domingo, 19 de fevereiro de 2012

OPOSIÇÃO À NOVA ORTOGRAFIA NO BRASIL

Informação recebida do nosso leitor João Boaventura: a resposta de Paulo Franchetti a uma questão sobre o acordo ortográfico:

"O que acha do acordo ortográfico? Acha mesmo que, como dizem os editores portugueses (e muitos intelectuais), o acordo foi uma gigantesca maquinação brasileira para permitir que os livros brasileiros entrem livremente no mercado português e no africano, acabando com a indústria portuguesa do livro?
Paulo Franchetti: O acordo ortográfico é um aleijão. Linguisticamente malfeito, politicamente mal pensado, socialmente mal justificado e finalmente mal implementado.

Foi conduzido, aqui no Brasil, de modo palaciano: a universidade não foi consultada, nem teve participação nos debates (se é que houve debates além dos que talvez ocorram durante o chá da tarde na Academia Brasileira de Letras), e o governo apressadamente o impôs como lei, fazendo com que um acordo para unificar a ortografia vigorasse apenas aqui, antes de vigorar em Portugal.

O resultado foi uma norma cheia de buracos e defeitos, de eficácia duvidosa. Não sei a quem o acordo interessa de fato. A ortografia brasileira não será igual à portuguesa.

Nem mesmo, agora, a ortografia em cada um dos países será unificada, pois a possibilidade de grafias duplas permite inclusive a construção de híbridos. E se os livros brasileiros não entram em Portugal (e vice-versa) não é por conta da ortografia, mas de barreiras burocráticas e problemas de câmbio que tornam os livros ainda mais caros do que já são no país de origem. E duvido que a ortografia seja uma barreira comercial maior do que a sintaxe e o ai-meu-deus da colocação pronominal.

Mas o acordo interessa, é claro, a gente poderosa. Ou não teria sido implementado contra tudo e todos.

No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didáticos.

Se cada casa brasileira que tem um exemplar do Houaiss, por exemplo, adquirir um novo, dada a obsolescência do que possui, não há dúvida que haverá benefícios comerciais para a editora e para a Fundação Houaiss – Antonio Houaiss, como se sabe, foi um dos idealizadores e o maior negociador do acordo.

O mesmo vale para os autores de gramáticas e livros didáticos – entre os quais se encontram também outros entusiastas da nova ortografia.

E não é de espantar que tenham sido justamente esses – e não os linguistas e filólogos vinculados à universidade – os que elaboraram o texto e os termos do acordo.

Nem vale a pena referir mais uma vez o custo social de tal negócio: treinamento de docentes, obsolescência súbita de material didático adquirido pelas famílias, adequação de programas de computador, cursos necessários para aprender as abstrusas regras do hífen e outras miuçalhas.

De meu ponto de vista, o acordo só interessa a uns poucos e nada à nação brasileira, como um todo.

Já Portugal deu uma prova inequívoca de fraqueza ao se submeter ao interesse localista brasileiro, apesar da oposição muito forte de notáveis intelectuais, que, muito mais do que aqui, argumentaram com brilho contra o texto e os objetivos (ou falta de objetivos legítimos) do acordo."

Paulo Franchetti é professor titular do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

É mestre em Teoria Literária pela Unicamp (1981), doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (1992) e Livre-Docente pela Unicamp (1999). Desde 2004 é Professor Titular. Atua na área de Letras, com ênfase em Teoria Literária, Literatura Brasileira dos séculos XIX e XX e Literatura Portuguesa do século XIX. Desde 2002, dirige a Editora da Unicamp, cujo Conselho Editorial preside.

3 comentários:

lino disse...

A Inglaterra tem 1/7 da população dos Estados Unidos e nem por isso os ingleses escrevem ou falam o inglês dos gringos! E, já agora, os escoceses, canadianos, irlandeses, australianos, sul-africanos e muitos outros países também não; nem por isso o inglês deixa de ser entendido por todos. Adoptar o que os brasileiros copiaram dos ingleses, que o foram buscar à nossa origem (mídia, por exemplo, para dizer media) não, muito obrigado.

Anónimo disse...

No Canadá usam inglês americano.
Em todas as organizações internacionais em que os EUA participam, é sempre usado o inglês americano.
O intercâmbio dos meios de comunicação entre os EUA e o RU é tão grande que, os jornalistas do RU já usam sp a ortografia americana que depois é convertida automaticamente para a do RU, quando isso é estritamente necessário.

Anónimo disse...

Moral da história: O aprender é do maior conforto humano, aprendizagem confronto.

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