sexta-feira, 10 de junho de 2011

O ENSINO SUPERIOR PRÉ-FACILITISMO E PÓS-FACILITISMO

“O verdadeiro progresso democrático não é baixar a elite ao nível do povo, mas elevar o povo ao nível da elite” (Gustave Le Bon, 1841-1931).



Num dos comentários ao meu último post (anónimo, 08/06/2011; 20:25) - “A recente degradação do ensino superior” -, é escrito logo no parágrafo inicial: “Se tal fosse possível, seria interessante estabelecer uma comparação entre a qualidade do nosso ensino superior "pré-facilitismo" e "pós-facilitismo". Apesar de todos os facilitismos, parece que o panorama não tem vindo a piorar (...)”.

Dado o interesse que este desafio encerra, e a forma correcta como foi feito, dele me servi para título deste meu post. Todavia, reconheço ser complexo desenvolver esta temática. Mas não, de todo, impossível, embora correndo eu o risco de me tornar juiz em causa própria com opiniões divergentes das do meu desafiador. Seja como for, encosto o peito à barra do tribunal da opinião pública por entender estar seguro das minhas razões e de testemunhos de terceiros por mim arrolados.

Assim, o ensino superior “pré- facilitismo” (deixando mesmo de fora as exigências do Estado Novo) exigia, anos atrás, como condição sine qua non, o curso do ensino secundário completo ou, como alternativa a verdadeiros autodidactas (e não ignorantes por conta própria) exames nacionais ad-hoc. O ensino superior “pós-facilitismo” contenta-se com as “Novas Oportunidades” e “As provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos” ( provas de acesso feitas nas próprias escolas privadas, e até públicas, como que a modos de um salto à vara com a fasquia a um palmo do chão).

Quanto às “Novas Oportunidades”, avoco, muito resumidamente, o testemunho de uma vivência pessoal que corre na Net, assinado por Mário Feliciano, de que extraio um breve excerto: “Uma cópia deste e-mail vai ser enviada para todos os grupos parlamentares, uma vez que vi a notícia de que o assunto vai ser discutido no parlamento”. E acrescenta: “Fui formador de informática durante 17 anos, actividade que deixei de exercer a tempo inteiro em Agosto passado, quando ingressei na Administração Pública, mas nos últimos anos tive a infeliz oportunidade de conhecer a realidade da formação nas Novas Oportunidades. ‘Infeliz’ porque pude verificar que se trata de um completo embuste. Em 17 anos de actividade e com mais de 12.000 horas de formação ministrada, a única vez que tive vontade de abandonar um curso foi nas Novas Oportunidades. De facto, o modo como estes cursos estão estruturados é mau demais para ser verdade, e quem não conheceu a situação no terreno nem imagina a tragédia que aquilo é”. Mas onde este testemunho documenta bem o que são as “Novas Oportunidades” é neste elucidativo naco de prosa: “De facto, seria bom que alguém fizesse uma auditoria (mas a sério, não a fingir) à seriedade das Novas Oportunidades. Pessoalmente considero, mais que um embuste, um roubo que se está a fazer aos portugueses apenas para mascarar estatísticas com pseudo-qualificações que, objectivamente, as pessoas não têm”.

Mas, se recuarmos ao ensino básico, o panorama é também deveras desolador. Atente, o prezado leitor, nesta situação subscrita por uma sua docente, do 3.º ciclo, da disciplina de História, numa escola de Amarante. Escreve ela: “Os professores do básico queixam-se de que não podem dar negativas aos alunos que chumbam nos testes. Tudo porque os critérios de avaliação definidos pelas escolas, com o objectivo de diminuir as retenções como impõem as metas do Ministério da Educação (ME), dão quase o mesmo peso aos testes e ao comportamento dos estudantes. E acusam a tutela de estar "a trabalhar para as estatísticas"."Se um aluno for pontual, respeitar os colegas e tiver bom comportamento nas aulas consegue tirar um 3 no final do período mesmo tendo 34% nos testes, porque a média dá positiva" (“Professores ‘obrigados’ a passar os alunos”, Anabela Magalhães, “Diário de Notícias”, 09/06/2011).

Aliás, um dos grandes males da docência do 2.º ciclo do básico é a formação simultânea dos respectivos professores em universidades e escolas superiores de educação. Tomemos como exemplo a disciplina de Matemática em que tanto “serve” uma licenciatura universitária exclusivamente em Matemática com uma outra politécnica que habilita quer para o ensino da Matemática quer das Ciências da Natureza. E o que ainda agrava mais esta situação é o facto de ao concorrerem ambos estes licenciados para a docência da Matemática do 2.º ciclo do básico é tida em conta a classificação de diploma que se diz ser inflacionada por parte das escolas superiores de educação, pela sua menor exigência científica (de tantos estudos que se fazem em Portugal por “dá cá aquela palha”, haverá algum estudo que ratifique ou anule o que é voz corrente? ). Esta anómala situação levou a que a Sociedade Portuguesa de Matemática alertasse para “as eventuais consequências negativas decorrentes da formação dos professores de Matemática passar a ser feita nas escolas superiores de educação que não têm quadros científicos que garantam uma formação de qualidade” (“Público”, 08/10/96).

Ou seja, em nome de uma pretensa democracia, que anula toda e qualquer diferença e posterga qualquer valor, procede-se a uma igualização de indivíduos totalmente diferentes na sua formação académica.A mediocratização sobrepôs-se à verdadeira democratização que deve promover o mérito e defender as elites. Aqui estou em total oposição com o autor do comentário, que deu origem a este meu post, quando escreve: “Todos nós sabemos que isto da ‘democratização do ensino superior’ é uma chatice para as elites”. Ora, quanto a mim, a chatice não está na democratização do ensino superior mas no mistifório em a confundir com mediocratização, quiçá, pela terminação de ambas as palavras em “ão”!

E aqui chegado, cito novamente o comentário anónimo quando traz à liça Sérgio Rebelo (Revista “Exame”, 04/11/96) : “…hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos. E ontem?” Falemos, portanto, dos doutoramentos de ontem em relação aos doutoramentos de hoje. Tempos houve, antes da década de 90, salvo erro, em que as dificuldades levantadas ao reconhecimento de valiosos doutoramentos obtidos no estrangeiro mereceram de António Barreto a seguinte crítica: “Os diplomas europeus, eventualmente, os americanos, vão passar a ter valor em Portugal sem que seja preciso fazer júris nacionais para os reavaliar como se Portugal fosse um paraíso científico com medo da poluição de Cambridge ou Princeton”. Hoje, o panorama é, de uma forma geral, bem diferente com doutoramentos obtidos em universidades estrangeiras pouco ou mesmo nada recomendáveis, quando não chegam mesmo pelo correio a troco de chorudas quantias.

E porque, para Camilo, “a vontade enérgica é uma esperança meia realizada”, haja esperança que seja posta uma certa ordem, ainda que mesmo tardia, no sistema educativo nacional que deve estar ao serviço dos cidadãos que têm o esforço e o mérito como moeda de troca de diplomas em oposição a casos em que os diplomas apenas servem para videirinhos treparem numa vida de faz de conta!

4 comentários:

Anónimo disse...

Há 15 anos, quando me licenciei, a minha conclusão quanto à universidade onde estudei (privada), foi que era pouco mais do que uma instituição de promoção da mediocridade e um negócio lucrativo, de que é prova o crescimento que teve desde então. Deixa-me mal disposto só de pensar o que de errado lá se passava, particularmente a indiferença e ignorância generalizadas perante o estado das coisas .

Quando leio o que se passa hoje, nomeadamente a história “Professores ‘obrigados’ a passar os alunos”, já nem sei o que pensar... Precisamos urgentemente de mudar e parece que estamos pior do que nunca.

Estive quase para desistir de ler ou comentar, mas isso seria fazer parte do problema. Pelo menos os professores ainda se queixam de serem obrigados a passar os alunos.

Anónimo disse...

Começo por dizer, sem qualquer ironia, que me sinto verdadeiramente lisonjeado pelo facto de o ilustre professor Rui Baptista ter acedido a reflectir sobre a Problemática do Facilitismo no nosso sistema de ensino. A meu ver, esta tarefa é um autêntico castigo de Sísifo. No entanto, não sendo eu detentor de eloquência que se equipare à do distinto professor, permitam-me aclarar o meu ponto de vista. Para tal, é fundamental completar a citação que o professor fez do meu comentário. Eu também disse no mesmo parágrafo… “parece que o panorama não tem vindo a piorar. Se calhar nunca se desenvolveu tanta investigação de qualidade (e premiada internacionalmente) como actualmente. No entanto, sabemos que existem situações (como sempre existiram!) merecedoras de grandes correcções.” Por enquanto, as agências de rating não se dedicam a qualificar a nossa produção científica. Como tal, naturalmente, tive que socorrer-me das menções honrosas (entre outros exemplos), que o nosso ensino facilitista (aqui com alguma ironia) consegue conquistar além-fronteiras, como um dos indicadores de que “o panorama não tem vindo a piorar”. Numa sociedade globalizada como a nossa (não competimos apenas no “Mundo Português”), parece-me que este indicador não é de somenos importância. Seria fastidioso ter que enumerar os diversos casos que consubstanciam a minha afirmação. Por outro lado, reconheço que nem tudo vai bem quando digo…”No entanto, sabemos que existem situações (como sempre existiram!) merecedoras de grandes correcções.” Com isto quero dizer que não estou de acordo com situações caricatas que se verificam nas Novas Oportunidades e nos Maiores de 23 Anos. Estas duas fórmulas poderiam ter alguma virtude se o seu acesso fosse algo mais do que “um salto à vara com a fasquia a um palmo do chão” e ,pior ainda, sem alguém para ver se a vara tombou ou não. Mas, senhor professor, permita-me dizer que, tal como Maria Filomena Mónica, eu também penso que (e, uma vez mais, sem qualquer confusão com outras palavras terminadas em ão) a mediocratização também se deve muito “…à cobardia dos docentes(…)”. Por outro lado, é curioso que, se a memória não me falha, quando Maria Filomena Mónica proferiu as palavras por si citadas, ainda não existiam as Novas Oportunidades, os Maiores de 23 Anos nem o Processo de Bolonha.
Resumindo, e para finalizar esta longa e fastidiosa opinião, gostaria de dizer que todos os males que afectam o nosso sistema de ensino (em todos os seus níveis) não são recentes e por vezes é injusto entrarmos em generalizações que não têm em conta o muito trabalho que, de uma forma honesta e abnegada, se vai fazendo em prol da melhoria do nosso ensino. Por outro lado, o principal objectivo a atingir é corrigir o que está mal e devemos evitar cair na tentação de passar a ideia gasta de que…” no meu tempo é que era!” A história (in)felizmente mostra-nos que já existiram “Antigas Oportunidades”.

“A preocupação única e exclusiva dos preceptores é que os seus alunos estejam quietos no colégio e sejam no fim do ano lectivo aprovados no Liceu Nacional.”
“Em primeiro lugar os alunos habituam-se desde a infância, nos primeiros actos da sua vida civil, a descrerem do mérito, do trabalho e do estudo, e a contarem para todo o êxito com a falseação das provas, com a mercancia da justiça e com a omnipotência do compadrio - perfeita iniciação para uma existência de intriga, de indolência e de desonra.” Estas duas citações, apesar da sua actualidade, não pertencem a Anabela Magalhães nem a Sérgio Rebelo. Reportam-se a Outubro de 1871, são da autoria de Ramalho Ortigão (Farpas), e foram escritas poucos meses depois de Antero de Quental ter proferido o famigerado discurso: “ Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”.

Rui Baptista disse...

Sem qualquer intenção em me tornar personagem de trocas de galhardetes, tão ao gosto dos nativos de Portugal, não podia, todavia, deixar de lhe agradecer ter-me dado a oportunidade de esclarecer algumas dúvidas a que o meu post possa ter dado origem e corpo a este seu comentário. Aliás, como nos disse Ortega y Gasset “cultura é, frente o dogma discussão permanente”.

Discutamos, portanto, os meus possíveis enganos, perigosos dogmas ou simples omissões. De entre eles, o ter deixado de lado as coisas positivas do nosso ensino como, por exemplo, a acção de Mariano Gago no domínio da Ciência, exaltada no post “Despedida dos bons” e que deu azo a que se pensasse haver uma possível contradição com aquilo que nele foi escrito e a mensagem deixada no meu post “A crescente degradação do ensino superior”.

Se bem se deve lembrar, a minha resposta foi a que aqui reproduzo: “Quanto a uma qualquer contradição ( a haver) não a tenho como negativa. São opiniões de dois autores do DRN, em situações diferentes, que se justificam pelo clima de isenção do blogue. Aliás, o elogio feito a Mariano Gago, no domínio da sua acção no campo da investigação científica, julgo ter o aplauso quase geral da opinião pública”.

Julguei (bem ou mal) estar a minha opinião bem definida sobre o que de bom tem sido feito no domínio da ciência, a exemplo do nenúfar que cresce em águas pantanosas de uma educação que tem como objectivo estatístico passar diplomas, em expressão idiomática, “sem tento nem trambelho”. Ou seja, aquilo a que António José Saraiva chamou e criticou de diplomocracia (“Crónicas”, Quidinovi, p. 528)) com raízes que continuam a alimentar a ignorância mais crassa que encontra, nos dias de hoje, o adubo das Novas Oportunidades e Provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos, em oposição ao princípio defendido por Albert Einstein: “É fundamental que o estudante adquira uma compreensão nítida dos valores”.

Longe vão os tempo, portanto, de Eça que a referir-se a Ramalho Ortigão lhe atribuiu duas grandes qualidades: ter saúde e não ser bacharel. Ou seja, a Ramalhal figura que escreveu este naco de prosa que mereceu a sua citação: “Em primeiro lugar os alunos habituam-se desde a infância, nos primeiros actos da sua vida civil, a descrerem do mérito, do trabalho e do estudo, e a contarem para todo o êxito com a falseação das provas, com a mercancia da justiça e com a omnipotência do compadrio - perfeita iniciação para uma existência de intriga, de indolência e de desonra.”

Grande apreciador de “As Farpas”, lidas por mim vezes sem conta por nelas encontrar grande semelhança com o que se passa nos dias de hoje na Política, na Sociedade, na Educação, etc., encontro argumento para dizer que de lá para cá no âmbito da Educação nada mudou. Piorou até, salvaguardados alguns avanços que se foram obtendo, por exemplo, no âmbito da informação com os computadores e a televisão. Mas toda a moeda tem verso e anverso. O anverso reside no facilitismo com que se acede a uma informação dolosa que faz com que alunos do básico tenham como “auxiliares de memória” essa informação que tanto serve para trabalhos de casa como para provas de doutoramento em que os professores e arguentes se empenham numa espécie de caça ao rato (do computador).
Finalmente, eu julgo que os erros do século XIX, vivenciado por Ramalho Ortigão , não devem ser desculpa para os erros do actual sistema educativo nacional. Pelo contrário, devem servir de meditação para que se não repitam…

Cordiais cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Ao meu comentário anterior (5.ª linha, 1.º §) faço a seguinte rectificação, dado que se trata ademais de uma gralha cometida no pensamento de Ortega y Gasset: "Cultura é, frente ao dogma,discussão permanente".

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