quinta-feira, 2 de junho de 2011
ABEL SALAZAR E A FALÊNCIA DA METAFÍSICA - 4
Mais um artigo de António Mota de Aguiar sobre a Polémica em torno aos artigos de Abel Salazar: desta vez destacando a intervenção de António Sérgio (na figura):
Abel Salazar iniciou os seus artigos na Seara Nova, a convite de António Sérgio, abordando a temática empirista que vinha defendendo há já quase dois anos e que Sérgio conhecia.
Tal como Casais Monteiro tinha feito no seu artigo de resposta, António Sérgio escrevia que não era o conteúdo dos artigos que punha em causa, não era, portanto, o empirismo lógico da Escola de Viena que estava em causa, mas o modo como a ciência estava a ser vulgarizada. Era necessário corrigir este modo, de forma a evitar prejuízos decorrentes para ambas as partes, quer para o vulgarizador quer para os destinatários.
António Sérgio punha em causa as possibilidades de uma verdadeira vulgarização cultural. Para ele o empirismo lógico não era tudo em filosofia, mas apenas uma parte dela. No seu entender, estava a levar os seus leitores a crerem no empirismo lógico como um islamita cria no Alcorão. E perguntava:
“se a vulgarização filosófica se não torna uma faina anti-cultural sempre que o indivíduo que empreende fazê-la, propondo-se facilitar o que não é fácil, se vê forçado à inexactidão das ideias, à impropriedade da expressão verbal, à imprecisão dos conceitos que emprega, e ao hábito de demarcar distinções absolutas – distinções de simplicidade talvez excessiva…”.
O diálogo entre os dois homens azedou-se e passou mesmo aos insultos, o que sintetizo nos dois parágrafos a seguir. Escrevia António Sérgio:
“crê, realmente, que se pode fazer filosofia ‘sem pensar’, e limitando-se uma pessoa a copiar alguns passos sem propósito nos folhetitos de vulgarização das ‘Actualidades científicas e industriais’…
Ao que Abel Salazar respondeu:
“…fez-me sorrir a completa étourderie com que caiu nas ratoeiras que lhe armei… e como eu perdoo tudo menos as faltas de lealdade e de honestidade intelectual… irei revelar ao público o que é o bluff António Sérgio…”
A polémica tinha agora ultrapassado os limites aceites para uma discórdia deste tipo, receando-se uma escalada incontrolável do conflito. Ferreira de Macedo, Francisco Pulido Valente e Bento de Jesus Caraça, intervieram, por carta igual enviada às duas partes, apelando a ambos a que dessem por terminada a contenda.
Os homens do Estado Novo regozijavam-se com este conflito ao presenciar dois destacados vultos da oposição ao regime, envolvidos num conflito que em nada os enaltecia, mas que à Ditadura dava bastante jeito.
Hoje, cerca de 75 anos passados, por que terá ocorrido esta polémica com um tom tão agressivo e, por vezes, tão insultuoso, entre estes dois expoentes da cultura portuguesa, em torno da problemática da vulgarização da ciência?
Abel Salazar defendia, por um lado, a irredutível incompatibilidade entre a ciência e a metafísica, a irreversível decadência histórica da metafísica e sua carência de sentido e, por outro lado, a visão do mundo e da vida que o empirismo lógico da Escola de Viena veiculava. António Sérgio e Casais Monteiro não viam, talvez, uma incompatibilidade assim tão marcada, pelo que discordavam do modo como a divulgação se fazia.
Norberto Ferreira da Cunha, que estudou com profundidade a obra e vida de Abel Salazar (Génese e Evolução do Ideário de Abel Salazar, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 1998), escreve no fim do seu livro:
“Uma das mais interessantes ilações que me foi dado a colher no meu estudo sobre Abel Salazar (foi) a constatação de que esse ideário se estrutura em princípios abertos, em afirmações condicionais, em obstáculos epistemológicos que o revelam como um intelectual de acentuado pendor crítico e não como um apóstolo da ciência, empenhado em divulgá-la como se tratasse do “Alcorão” ou de qualquer outro catecismo religioso.
… Abel Salazar foi sempre duma firmeza apaixonada e férrea na defesa das suas teorias. Todavia, nunca disse que essas teorias eram, na realidade, verdadeiras. O que sempre defendeu foi que, por razões de ordem prática, se deviam aceitar ‘como’ se fossem verdadeiras. Não significava isto renunciar à dúvida em benefício da utilidade. As teorias científicas deviam questionar-se, sim, mas sem deixar de ser utilizadas como se fossem verdadeiras. A dúvida não devia paralisar a ciência, mas estimulá-la.”
António Mota de Aguiar
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4 comentários:
e não é boa parte da física moderna metafísica thisica?
Resumindo os 4 artigos até agora publicados:
Abel Salazar era médico e cientifico, os outros eram assim qualquer coisa como intelectuais, era muito eruditos mas de ciência não percebiam nada.
Este é mais um episódio daquilo que se poderá chamar de guerra das ciências que me parece ser anterior ao século XX e também daquilo a que se poderia chamar imposturas intelectuais.
A metafisica é assim qualquer coisa de útil na sociedade como a fome e a doença e é de tal modo uma ciência como a astrologia e a homeopatia.
Abel Salazar aqui já acusava o que hoje se verifica em pleno, o pensamento árido e vazio de muitos filósofos e intelectuais.
Quanto à física moderna ser metafisica a resposta é basta olhar para a sociedade e para as realizações técnicas, naves espaciais, bomba atómica, automóvel, pc, tlm..
Existe neste mesmo blog post de Carlos Fiolhais onde ele elabora uma lista, não exaustiva - creio - de crenças que os cientistas necessitam para que fazer ciência seja possivel sem que se seja um instrumentalista. A repetibilidade da natureza, as relações de causalidade, a conservação da substância, etc, etc. Ora isso são princípios metafísicos da ciência. Qualquer pessoa com o MÍNIMO de conhecimentos em Filosofia saberá disso. Claramente, Abel Salazar não o sabia. Essa era a pobre realidade da Filosofia das Ciências da época. Quanto a isso dos discursos vazios, ora leia lá a definição de massa nos Principia e logo me diga.
Muito bem expressada a circunstância do Sr. Mota de Aguiar quando nos oferece a dimensão de uma ponte, pelas idéias de Abel Salazar. Até porque, toda ciência está em contínua evolução de idéias e transformação causalidades.
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