura, Física e Esgrima. Da dança, contratou-se um italiano que, pelas faltas que dava obrigou a um normativo estipulando multas a aplicar. A picaria teve um mestre picador português a partir de 1790. Para a esgrima contratou-se um francês que, à data da abertura, juntamente com um italiano de Matemática, entrado em 1762, eram os únicos que estavam presentes. O de Física, italiano, também chegado em 1762, depois de esperar três anos pela abertura, desistiu e voltou para Itália. O professor de História só foi possível em 1773, e os de Francês e Inglês só vieram em 1775, ficando vagos os lugares de Arquitectura e Italiano. Para grego e latim, dois irlandeses. Uma torre de Babel em línguas: francês, inglês e italiano, para meninos dos 7 aos 13 anos. 

O antigo noviciado jesuíta da Cotovia, depois Real Colégio de Nobres
(Fonte: portal Restos de Colecção)

Picadeiro e cavalariças do Colégio de Nobres, construídos possivelmente em 1766, 
data da abertura do Colégio. Fica situado em frente da Imprensa Nacional

Picadeiro à esquerda dentro do quadrado e a Escola Politécnica à direita com o Jardim Botânico

Independentemente desta arquitectura um tanto ou quanto falhada, o colégio teve alguns percalços em matéria disciplinar, não se sabe se desmotivados os alunos pelos idiomas dos professores, igualmente desmotivados pelo desinteresse consequente daqueles, donde resultou a publicação de um alvará para impor a disciplina. A norma não teve os efeitos esperados porque o professor italiano de Aritmética que se iniciou no 3.º ano, abandonou o magistério no ano escolar seguinte e voltou para o país de origem; no 4.º ano ocorreu o mesmo com os professores italianos de Álgebra e Física que abandonaram o Colégio no ano seguinte, em virtude de aos alunos faltarem as bases da matemática. Este abandono parece ter ainda como causa, além da desmotivação mútua de professores e alunos, os atrasos nos vencimentos, em meses, uns, e alguns em anos, outros.

Rómulo de Carvalho é bastante explícito ao referir que: No 5.º ano (1769-1770) a desordem era completa; no 6.º ano (1770-1771) é aberta uma devassa ao funcionamento do Colégio; no decurso do 7.º ano (1771-1772) é publicado um alvará reformando a escola, e em 10 de Novembro de 1772 é abolido nela o ensino das disciplinas científicas que já não se praticavam e com as quais se acabou de vez (1996, p. 451).

À expulsão dos jesuítas pela desactualização do ensino, segundo Pombal, seguiu-se o fracasso do Real Colégio de Nobres, que pouco mais fez, o que obrigou à revisão do campo da educação, expressando-se no alvará de 04.06.1771 que de futuro é “cometida à Real Mesa Censória toda a Administração, e Direcção dos Estudos das Escolas Menores destes Reinos, e seus domínios; incluindo nesta Administração, e Direcção não só o Real Colégio de Nobres, mas todos, e quaisquer outros Colégios, e Magistérios…" Desta feita, estendido o manto do poder a todos os colégios, diluía-se o fracasso do Colégio de Nobres, acentuando o alvará de 13.03.1772 que, devido à má administração do mesmo, encarrega a Real Mesa Censória da venda, por bons preços, de bens do Colégio de Nobres.

Idêntica medida tomaram os constituintes liberais ao estipular, depois do incêndio de 22.04.1843, decorridos que foram dois meses, pela lei de 28.06.1843, determinava que é autorizado o governo para vender os bens que eram administrados pelo extinto Colégio de Nobres, e hoje administra a Escola Politécnica, ou para contratar seus rendimentos, e com aplicação destes o empréstimo da quantia que for necessária… à reconstrução do respectivo edifício (…).

Mas Pombal esclarece esmiuçadamente as causas da decadência do Real Colégio e as medidas adequadas em normativo da mesma data, no Alvará de 13.03.1772.

E, para esvanecer o fracasso do Colégio, a Real Mesa Censória apresentou o relatório das inspecções feitas aos colégios e cuja redacção o apaga de vez: Sendo fatal o estrago causado nas Escolas Menores deste Reino pela negligência e educação positivamente má dos jesuítas a que elas foram confiadas…

Com o advento do Liberalismo e a instituição da Monarquia Constitucional que, na concepção de Oliveira Martins “mais não era do que uma república com uma presidência hereditária”, os constituintes nortearam o seu combate às mercês e aos privilégios régios pelo que, além da extinção das ordens religiosas e a venda dos bens do clero ordenou, pelo decreto de 04.01.1837, abolir o Colégio, afirmando-se no respectivo preâmbulo que Sendo o Real Colégio de Nobres uma instituição que não está em harmonia com a Constituição Política da Monarquia, em razão de ser seu instituto uma escola privilegiada; e devendo colocar-se no respectivo edifício as escolas que vão ser organizadas, decretava que os edifícios, equipamentos e rendimentos ficassem disponíveis para outras escolas.

Oito dias depois era criada a Escola Politécnica de Lisboa, instituição que herdou o imóvel, rendimentos e equipamentos.

Em 22.04.1843, o fogo destruiu e reduziu a escombros o Colégio de Nobres, onde estavam estabelecidas as Escolas Politécnica e do Exército que tiveram de instalar-se em locais diferentes e distantes. Mas, tal como uma Fénix, a Escola de Nobres ressuscitará em Fontenay-aux-Roses, a sete quilómetros de Paris.

Fontes:
- (1840) Portelli, José; Saraiva, José; Henriques, José, Cópia de um ofício dirigido pela Junta de Fazenda do abolido Colégio Real de Nobres a S. Ex.ª o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, Lisboa: na Tipografia da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis.
- (1841) Herculano, Alexandre, Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres”, in Opúsculos, Tomo VIII, Questões Públicas Tomo V, 1.ª ed., Lisboa: Tavares Cardoso & Irmão Editores.
- (1871) Ribeiro, José Silvestre, História dos Estabelecimentos Científicos Literários e Artísticos de Portugal, Tomo I , Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências [pp 282-295].
- (1872) id.ibid., Tomo II, id.ibid. [pp 97-101].
- (1876) id.ibid. Tomo VI, id.ibid. [pp 25 e 26; e 320-331].
- (1876) Branco, Camilo Castelo, Curso de Literatura Portuguesa, Lisboa: Livraria Editora de Matos Moreira & C.ª. (Nota: Este autor considerava que a primeira fase do Colégio, de 1761 a 1772, configurava um liceu, destinado a proporcionar conhecimentos, e a segunda fase, de 1772 a 1837, considerava-o mais modesto, apesar de liceu, mas privado por destinado a alunos privilegiados.).
- (1878) Ribeiro, José Silvestre,Tomo VII, ibid. [pp.129-134].
- (1995) Marques, A.H.de Oliveira, Breve História de Portugal, 1.ª ed., Lisboa: Editora Presença.
- (1996) Carvalho, Rómulo de, História do Ensino em Portugal, 2.ª ed., Lisboa: Fundação Gulbenkian.
- (2010) Ramos, Rui, História de Portugal, 3.ª ed, Lisboa: A Esfera dos Livros.

João Boaventura

Continua aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei muito, porém convém rever as datas que por lapso saíram erradas, ex: «O de Física, italiano, também chegado em 1862, depois de esperar três anos pela abertura, desistiu e voltou para Itália. O professor de História só foi possível em 1773, e os de Francês e Inglês só vieram em 1875, ficando vagos os lugares de Arquitectura e Italiano.» Cumprimentos, fbf

joão boaventura disse...

Caro fbf

Agradeço o reparo.
Lapsos destes, por muita atenção que mereçam as datações, não deverão ocorrer.
Tem toda a razão que muito agradeço e me permite corrigir para cem anos menos, o que, em história, é muito.
Cordialmente
joão boaventura

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