sábado, 18 de junho de 2011
Juramento de Amato Lusitano, 1559.
Como ontem proferi na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Braga, a convite da Ordem dos Médicos, uma conferência sobre Vesálio, Amato Lusitano e Garcia da Orta: o nascimento da medicina moderna, li, durante a respectiva preparação, o juramento que Amato Lusitano, de quem este ano festejamos os cinco séculos de nascimento, deixou na sua última Centúria, escrita em Salónica, quando ele já professava abertamente a religião judaica. É um testemunho de toda uma vida quando ela já se aproximava no fim (morreu em 1568, no seu lugar de médico, lutando contra a peste). Reproduzo aqui uma das traduções portuguesas (o original é em latim) até porque os seus padrões éticos são ou deviam ser ainda hoje actuais:
Juramento Médico de Amato Lusitano
«Juro perante Deus imortal e pelos seus dez santíssimos mandamentos, dados no Monte Sinai ao povo hebreu, por intermédio de Moisés, após o cativeiro do Egipto, que na minha clínica nada tive mais a peito do que promover que a fé intacta das coisas chegasse ao conhecimento dos vindouros; e para isso nada fingi, acrescentei ou alterei em minha honra ou que não fosse em benefício dos mortais; não lisonjeei, nem censurei ninguém ou fui indulgente com quem quer que fosse por motivos de amizades particulares; sempre em tudo exigi a verdade; se sou perjuro, caia sobre mim a ira do Senhor e de Rafael, seu ministro, e ninguém mais tenha confiança no exercício da minha arte; quanto a honorários, que se costumam dar aos médicos, também fui sempre parcimonioso no pedir, tendo tratado muita gente com mediana recompensa e muita outra gratuitamente; muitas vezes rejeitei, firmemente, grandes salários, tendo sempre mais em vista que os doentes por minha intervenção recuperassem a saúde, do que tornar-me mais rico pela sua liberalidade ou pelos seus dinheiros; para tratar os doentes jamais curei de saber se eram hebreus, cristãos ou sequazes da lei maometana; não corri atrás das honras e das glórias e com igual cuidado tratei dos pobres e dos nascidos em nobreza; nunca provoquei a doença; nos prognósticos disse sempre o que sentia; não favoreci um farmacêutico mais do que outro, a não ser quando em algum reconhecia, porventura, mais perícia na arte e maior bondade de coração, porque então o preferia aos demais; ao receitar sempre atendi às possibilidades pecuniárias do doente, usando de relativa moderação nos medicamentos prescritos; nunca divulguei o segredo a mim confiado, nunca a ninguém propinei poção venenosa, com minha intervenção nunca foi provocado o aborto; nas minhas consultas e visitas médicas femininas nunca pratiquei a menor torpeza; em suma, jamais fiz coisa de que se envergonhasse um médico preclaro e egrégio.
Sempre tive diante dos olhos, para os imitar, os exemplos de Hipócrates e de Galeno, os pais da Medicina, não desprezando as obras monumentais de alguns outros excelentes mestres na Arte Médica; fui sempre diligente no estudo e por tal forma que nenhuma ocupação ou circunstância, por mais urgente que fosse, me desviou da leitura dos bons autores; nem o prejuízo dos interesses particulares, nem as viagens por mar, nem as minhas frequentes deambulações por terra, nem por fim o próprio exílio, me abalaram a alma, como convém ao homem sábio; os discípulos que até hoje tenho tido em grande número e em lugar dos filhos tenho educado, sempre os ensinei muito sinceramente a que se inspirassem no exemplo dos bons; os meus livros de Medicina nunca os publiquei com outra ambição que não fosse contribuir de qualquer modo para a saúde da humanidade.
Se o consegui, deixo a resposta ao julgamento dos outros, na certeza de que tal foi sempre a minha intenção e o maior dos meus desejos.
Feito em Salónica, no ano do Mundo 5.319 (1559 da nossa Era)."
Fonte: D’ESAGUY, Augusto, Oração e Juramento Médico de Moisés Maimonde e Amato Lusitano, Lisboa, 1955
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4 comentários:
à parte a situação do aborto e da crença religiosa, naturais no contexto de então, deveria ser efectivamente actual na cabeça e no coração do Homem.
HR
que bonito!
Nem sei se é bom tom comentar, apenas que ocorreu uma curiosidade, na heráldica, ter por inscrição ao centro, ao tratar-se de que pela natureza da árvore, deveriam aplicar-se quatro estações, ao que nesta destaca apenas uma, sendo o caso da razão, de um para quatro. Compreendendo como possibilidade na realidade desta árvore as quatro estações ao ciclo.
Em honra ao Dr. Amato Lusitano da primavera na razão de um para quatro, ser medida comprovada.
Vossa nação está para arte
como a da árvore sagrada
encantado que caminha
caminha sem parada.
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