A leitora Ana enviou-nos, em comentário, um texto de grande importância da escritora Alice Vieira (in O Livro da Avó Alice. Editora Lua de Papel). Agradecendo-lhe, aqui o destacamos.
"Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas crianças são educadas por ecrãs. E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros olhos. Se diante do nosso rosto tivermos outro rosto. Humano.
É por isso as nossas crianças crescem sem emoções. Crescem frias por dentro, sem um olhar para os outros que as rodeiam.
Durante anos - por culpa nossa - foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos - por culpa nossa - foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
Durante anos, todos nós, pais, avós, professores, fomos deixando que isso acontecesse.
E, de repente, os jornais e as televisões trazem-nos relatos de jovens que agridem professores na sala de aula e nós olhamos para tudo muito admirados - como se nada fosse connosco.
Mas é."
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4 comentários:
Não estou em desacordo com muito do que é afirmado neste texto, nomeadamente de que existe hoje uma cultura de hedonismo que torna muitos dos nossos jovens incapazes de lidar com a mínima dificuldade.
Mas, o discurso do passado é muito cansativo: sempre houve, e temo que sempre haverá, violência nos relacionamentos humanos.
Há mais de 30 anos que saí da escola secundária. E, no entanto, lembro-me muito bem do mal que fizemos a muitos dos nossos professores. Lembro-me da indisciplina constante em sala de aula e da dificuldade que muitos professores tinham em manter uma ordem minimamente aceitável. Lembro-me de aulas inteiras em que nos recusávamos a falar, por muito que os professores nos fizessem perguntas. Lembro-me, desde a escola primária, de colegas que eram agressivos, que batiam, que roubavam que agrediam física e psicologicamente os mais fracos. Lembro-me da violência das praxes que começavam no 5.º ano de escolaridade aos desgraçados que tinham chegado da escola primária.
Com estas afirmações não estou a defender que a violência é aceitável. Estou a afirmar que o discurso de que "antigamente nada disto acontecia" não corresponde à verdade.
Ao 1º comentador...
Permita-me considerar que destacou, das palavras de Alice Vieira, a parte menos significativa, sem que com isto eu queira dizer que a violência não é preocupante ou tão pouco desmentir que alguma violência sempre existiu.
Embora me cause muita dificuldade seleccionar as palavras mais importantes deste excerto de Alice Vieira (são muitas), parece-me que o que deve ser invertido a todo o custo está resumido nesta frase: "[as crianças] foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho."
Tudo o resto virá por acréscimo, julgo eu.
É verdade que é uma asneira incutir que a vida é uma longa avenida de prazer. Não é. Vida é luta.
Quanto ao anónimo das 12:30 recordo que a violência do meu tempo de adolescente não era brinquedo. Tanto para com os professores com entre nós. Mas é assim, os jovens machos são como os outros mamíferos: andávamos sempre à marrada. Só que no meu tempo não existia youtube e, por outro lado, havia censura.
Agora apareceram uns maduros que têm a mania que vão estabelecer o paraíso na terra. Acho uma tolice encher a boca com "antigamente é que era bom". Não era!
Só não concordo com a parte do "por culpa nossa"!
Há imensa gente que não tem rigorosamente nada a ver com isto e que avisou. Foi apelidada de "do tempo da outra senhora", "conservadora", "catastrofista", etc., etc....
Mas fico satisfeito por alguns defensores do Pink Floydismo aplicado às escolas dos filhos e netos dos outros terem começado a mudar de discurso.
Esperemos que a mudança não seja só de discurso.
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