terça-feira, 19 de junho de 2012

Vitam regit sapientia, non fortuna

Texto recebido de João Veloso, professor de Linguística Geral e Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto sobre a situação crítica em que a cultura e as línguas clássicas se encontram no nosso país.

A recente regra que, em nome do economicismo que está a desmantelar o que de bom ainda resta na Escola Pública (maiúsculas propositadas), proíbe a abertura de disciplinas de opção com menos de 20 alunos é a estocada final no ensino do Latim e do Grego no sistema público de ensino secundário em Portugal.

Num país que tem aversão à sabedoria, às coisas difíceis, à maturação do raciocínio, ao esforço e concentração intelectuais, à reflexão demorada, ao pensamento abstrato, ao conhecimento de matérias sem visibilidade ou aplicação aparentemente imediatas – onde, em suma, as “ciências da comunicação” ou a “organização de eventos” estão mais cotadas, social e academicamente, do que a matemática, a física, a química, a história, a filosofia e a gramática, onde o lema dos concursos televisivos com maiores audiências parece ser “quanto mais boçal melhor”, onde os pais preferem inscrever os filhos em Espanhol em vez de Francês baseados na suposta maior facilidade daquele e na miragem de que tal escolha lhes abrirá um dia as portas de Medicina em Salamanca –, era esta a medida que faltava para acabar de vez com as línguas clássicas na oferta curricular efetiva em Portugal.

Como se não bastasse a sacrossanta pergunta de pais, professores e diretores de escola – “Latim e Grego para quê??!!” – impõem-se agora duas perguntas ainda mais desesperantes: “Latim e Grego onde?”; “Latim e Grego como?”.

Trata-se de uma situação que me incomoda. Incomoda-me como ex-aluno de Latim, como professor de Humanidades, como estudioso e especialista de Português, como pai de um jovem de 15 anos que quer ser arqueólogo e que quer muito matricular-se em Latim e Grego no 10º ano já no próximo ano letivo e incomoda-me como cidadão que, com a companhia de muitos outros compatriotas, quer um país culto, informado, sábio, melhor, mais elevado e mais instruído.

Por motivos pessoais e profissionais, o meu tempo é quase todo passado em escolas, escolas grandes e pequenas, ricas e pobres, boas e más, do litoral e do interior. Quando entro nas bibliotecas (agora chamam-lhes “centros de recursos educativos”…) de muitas dessas escolas, descubro sempre uma ou duas prateleiras com dicionários, gramáticas, manuais, livros e outros materiais de Latim e de Grego. É um vestígio e um sinal de que, há pouco mais de 10 anos, estas eram matérias ensinadas e estudadas em praticamente qualquer escola secundária, sempre com turmas reduzidas. Penso nas grandes cidades mas penso também em terreolas perdidas e afastadas dos centros urbanos, localidades insossas onde não havia centros comerciais, nem cinemas, nem hipermercados, nem autoestradas – mas havia meia dúzia de cabeças a aprender declinações, a traduzir Cícero e Horácio, a escutar uns professores que lhes falavam dos mitos e das histórias do passado remoto, dessa Antiguidade de que todos somos herdeiros mas de cuja herança afinal não somos dignos. Reflito, penso nos gregos que, onomatopeizando o balir das ovelhas ou as falas de outras nações, chamavam “bárbaros” aos que não sabiam a sua língua e concluo que já não é só na etimologia que estamos bárbaros, cada vez mais bárbaros. Os filhos dos jovens que há 15 anos, sem televisão por cabo nem microondas, aprendiam Latim e Grego já não podem ter acesso, mesmo que mais ricos materialmente e mesmo que querendo, a essa parcela da nossa herança cultural e linguística.

Dói-me particularmente que pessoas e instâncias que deveriam ter um papel afirmativo no combate a esta forma de obscurantismo – dos diretores das escolas e psicólogos escolares que fazem orientação vocacional até aos responsáveis ministeriais – se demitam, sacudam os ombros, lavem as mãos e abdiquem de uma função que também é deles: defender as áreas nucleares do saber e da cultura (palavra que não está definitivamente na moda, que não é um bem transacionável, que não interessa nem aos investidores, nem aos especuladores, nem às agências de rating). Só uma visão muito curta, de olho pequenino posto nas contas de créditos horários e no agrado à tutela, pode justificar a indiferença – quando não a hostilidade – perante a missão cultural da Escola, porque é só disto que se trata. A estes responsáveis (mas não só a eles, obviamente) cabe promover e preservar as disciplinas que não estão na mó de cima, assumir com orgulho que, apesar de todas as dificuldades, obstáculos e restrições, ainda é possível estudar matérias ameaçadas como o Latim e o Grego, duas línguas que não arrastam multidões, que nunca gozarão da popularidade e dos favores do público, mas de que o país não pode abdicar, a menos que se queira assumir oficialmente que entrámos mesmo em declínio e que voltamos a preferir o analfabetismo (que tem muitas faces).

“Estamos a precisar de outro Renascimento” – dizia-me o meu filho mais velho hoje à hora de almoço. Sim, infelizmente estamos. Voltámos ao tempo da necessidade de uma resistência cultural semiclandestina, como a dos monges da Idade Média que transmitiam dentro dos seus mosteiros, de geração em geração, a álgebra, o latim e o grego, a escolástica, o alfabeto e a gramática, a astronomia, a botânica, olhados com desconfiança pelo poder obscurantista e lutando, sem qualquer compensação e às vezes sendo perseguidos por isso, pela preservação de um saber ancestral. Ou, mutatis mutandis, à Polónia ocupada pelos nazis, na Segunda Guerra Mundial, em que os (ex-)estudantes das universidades encerradas pelos alemães se reuniam secretamente, correndo risco de vida, para ouvirem, a seu pedido, as lições clandestinas dos seus professores.

Convenhamos: a Torre do Tombo e muitos arquivos menores espalhados pelo país, os sítios arqueológicos, os laboratórios anónimos onde discretamente se faz muita investigação em ciência fundamental, muitos museus e monumentos nunca poderão competir com o karaoke, com o divertimento instantâneo e barato da popularucha televisão de massas, com os noticiários sensacionalistas, com o desporto-rei ou com a mexeriquice brejeira e universalizada. Nem por isso – espero! – se supõe que o Estado mande agora fechar museus e arquivos, enterrar espólios, encerrar escavações, observatórios e laboratórios a que falte público ou aclamação.

Há coisas que só a Escola pode ensinar. O latim e o grego estão entre essas matérias de que nunca nenhum instituto de vão de escada, nenhuma associação cultural de bairro (com todo o respeito), nenhum clube desportivo se irão abeirar. Por isso, a Escola tem na preservação deste saber um papel simplesmente insubstituível.

Não passará pela cabeça de ninguém, julgo eu, que a Escola e a Universidade portuguesas deixem um dia de oferecer formação em áreas científicas básicas como, além das que já enunciei neste texto, a biologia, a astronomia ou o direito. As línguas clássicas, por serem os códigos em que foram fixados muitos dos valores fundamentais que ainda hoje regem as nossas sociedades, pela compreensão mais esclarecida e aprofundada que nos proporcionam do léxico e das estruturas do português que falamos e estudamos (estudamos?), por serem as línguas em que foram escritos alguns dos mais importantes textos científicos, literários, jurídicos e filosóficos que estão na base de muito do conhecimento e da ética (ética?) do mundo contemporâneo, por serem em si mesmas objetos de conhecimento explícito (e estudo árduo), por ser – no caso do latim – a língua em que se encontra escrita muita da documentação que nos arquivos e acervos espalhados pelo país se encontra ainda por catalogar, estudar e editar, têm de estar, obrigatoriamente, no cômputo de tais áreas fulcrais e imprescindíveis.

Quanto a este ponto, não basta dizer que os planos curriculares do ensino secundário continuam a contemplar o Latim e o Grego – mas que os alunos e as suas famílias não os escolhem (tal como quando “os mercados” não compram a nossa dívida soberana ou “as audiências” não gostam de ópera na televisão), sacudindo responsabilidades e remetendo para o vulgo aquilo que o vulgo ignora. Estas áreas, pela sua delicadeza e pelo sério risco de extinção que enfrentam, precisam de medidas especiais de garantia, defesa, preservação e promoção, tal como, num passado recente, se fez para certas áreas ameaçadas no ensino superior (as artes e as “ciências navais”, por terem sido consideradas áreas estratégicas e em risco).

Todos sabemos dos problemas financeiros do país – que muitas vezes servem somente de desculpa e pretexto para muitas decisões que fazem parte de agendas ideológicas ou programáticas cada vez menos bem disfarçadas, sendo o desprezo por uma formação de ponta posta à disposição de ricos e pobres um dos pontos dessa agenda –, mas seria relativamente simples, assumida politicamente a relevância da questão (ablativo absoluto), pensar em medidas que impedissem a morte definitiva das disciplinas de Latim e Grego. Falo de medidas simples, não estrondosamente caras, inteiramente justificadas, como, p. ex., assegurar-se que, dentro de certas circunscrições geográficas e administrativas, a regra dos 20 alunos por turma pudesse ser flexibilizada (permitindo, p. ex., que em cada distrito ou concelho, ou em cada agrupamento de escolas, ou dentro de um raio quilométrico a definir, houvesse pelo menos uma escola a oferecer aos alunos interessados, ainda que em número inferior a 20, a possibilidade de se matricularem em Latim e Grego, e canalizando para essas escolas os alunos a quem, nas outras escolas das redondezas, não fosse dada essa opção). Ponto final.

Não o fazendo, além do prejuízo cultural que isso acarreta – digo sem qualquer sombra de dúvida que, se se consumar (como tudo indica que vai acontecer) a extinção definitiva do Latim e do Grego nas escolas secundárias do país, o sistema educativo e os seus responsáveis e decisores ficarão para a História como cúmplices e coautores de um retrocesso civilizacional e cultural – , estaremos, ainda por cima, a menosprezar e a desperdiçar o mérito profissional de centenas de excelentes profissionais. É preciso recordar que Portugal, que nem sempre foi assim, conta com uma longa e frutífera tradição de formação de professores de Português, Latim e Grego, dos melhores que se podem encontrar no mundo (sei do que estou a falar), a quem pura e simplesmente não é dada oportunidade de mostrar o que valem e de multiplicar o seu saber e a excelência profissional que detêm. Centenas de jovens desejosos de aprender Latim e Grego, com professores que os ensinariam admiravelmente, ficam assim impedidos de aceder a um recurso de exceção – tantas vezes desperdiçadamente direcionado para o ensino de outras matérias ou para o desempenho de tarefas não docentes que pouco contribuem para a melhoria do nível cultural da população.

Perante este cenário de definhamento e apagamento de uma área de conhecimento importante, não tenho quaisquer dúvidas em dizê-lo: daqui a uma geração, quando precisarmos de latinistas e helenistas – nenhum país “civilizado” os dispensa –, iremos importá-los, quiçá de países onde se falam línguas não românicas e/ou de países sem a herança greco-latina que caracteriza a nossa matriz civilizacional, e iremos deixar a nu o vergonhoso resultado de uma política míope e nada esclarecida.

Lamento que este tema não suscite maior debate nem maior interesse. É o reflexo da indiferença dos portugueses em geral pelas questões culturais, que, enquanto profissional da área, sinto de forma mais aguda no que toca ao “saber humanístico”. Como diziam hoje dois pais à porta da escola aonde fui deixar o meu filho mais novo, que fez a prova nacional de Língua Portuguesa, 6º ano: “hoje é fácil, é Português, não é preciso estudar; o pior é na quinta; Matemática é difícil, mas eu já disse ao meu: «não te preocupes com a Matemática; aquilo é mesmo difícil; tu tiras nega mas no país todos tiram»”. Ou como dizem alguns professores do meu mais velho (como também a mim mo disseram noutros tempos) : “Tu, com essas notas, vais para Letras?”. Em resumo: as humanidades são coisa fácil, que não exige esforço, são o refugo dos menos capacitados. As “ciências” sim, são difíceis, mas consolemo-nos, não vale a pena investir muito nelas porque é difícil para todos e o fracasso generalizado não nos deve envergonhar. Com este pano de fundo, a Escola não pode ficar quieta!

Com este pano de fundo, o que é verdadeiramente admirável é que um aluno português, um dos cento e poucos que ainda conseguiram estudar Latim numa escola pública portuguesa nos últimos dois anos, tenha ganho o prémio de melhor aluno europeu de Latim. Batendo-se com os melhores dos melhores no “Certamen Horatianum”, trouxe para Portugal a medalha de ouro. Chama-se António Gil Cucu, é aluno de uma das escolas em que eu próprio estudei Latim – Escola Secundária Rodrigues de Freitas, no Porto –, não ganhará nunca nem a admiração histérica nem os milhões que ganham os ídolos do futebol (muitos deles casos flagrantes de insucesso ou abandono escolar precoce). Porém, são-lhe devidas todas as honras e todas as medalhas que os jovens que prometem um futuro melhor para o nosso país deveriam receber. É a prova do que disse mais acima: Portugal tem dos melhores professores de Latim e Grego do mundo – é só deixá-los ensinar Latim e Grego.

João Veloso

16 comentários:

Carlos Pires disse...

O economicismo será realmente a explicação? Ou, pelo menos, a única explicação?

Origem da Comédia disse...

Poucas foram as épocas em que as Clássicas não estiveram ameaçadas. Este sentimento de vermos ansiosamente o tempo a escoar-se faz parte da experiência de estudar a Antiguidade. Tendo dito isto, o efeito que isso tem, benfazejo, é fazer-nos sentir a a urgência perpétua e indissipável de ano após ano dizermos "Agora mais que nunca é perciso fazer algo." Porque é sempre verdade. Que os deuses te ouçam. Miguel Monteiro.

José Batista da Ascenção disse...

Ex.mo Senhor Professor

Como o meu amigo padre Júlio Vaz havia de

gostar de falar consigo. Há 3-4 anos optou

pela reforma porque os alunos que escolhiam

latim e o tinham como professor se contavam já

pelos dedos das mãos. E o que é mais irónico é

que os alunos que tinham latim com ele não só

aprendiam latim como gostavam de o aprender.

Vi-o partir com mágoa, dele, que gostava de

ensinar, e minha que perdi um colega com quem

gostava imenso de dialogar, especialmente em

conselho pedagógico. A falta que ele faz...

Enfim, acabaremos em barbarismo.

E, no entanto, as soluções que sugere

parecem(-me) fáceis e baratuchas. Penso até

que o senhor ministro da educação será

sensível ao problema, assim os assessores lhe

facilitem a ação.

É que o "deserto" vai avançando e nós vamo-nos

deixando engolir nele.

Se bem que haja sempre uns "professores

auto-propostos", nas modalidades mais

extravagantes a quererem dar-nos lições que

não pedimos e dispensávamos: na política, na

economia, nas pantalhas televisivas e também,

claro, nos blogues. Aqui até com a suposta

vantagem de se esconderem em comentários

anónimos em que insistem em se desmascarar.

Deus lhes perdoe. Se puder.

Isabel Duarte disse...

Obrigada, João. Pela indignação. Já foi uma carta da Faculdade de Letras para o ME a expor este problema, mas a tutela deixou, pura e simplesmente, de responder. Entretanto, nas duas escolas onde ainda temos estágio de Latim (Secundária Camilo Castelo Branco, em Famalicão e Secundária José Régio, em Vila do Conde), talvez não se consiga abrir turma no 10º ano. E no entanto, além dos óbvios benefícios que referes para os alunos e do empobrecimento que, a médio prazo, esta "extinção" trará a todos nós, os miúdos até gostam de estudar Latim. O problema é que seremos sempre muito poucos a defender o que é difícil e exige esforço, o que não tem aparente utilidade.

Iva Svobodova disse...

Iva Svobodova


Prezado profesor João Veloso,
no ano passado, num congresso chamado Pequeno Encontro de Romanistas que se realizou em Bratislava, na Rep.Eslovaca, „desacordei“ com o Novo Acordo Orográfico, argumentando que ao meu modo de ver, a perca dos grupos consonántico ct, pc, pç….é um dano feito à língua portuguesa, é uma perda do matrimónio humano, sendo estes os rastos etimológicos da língua hoje considerada morta, MAS na realidade, sempre viva, sendo que continua a ser usada em diferentes ramos científicos e não só…. A verdade é que muitas pessoas, atordoadas pela globalização, deixam de perguntar: Lingua Latina, cui bono? e muito poucas pessoas estão convencidas de que QIDQUID DISCIS, TIBI DISCIS.

Aqui na República Checa, nos liceus, o latim sempre era uma língua optativa. Mas ainda continuam a existir (por poucos que sejam) os liceus, chamados Liceus Latinos ou Clássicos. Mesmo que o interesse não seja muito muito grande, sempre há esta oferta que pode ser aproveitada (ou será que apanhadas com unhas e dentes???).

O estudo do latim é tanto mais essencial e importante para os portugueses quanto mais levarmos em consideração a questão hereditária: o idioma português é o neto e era o filho do latim e todos sabemos como a identidade (tanto individual como do povo) é importante. E nao é só por isso. Seguindo as tendencias modernas e pragmáticas, devemos ainda destacar que, para quem queira continuar a estudar nas escolas superiores (estudos humanos, ciências naturais, medicina, etc), terá que enfrentar um abundantíssimo uso do latim. Tanto mais difícil será para eles o estudo, quanto menos se apoiará o ensino do latim e do grego nas escolas secundárias. Será que alguém explicou este facto aos Ministros da Educação?

E para finalizar e aliviar este peso, deixe-me dizer mais algo mais pessoal: o meu pai que é pediatra, ainda continua a escrever grande parte dos relatórios médicos no latim clássico . E fica sempre zangado quando alguns dos seus colegas mais novos nao percebem .

Saudaçoes cordiais da República Checa.
Iva Svobodova

Iva Svobodova disse...

Prezado profesor João Veloso,
no ano passado, num congresso chamado Pequeno Encontro de Romanistas que se realizou em Bratislava, na Rep.Eslovaca, „desacordei“ com o Novo Acordo Orográfico, argumentando que ao meu modo de ver, a perca dos grupos consonántico ct, pc, pç….é um dano feito à língua portuguesa, é uma perda do matrimónio humano, sendo estes os rastos etimológicos da língua hoje considerada morta, MAS na realidade, sempre viva, sendo que continua a ser usada em diferentes ramos científicos e não só…. A verdade é que muitas pessoas, atordoadas pela globalização, deixam de perguntar: Lingua Latina, cui bono? e muito poucas pessoas estão convencidas de que QIDQUID DISCIS, TIBI DISCIS.

Aqui na República Checa, nos liceus, o latim sempre era uma língua optativa. Mas ainda continuam a existir (por poucos que sejam) os liceus, chamados Liceus Latinos ou Clássicos. Mesmo que o interesse não seja muito muito grande, sempre há esta oferta que pode ser aproveitada (ou será que apanhadas com unhas e dentes???).

O estudo do latim é tanto mais essencial e importante para os portugueses quanto mais levarmos em consideração a questão hereditária: o idioma português é o neto e era o filho do latim e todos sabemos como a identidade (tanto individual como do povo) é importante. E nao é só por isso. Seguindo as tendencias modernas e pragmáticas, devemos ainda destacar que, para quem queira continuar a estudar nas escolas superiores (estudos humanos, ciências naturais, medicina, etc), terá que enfrentar um abundantíssimo uso do latim. Tanto mais difícil será para eles o estudo, quanto menos se apoiará o ensino do latim e do grego nas escolas secundárias. Será que alguém explicou este facto aos Ministros da Educação?

E para finalizar e aliviar este peso, deixe-me dizer mais algo mais pessoal: o meu pai que é pediatra, ainda continua a escrever grande parte dos relatórios médicos no latim clássico . E fica sempre zangado quando alguns dos seus colegas mais novos nao percebem .

Saudaçoes cordiais da República Checa.
Iva Svobodova

Graciete Rietsch disse...

Gostei deste texto. Vou procurar divulgá-lo, não copiá-lo.
Ao referir-se ao ensino do latim e do grego ele foca muitos outros assuntos tão menosprezados neste Portugal.

Os meus cumprimentos.

Nuno S. Rodrigues disse...

Ironicamente, vivemos um tempo que repete o mito grego: qual Crono, o sistema castra Úrano. E o mais triste é que nem sabe que o mito revive em si.

José Coelho disse...

Caro Professor João Veloso

Grato, como cidadão, pelo alerta, partilho duas experiências neste domínio.

A primeira localizada no 7.º ano do Liceu quando a minha querida Professora de Filosofia (Professora Graça)nos fez uma aproximação ao Grego (clássico)exemplificando com a abordagem etimológica da terminologia na área da saúde (para a qual uma parte substancial de nós se dirigia). De facto, quando iniciei a minha formação de base em Fisioterapia tive a oportunidade de, rapidamente, reconhecer o interesse de tal abordagem.

Uma segunda experiência, localizada na minha actividade de docente no Ensino Superior, quando a leccionar "linguagem técnica - área da saúde" a alunos de um Curso de Tradução. Recrutando a abordagem em causa, rapidamente foi possível capacitar os alunos para a familiarização com esta "linguagem técnica", o que lhes permitiu identificar domínios específicos desta área de conhecimento e planear consultas a peritos nesses mesmos domínios.

Se ensinar significar 'levar à fonte', talvez possamos afirmar que 'escola que não leva à fonte, não ensina'.

Os meus melhores cumnprimentos
José Coelho

joão boaventura disse...

Sobre esta matéria já uma vez transmiti o que a revista "Esprit", em artigo elucidativo explicava as razões do latim e do grego perderem a importância com o passar dos anos.

O ano em que li o artigo foi, salvo erro, nos anos 1998-99, e a revelação consistia no facto de que latim e grego tiveram o seu apogeu nas escolas e universidades quando ainda havia milhares de documentos dos clássicos helenos e latinos por traduzir e havia necessidade de especialistas nas duas áreas.

E na medida em que ia engrossando os manuscritos traduzidos, iam minguando os textos por traduzir e, consequentemente, minguando a necessidade de haver mais latinistas e helenistas, sob pena de desemprego.

Esta explicação fixou-se na minha memória, e considerei-a lógica factualmente, o que não me impediu de considerar que, como áreas do conhecimento, nunca as mesmas devem ficar longe do alcance de quem deseje alargar os seus horizontes, independentemente das causas letais que condenavam línguas já mortas.

Fique aí o registo de que não se afigura justo que áreas consideradas importantes para lobrigar as ideias e os pensamentos dos clássicos itálicos e helénicos, percam a importância que o espírito e a consciência repudiam.

Sónia Duarte disse...

É realmente importante denunciar o modo como os critérios por detrás das últimas medidas deste Governo no âmbito da educação, ao invés de serem pedagógicos, são economicistas. É, com efeito, essa a realidade do quadro legal e normativo que conforma a revisão curricular, a constituição de turmas e a organização do próximo ano letivo. É notório que estes documentos se baseiam numa estratégia de redução, hierarquização e normalização da oferta, em função da contenção da despesa púbica e dos interesses do mercado e em prejuízo do investimento na formação integral dos cidadãos. A oferta curricular define-se agora em função de disciplinas ditas “estruturantes”, identificadas com o Português e a Matemática, e, por outro lado, é marcada pelo constrangimento das disciplinas de opção, entre as quais estariam as línguas clássicas - não menos estruturantes... como, aliás, qualquer outra área de conhecimento.
Tal como já fizeram as associações de professores de línguas estrangeiras (autonomamente ou integradas na FNAPLV) pressentindo os efeitos da redução da liberdade de escolha dos alunos em favor das escolhas da maioria ou da manutenção do quadro docente de uma dada escola, seria particularmente oportuno que, se ainda não o fez, a Associação de professores de Latim e Grego também tomasse posição sobre esta matéria.
Como professora, juntamente com outros colegas, tenho tomado posição, no âmbito do meu departamento e das estruturas da minha escola, com vista a combater a massificação da oferta linguística (seja lá qual for o sentido em que ela se oriente...) e recordar o interesse das alternativas. Se, a dada altura, participei na promoção do espanhol, depois disso, pareceu-me prioritário promover o francês, o alemão, o latim e o grego. Mas é complicado promover as línguas clássicas no ensino secundário, se o ensino superior remar em sentido contrário deixando de exigir, para as licenciaturas com uma componente de línguas românicas, a frequência do latim no secundário e retirando-o, assim como ao grego, das disciplinas obrigatórias nos mesmos cursos.
De forma marginal à temática do texto que aqui comento, como professora de espanhol, gostaria de vincar o que aí se diz sobre o equívoco acerca da suposta facilidade da língua no qual muitas vezes se fundamenta a escolha dos alunos. Um aluno que parta desse princípio está, à partida, prejudicado, pois será vítima de outro tipo de dificuldade que se esconde na proximidade estrutural entre as duas línguas. Seria bom que eles escolhessem a língua pelo interesse linguístico, pela curiosidade natural acerca de uma realidade culturalmente mais próxima e para compensar aproximadamente trezentos anos de preconceito e atraso relativamente ao estudo de outras línguas estrangeiras... Isso é, com efeito, raro e predomina o critério do provável menor esforço, no entanto esse não é, para mim, um sinal dos tempos, que defina a sociedade "boçal" de hoje e a escola de hoje, em que não quase não há latim e grego no secundário: como aluna, também a mim, no meu tempo (quando ainda era comum estudar línguas clássicas no secundário), me tentaram desviar do alemão para o francês, por ser supostamente, mais fácil, por não se conseguir formar turma, etc... Antes como agora, o que importava não era o conhecimento, mas se ele interessava ao mercado e os custos que implicava. As opções políticas por detrás dos modelos e práticas curriculares de então eram mais ou menos as mesmas. Na verdade, as opções políticas são mais ou menos as mesmas há muito, há demasiado tempo! Só as línguas “na berlinda” é que vão mudando ...

joshua disse...

Não têm perdão, meu caro.

João Veloso disse...

Gostaria de agradecer a todos os leitores que deixaram neste espaço os seus comentários ao meu texto. Nunca pensei, para ser honesto, que estas minhas reflexões chegassem a tanta gente e suscitassem tantas respostas e tantos comentários (que tenho recebido por vias diversas). Cada um dos comentários antecedentes acrescenta um dado ou um argumento aos pontos de vista fundamentais do meu próprio texto e isso enriquece a nossa visão das questões aí tratadas. Agradeço novamente a atenção e o tempo que quiseram dispensar às minhas palavras.
Parte dos meus objetivos - alertar e tentar mudar alguma coisa - parece estar a conseguir-se, se atendermos, na verdade, às reações que têm chegado de diversas proveniências. Este aspeto deixa-me muito feliz e aproveito para agradecer à Doutora Helena Damião o espaço que aqui me concedeu.
Oxalá este gesto torne possível manter o Latim e o Grego no horizonte de ofertas curriculares das nossas escolas.

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Boa tarde,

Procuro um professor de Latim. Alguém me pode informar qual ou quais as Licenciaturas indicadas para se ser professor de Latim?

Obrigado.

Isabel Duarte disse...

Para ser professor de Latim, hoje terá de fazer uma Mestrado em Ensino do Português e das Línguas Clássicas.

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