sábado, 11 de junho de 2011

O PAPEL DA FILOSOFIA NO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR

Surpreender-se é começar a entender” (Ortega y Gasset, 1883-1955)

A malfadada Filosofia, havida, tempos atrás, como parente pobre do ensino secundário, volta a ser notícia num país em que se passa facilmente do oito ao oitenta. Ou seja, deixou a Filosofia de ser avaliada em exames nacionais do 12.º ano, passou a sê-lo e, com o Decreto-Lei nº. 50/2011, de 8 de Abril, substitui, agora, exames de Física e Química para os destinatários ainda que mesmo de uma carreira científico-técnica (vide, o post, publicado aqui, intitulado A Física e a Química trocadas pela Filosofia, 09/06/2011).

Como forma de historiar este processo trago à colação um meu post, também aqui publicado, com o título A Reposição do Exame de Filosofia no Ensino Secundário (19/11/2010). Segue a respectiva reprodução:

“A Filosofia não brota por ser útil, mas tão-pouco pela acção irracional de um desejo veemente. É constitutivamente necessária ao intelecto” (Ortega y Gasset, 1883-1955).

"Acabo de tomar conhecimento, através do Público, com a data de hoje, que o exame de Filosofia vai ser reposto no ensino secundário. Mais fiquei a saber, aí, que ontem foi assinalado o Dia Internacional da Filosofia, tendo o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-mon, 'lembrado que na sua base está a possibilidade de partilha de questões universais sobre a existência humana'. E acrescentou: 'Isto dá-lhe um poder invulgar para ajudar a construir pontes entre povos e para abrir canais de comunicação entre culturas'.

Esta temática tem para mim um valor acrescentado por ter servido de leitmotiv à publicação de um meu artigo no “Diário de Coimbra” e transcrito neste blogue, em 23/07/2007, com o título “O Exame Nacional de Filosofia” - ler aqui."

É esta, portanto, a génese da questão levantada pelo post “A Física e a Química trocada pela Física”, e que, decerto, ainda fará correr muita tinta num sistema educativo nacional com o respectivo ponteiro da bússola desnorteado, podendo indicar o rumo certo num dia e o rumo errado no dia seguinte. Ou mesmo o rumo errado todos os dias!

23 comentários:

Pedro Viseu disse...

Não será por tudo isso, que José Sócrates vai estudar filosofia para Paris, durante um ano?

Unknown disse...

Isto apenas é um sintoma do desnorte total que se apoderou do nosso ministério da Educação. Uma tristeza!

Anónimo disse...

Diria que não há aqui nada de inocente.

Rui Baptista disse...

Caro Pedro Viseu:

Julgo que sim! A ideia deverá ser coleccionar licenciaturas ou quem sabe, até, um doutoramento em Filosofia. Um ano chega e sobra para quem à partida é um Sócrates dos tempos modernos.

Anónimo disse...

Qual a diferença? JCN

Rui Baptista disse...

Caro JCN: Quase nenhuma, exceptuando a matéria e o tempo de estudo...

Rui Baptista disse...

Caro anónimo (11 de Junho; 21:25):

Eu acrescentaria mesmo que sob a capa da inocência se ocultam, por vezes, verdadeiros crimes que têm uma influência tremenda no sistema educativo começando pelo ensino básico e terminando no próprio ensino superior.

Aliás, "nihil novi sub sole", como nos ensina a máxima latina. Mas recuando mesmo aos tempos da velha e sábia Grécia, Platão legou-nos o seu amargo desalento sobre o ensino das crianças incapacitadas de contarem ou distinguirem os números pares dos ímpares:"Quanto a mim, parecemo-nos mais com porcos do que com Homens e sinto-me envergonhado não só de mim, mas de todos os gregos".

Ora, essa vergonha nada esmoreceu, mais se agiganta, quando as nossas crianças, jovens e até adultos, para fazerem simples contas das quatro operações, se servem de máquinas de calcular das mais simples às mais sofisticadas. Ou seja, o facilitismo nas aprendizagens escolares cada vez mais presente…e prepotente.

Rui Baptista disse...

Cara Lelé Batita: Eu permitia-me acrescentar ao seu comentário esta redundância: "Uma tisteza" muito triste. Criminosa,até!

Rui Baptista disse...

Errata minha no comentário a Lelé Batita:"Uma tisteza", não. "Uma tristeza", sim. As minhas desculpas por este "lapsus calami", tanto mais grave por se tratar de uma simples e brevíssima transcrição...

Anónimo disse...

A favor de quem? - repito! JCN

Rui Baptista disse...

Caro JCN: "Branco é, galinha o põe", julgava eu. Ou seja, a favor de quem julga que o complexo estudo da Filosofia se pode fazer num ano na Cidade das Luzes, a exemplo das licenciaturas da extinta (depois de muito estrebuchar)Universidade Independente!

joão boaventura disse...

Caro Lélé Batita

Não há nenhum desnorte. Lembre-se que a política é dissimulada, que não faz nada por desnorte, e que, para alcançar objectivos ou interesses pessoais, não tem contemplações em operar para os atingir.

Isto para dizer que não me repugna nada que um "fidalgo" (=filho de Alguém) queira ingressar nas químicas que não domina nos mínimos, mas é forte em filosofia. O Alguém bem posicionado, e aproveitando o desnorte de um governo em gestão, e onde portanto toda a gente é perita em gestão, teve o caminho aberto para publicar o célebre normativo que permite entrar nas químicas através do cavalo de Tróia, travestido de Filosofia.

Fica-se assim a conhecer a utilidade da Filosofia como cavalo de Tróia para se entrar onde a Filosofia não é a pedra filosofal, i. é, o núcleo duro do curso pretendido pelo "fidalgo".

PMP disse...

O exame de matemática devia ser obrigatório para quem vai para humanidades.
.
Como se pode ter um curso superior sem se saber matemática ?

Rui Baptista disse...

Caro PMP: Na discussão sobre a disciplina que deve ser transversal ao acesso ao ensino superior surge prioritariamente, e de uma forma geral, o Português.

Como se deve lembrar, décadas atrás, muitos alunos com dificuldades na Matemática, depois do antigo 5.º ano do liceu , optavam pelas alíneas que davam acesso aos cursos de Letras ou de Direito. O mesmo sucedia, em anterioridade, no meu tempo (antes das alíneas), em que depois do sexto ano do liceu se tinha que escolher entre a Secção de Letras e de Ciências.

Segui Ciências e, curiosamente, a disciplina de que mais gostei foi Filosofia. As outras disciplinas, "se bem me lembro", eram Matemática, Físico-Químicas, Biologia, Geográficas (e não Geografia, como agora se diz) e Organização Política Administrativa da Nação (OPAN) que se estudava uma semana antes do exame do 7.º ano. Curiosamente, na Secção de Ciências o Português não constava das respectivas disciplinas. Com isto, "vade retro Satanas", não ponho sequer em causa o importantíssimo papel da Matemática, como suporte essencial da Física e do Português em todas disciplinas de” letras2 e de "ciências".

Diz-se até haver alunos do básico e secundário que não conseguem resolver problemas matemáticos por incapacidade em “decifrar” os respectivos enunciados. Mais do que prevejo, sei, que esta é uma discussão para lavar e durar…

Cordiais saudações,

Anónimo disse...

Anónimo disse...
Ex.mos Srs

Apenas uma questão: onde é que está escrito que os alunos que pretendam ingressar num curso superior de Química ou de Física podem usar o exame de Filosofia para aceder a esse curso.
Mostrem-me, por favor...
Os vários comentadores conhecem os mecanismos de acesso ao ensino superior? Sabem que quem define quais as disciplinas de acesso ao ensino superior são as faculdades? Há notícias de que as faculdades responsáveis pelos cursos nas áreas das ciências como a física, química, etc. e das tecnologias, ou as de farmácia, medicina..., pretendam utilizar a Filosofia como prova de ingresso ao ensino superior?

Anónimo disse...

Acabou-se novamente a tinta... ou foi o papel? JCN

Rantanplan disse...

Ao anónimo anterior

Há cursos de ciências que têm como específica apenas Biologia ou Física-Química ou até só Português. Isso quer dizer que não deviam ter de fazer o exame de Matemática? Este decreto-lei é medíocre feito por gente medíocre. Quem não conhece este ME que o compre. O que se passa é que os alunos deviam fazer também exame de Filosofia, mas não como substituição do de FQA ou BGA. Este decreto-lei tem o objectivo único de facilitação extrema. Uma escapatória para enganar estatísticas de disciplinas que, apesar de exames vergonhosamente fáceis, continuam a ter nota inferior a 10.

Como é possível então no mundo actual altamente tecnológico haver alunos licenciados sem ter a mínima noção da física da química e da matemática por detrás de um LCD, um plasma, uma máquina digital, uma fibra óptica, um TAC e por aí fora...

marta costa - prof de filosofia no secundário disse...

meus senhores há muita confusão e falta de informação acerca do exame de filosofia .... nem o ME ainda sabe bem o que quer fazer .... é melhor recolher-se informações mais precisas ..

quanto à incursão de Sócrates no universo da filosofia, será delirante e, como em tudo o resto, coxa e desqualificada ...

Anónimo disse...

A Filosofia nada tem a perder... aceitando um aluno como Sócrates, antes pelo contrário; aprende ou apreende a sua original filosofia de vida, pois então! Que mal há nisso? JCN

Anónimo disse...

As apreciações sobre o despacho curricular, que data de 2004, sendo que o actual 50 é apenas um remendo para introduzir o exame de filosofia, são delirantes e revelam uma falta total de conhecimento sobre o que está em causa. Mas, esta é uma característica da democracia: o direito à palavra em praça pública. Não significa isso, como diz Savater, que toda a palavra pública tenha a mesma qualidade.

I M Nunes Tomé disse...

Se todos os que opinam seguissem o ensinamento de Wittgenstein de nada dizer sobre o que nada sabem poupar-se-ia muita coisa - incluindo tempo. Para sossego de algumas almas aqui está um despacho
http://dre.pt/pdf2sdip/2011/06/112000000/2487224890.pdf
Isaque Tomé

Anónimo disse...

Nada mais certo: tempo é dinheiro! Sejam breves... no que escrevem! JCN

Rui Baptista disse...

Isac Tomé:A única coisa que pode não ter sossegado, em devido tempo, a alma de alguns leitores será o facto do tempo que medeia entre o seu comentário informativo sobre um despacho de 09/Junho/20011 (oito dias)e a publicação do meu post.

Aliás, de certo, reparou que o meu post se limitou, essencialmente, a fazer uma resenha histórica do "Exame de Filosofia no Ensino Secundário". Só é pena que a maioria das pessoas possam não tomar conhecimento de um despacho que, note-se, só terá efeitos a partir do ano lectivo 2012/2013.

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