Na sequência do post “Uma sanção psicológica”, a propósito do caso do «copianço» de estudantes de leis, acrescento a opinião de uma alta individualidade da justiça portuguesa transmitida ontem num telejornal.
Dizia essa pessoa que seria importante perceber que os formandos do Centro de Estudos Judiciários são muito jovens, a maior parte acabada de sair da universidade e, antes disso, do secundário… Daqui e do restante discurso se inferiam duas coisas: que na universidade e no ensino secundário é normal e até aceitável copiar-se; e que só num patamar pós-universitário (mais precisamente, ao longo dele) é que esse (talvez pequeno) problema se vai limando. O tom era complacente, sorridente, até.
Ora, a honestidade intelectual é um princípio (sublinho, «princípio») a ensinar (sublinho, «ensinar») desde os primeiros passos de escolaridade. Não é aceitável no primeiro ciclo, nem no segundo ciclo, nem no terceiro ciclo, nem no secundário, nem na licenciatura, nem no mestrado, nem no doutoramento, nem na pós-graduação… Não é, pura e simplesmente, aceitável.
Assim, não posso deixar de concordar com o Prof, Sobrinho Simões que, a propósito do caso, disse, na rádio, que a nossa tolerância (ou tolerantismo) à fraude nas provas e trabalhos académicos constitui apenas um indicador, mais um, da nossa maneira de ser e de estar. Se assim é, nada há a fazer?, perguntou-lhe o entrevistador. Tudo a fazer, respondeu o entrevistado, misturarmo-nos com quem trabalha honestamente e seguir o seu exemplo.
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6 comentários:
A desonestidade "não é pura e simplesmente aceitável". Toda e qualquer forma de desonestidade. As consequências do "tolerantismo" são funestas. É como pôr veneno na terra onde se plantou. Anda aí um surto de masoquismo que o bastonário da ordem dos advogados tão bem esclareceu. Como é possível o exame não ter sido imediata e inequivocamente anulado? Acusar os professores que o vigiavam, sem saber os pormenores do acontecido, não o posso fazer porque há formas de copiar tão bem elaboradas que podem ludibriar um professor honesto. Neste ponto não conheço os contornos da questão. Mas permitir o copianço... é este o exemplo que se transmite às gerações mais novas? Não pode ser!!!
HR
Concordo absolutamente com as afirmações.
Temos ouvido um monte de disparates tão inaceitáveis quanto o copianço em si. Corrijo, ainda mais inaceitáveis porque vieram da parte de responsáveis por toda esta situação.
Acrescento apenas o relativo à decisão de não se voltarem a efecturar testes de cruzes. Pois, a culpa é claramente das cruzes.
Parece a história das pinturas nas escadarias da universidade em Coimbra.
"Mas parece-lhe correcto terem feito estas pinturas?"
"É legal!"
"Mas ainda assim, será apropriado?"
"Estão-nos a perseguir!"
No presente caso os responsáveis também claramente não estão dispostos a assumir as borradas que fizeram, a que permitiu o copianço e todas as que se seguiram depois de o caso chegar às notícias.
Eu também ouvi as declarações de que fala este post...e, até o ler, ainda tinha dúvidas se tinha percebido bem o que tinha escutado na TV, tal a minha incredulidade (e ingenuidade, pelos vistos...).
Dervich
Como professora do ensino secundário sinto-me insultada por se considerar que as práticas de copianço são transportadas pelos alunos a partir do ensino secundário, ou seja, na prática de que os professores do ensino secundário não agem com princípios éticos sólidos.
Nos exames nacionais do ensino secundário os alunos não podem entrar na sala com nada a não ser a roupa, instrumentos de escrita, dicionários e calculadoras, em ambos os casos, quando permitido por lei. Os dicionários são da escola e são revistos um a um. Se o aluno leva uma garrafa de água, tem de se tirar o rótulo. Em cada sala estão 2 professores para 15 alunos que durante 2 a 4 horas (depende dos exames) não se podem sentar, tendo de circular pela sala.
Adivinho a alegria (infelizmente) dos alunos quando chegam às faculdades e fazem exames em auditórios com cento e tal alunos para um ou dois vigilantes.
Não vou afirmar que não existam práticas desonestas no ensino não superior. Claro que há. O que os alunos me contam é verdadeiramente extraordinário, sendo que era preferível que aplicassem o engenho demonstrado a estudar. Que as práticas desonestas não são, muitas vezes compreendidas pelos pais (ainda me lembro da perplexidade dos pais de uma das minhas turmas quando lhes disse que trabalhos retirados integralmente da internet não eram aceitáveis e dariam origem a um zero), não são.
Que no ensino superior sempre houve copianço em doses absolutamente extraordinárias, sempre houve. Havia quando lá andei, há mais de 20 anos, e muitos dos meus alunos com quem mantenho contacto vão-me dando relatos consistentes no tempo de as práticas se mantêm. E o copianço, eticamente e absolutamente injustificado, é tanto maior quanto prior é a capacidade pedagógica do professor, quanto os exames não são um apelo à inteligência, mas uma mera reprodução de ideias, por vezes, muito mal alinhavas em sebentas, quanto entre o professor e ao aluno nunca se estabelece uma relação de verdadeira transmissão, aquisição e valorização do conhecimento.
Quanto a este acontecimento, como professora e como cidadã, sinto-me insultada: penso que a única forma possível de lidar com esta situação seria a de, pura e simplesmente, expulsar do CEJ todos os alunos que copiaram. Qual é a proibidade ética de quem assim copia? Que consciência tem um destes futuros magistrados?
Como professor do superior entendo que o problema não é o da vigilância e do controlo que deve ser cuidadoso e rigoroso. Assim é no que me diz respeito. Mas o problema central deste caso e de muitos outros é a "tolerância" (ou tolerantismo), como se afirma acima. Se há "copianço" e se se prova isso o resultado é zero. Não pode ser outro. Mas há alunos, professores de todas as categorias que passam pelos furos da "tolerância", do "arranjismo", do "chico-espertismo", de toda a espécie de esquemas aplicáveis a alguns... Saiba-se lá porquê? As normas são aplicáveis a alguns. Depois é o que se vê... Haverá remédio? Pouca esperança. jsr
quando ouvi esta história, ao contrário da Helena, um amigo disse-me: "isto é muito pior do que o deficit [o bónus do 10]. felizmente, houve bom senso. talvez tirado a ferros, mas ainda assim bom senso.
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