quinta-feira, 7 de junho de 2012

Newton e o Sistema de Avaliação do Desempenho do Pessoal Docente (com uma rápida passagem pelo estádio, onde o jogo continua molenga)
(a + b) n
O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora).
Álvaro de Campos
Pergunta óbvia: a que vem este paleio que liga um cientista de mérito a um diploma comum?
O Binómio «de Newton» tem tudo a ver com simplicidade prenhe de consequências. O Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de Fevereiro, não.
Mas era bem bom que tivesse…
Como fui formado por pessoas que acreditavam na elegância e simplicidade das boas soluções — chama-se a isto, confesso, uma formação clássica —, olho pasmado para o Decreto Regulamentar que estabelece um novo sistema de avaliação de professores, e pergunto-me: o que quer este diploma dizer? Melhor: que quer ele fazer?
Vou novamente olhar o sistema: há um currículo nacional; é operacionalizado por programas; são postos em prática por professores, em benefício de estudantes; estes estudantes são avaliados, numa escala de 0 a 20, por exames periódicos; se estes exames forem tecnicamente corretos e exigentes, se as classificações dos alunos forem medianamente satisfatórias (médias superiores a 10, com domínios de excelência); se, enfim, corresponderem de perto às classificações internas da frequência, o que há que entender?
Que o ensino foi de qualidade.
O que se faz aos docentes responsáveis? — Dá-se uma estrelinha para pôr no caderninho, e nota de Bom!
E se tiver muitas estrelinhas, ao fim de um tempo? — Ah, dá-se um Muito Bom, por duas ou três estrelinhas.
Atão e se as notas dos meninos forem, em média, superiores a 14 (por exemplo…)? — Pimba, Excelente! — Duas ou três estrelinhas, e notas catitas, superiores a 14?: chelente! Sem tirar nem pôr!
Isto parece idiota? É bem capaz de o ser, mas vou pensando em voz alta: vimos que havia um currículo nacional, e os programas de aplicação; vimos que os professores ensinavam isso aos meninos; vimos que havia avaliações exigentes, e notas espampanantes no fim. Quem foi lindo? Os meninos, que aprenderam bem a lição, trabalharam—esforçaram-se? Sim. E o menino docente, que deu ao coco para passar a mensagem? Também.
Excelente, para os meninos todos.
De há uns anos a esta parte brinca-se às avaliações: ele são as avaliações ditas formativas (conhecidas muito antes da Idade Média por mestres medianamente espertos, numa altura em que quem dissesse «ciências da educação» levava imediatamente um estalo para não dizer impropérios); ele são as avaliações ditas por pares (menos más: o que serão as avaliações por ímpares — só dão 19?); eles são as avaliações ditas em exercício (contrapõem-se a avaliações em perfeita imobilidade—ou Zen); ele são as avaliações ditas justas (são as boas: as outras são injustas); ele, dito ele, vai parar aqui porque já vê Leitores a bocejar!
Ele lembra-se das últimas: ele submeteu-se, por vontade própria, a dois processos de avaliação: em 2008-2009, e em 2010-2011, porque ele gosta de experimentar os processos para formar opinião, e ele achava que deveria ser avaliado — sim, senhores!
Bom, e conclusões? Várias: o processo foi complicado, deu trabalho a montar, mas não foi em benefício dos alunos, do ensino. Foi em benefício da nota da avaliação. A nota foi boa, e o processo montado, que elegantemente vociferava contra «o sistema», era, apesar de tudo, adequado: punha o dedo em feridas, o que é sempre bem visto, é giro. A atuação nas aulas foi passada por crivos que levavam em conta os descritores dum conjunto de parâmetros que não eram inocentes, neutros ou científicos. Eram os parâmetros…
Ninguém, no seu perfeito juízo, se preocupou com o seguinte: então e — acabado o ano letivo—que foi que se passou com os estudantes? Passaram os ignorantes e os preguiçosos? A matéria foi bem agendada? Os alunos que passaram ficaram com os conhecimentos definidos pelo programa? Tinham exame? Se tinham, quais foram os resultados? E se não tinham, como foi o ano seguinte? E no fim do ano, os ditos resultados? Hein?
A minha avaliação foi pacífica. Ninguém pelo processo ficou a saber mais nada, nem nada que valesse a pena. Foi um pró-forma, sancionado por pares, e ímpares; pelo departamento e pela direção. Nem posso gabar-me de ganhar algo com isso porque o benefício da subida automática de escalão foi (está) inviabilizada por um congelamento da carreira docente—o segundo na minha curta vida de 40 anos de ensino.
O processo foi contestado, por boas e más razões. Foi, mesmo, contestado na rua, por 100?—150?—200.000 professores? Bom: por muitos professores, num clima de festa contra a ministra da educação que, simplesmente, tratara de filmar as últimas sequências dum guião que já vinha de antes do 25 de abril e, sempre em crescendo, ministro a ministro, governo a governo, chegara, por fim, ao paroxismo de eduquês que lhe conhecemos hoje.
A ideia deste filme foi congeminada por gente que pouco se importa com o ministro que tem o prazo em vigor. Essa gente constitui um corpo que a excelente sátira inglesa retratou na série Yes Minister. Põem a cabeça de fora quando são mesmo obrigados a isso, mas preferem trabalhar no sossego dos seus gabinetes, fazendo o que têm a fazer e aturando com um suspiro sapiente o político de serviço… que está aqui está na rua.
Quer o Leitor um exemplo recente? Olhe: a formação de professores classificadores de exames. O ministro Nuno Crato tem um conjunto conhecido de publicações contra o tal eduquês. E que fazem o GAVE e o Júri Nacional de Exames? 1.º: mantêm uma suposta (por toda a gente nas escolas) ação de atualização da informação aos professores que estão prestes a classificar os exames nacionais; 2.º: não fazem nada disso, antes põem os docentes a suportar—de vénia pronta e elogio nos lábios—alguns textos da mais arreigada tradição construtivista—velhos, ainda por cima—em rotineiro desafio às ideias do responsável pelo organismo que lhes paga o ordenado (ou os honorários), e em manifesto insulto aos docentes que também descontam para impostos que permitem ao governo fazer esses pagamentos, e por aí fora, que este tipo de raciocínio é uma espiral. Sim, senhor ministro.
Então, e voltando à avaliação de professores?
É simples: os sábios dos gabinetes do ministério pensam, pensam, e produzem:
O 26/2012 tem dimensões (três, como um estádio de futebol) do desempenho do pessoal docente: científica e pedagógica, de participação na escola e relação com a comunidade, de formação contínua e desenvolvimento profissional.
O 26/2012 tem elementos de referência da avaliação (dois, como um relvado): objetivos e metas do projeto educativo, e parâmetros estabelecidos para cada uma das dimensões aprovadas pelo conselho pedagógico. (Peço perdão pela linguagem insignificante, mas estou a transcrever.)
O 26/2012 tem natureza (como a relva sintética do dito relvado), expressa em componentes: a interna, a externa.
O 26/2012 tem intervenientes (players, como se diz agora—há jogo, em suma): o presidente do conselho geral, o diretor, o conselho pedagógico, a secção de avaliação de desempenho docente do conselho pedagógico, os avaliadores externos e internos e—surpresa!—os avaliados.
O 26/2012 tem procedimento (as táticas, diria o Esteves), expresso em documentos: o projeto docente, feito com referência às metas e objetivos do projeto educativo do agrupamento ou escola, o documento de registo e participação nas dimensões atrás referidas, o relatório de autoavaliação e respetivo parecer do avaliador—sendo que o relatório incide sobre prática letiva, atividades promovidas, análise dos resultados obtidos, contributo para os objetivos e metas fixados no projeto educativo, e a formação realizada e o seu contributo para a melhoria da ação educativa.
Depois segue-se um articulado sobre a avaliação, e os recursos (a arbitragem), que espero que sejam muitos!, e não me sobra ânimo para descrever mais nada. Eu detesto a maior parte dos efeitos da escrita reformada mas, desta vez, estou contente por estar a escrever assim, porque me sinto distanciado do 26/2012, que ainda é escrito «à antiga».
Ufa! O resultado do jogo é um imenso empate, evidentemente.
Vou voltar atrás: dizia eu que…
… há um currículo nacional; é operacionalizado por programas; são postos em prática por professores, em benefício de estudantes; estes estudantes são avaliados, numa escala de 0 a 20, por exames periódicos; se estes exames forem tecnicamente corretos e exigentes, se as classificações dos alunos forem medianamente satisfatórias (médias superiores a 10, com domínios de excelência); se, enfim, corresponderem de perto às classificações internas da frequência, o que há que entender?
Que o ensino foi de qualidade.
Só se percebe o levantar de questões, as intervenções interna e externa, o circo completo da avaliação à lupa (todo o estádio a assobiar), se houver razões de queixa. Não será?
Não percebi o 26/2012.
Sou estúpido!
António Mouzinho 

NOTA: o 26/2012 está a aguardar as várias manobras preparatórias de 2011/2012, pelo que não é aplicado, de momento, aos docentes de carreira (professores com carta de pesados).

2 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Sim, ou tudo muda para ficar igual ou tudo fica igual para dar a ideia que muda. E muda? Sim, vai mudando para... pior. Sempre. É a inércia dos "mastodontes", os quais, se têm um "condutor" é apenas para dar a ideia de que ele... conduz.
E (nos) conduz para o mesmo de sempre... A tal inércia... O movimento perpétuo.
Confuso? Não. Estúpido.

Dis aliter visum disse...

Tenho esperança que o Despacho normativo 13-A/2012, este sim, genuíno filho de Nuno Crato, rebente com DReg 26/2012.

A ideia do 13-A é:

CT = K x CAP + EFI + T

A vossa escola quer créditos de tempo (CT)?
Giram melhor os vossos recursos humanos (acabando com as turmas do Novas Oportunidades, por exemplo) e ganham K e CAP.

Querem mais CT’s?
Melhorem os vossos resultados nos exames nacionais, equilibrem as classificações internas de frequência com as de exame, tenham acréscimos superiores ao acréscimo da média anual e ganham EFI.

Querem ainda mais CT’s?
Aceitem agrupamentos (o que elimina uma direcção) e ganham T.

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