O título deste post é o remate do texto de Carlos Fiolhais intitulado Feitos num oito, para sublinhar que num sistema educativo com múltiplas fragilidades, como é o caso do nosso, alguns professores e alguns alunos continuam a pôr a fasquia do ensino e da aprendizagem ao nível da excelência. Referia-se, em concreto, à obtenção de uma medalha de prata nas mais recentes Olimpíadas Internacionais de Filosofia por um finalista do Secundário.
Muitos outros casos de empenho na educação existem no país. É uma certeza. Aqui refiro um, também na área da Filosofia. A professora Sara Raposo sugere leituras aos seus alunos e, complementarmente, a escrita sobre as leituras. Alguns aceitam a sugestão. Ana Marta Nunes, do 11.º ano, costuma aceitar, daí resultando textos como o que se seguem.
Durante estas férias de Natal, tive a oportunidade de ler Confissões de uma cirurgiã, escrito por Gabriel Weston. Agradeço à professora Sara Raposo esta sugestão de leitura e relato aqui a experiência que daí resultou (...).
O livro é, segundo a própria autora, um misto de ficção e realidade, as personagens são fictícias mas inspiram-se em situações reais vividas pela Dr.ª Weston. É um relato, feito na primeira pessoa e está escrito de uma forma surpreendentemente envolvente.
Cada um dos catorze capítulos, que pode conter mais do que uma história, contribui para a construção de uma reflexão sobre determinado tema (por exemplo: Sexo; Morte; Beleza; Hierarquia; Ajuda e Aparências). Estas reflexões demonstram o impacto que as situações descritas tiveram na vida e na forma de pensar da autora, assim como nas suas opções profissionais (...).
Ao longo da leitura, podemos saltar entre a perspectiva de Gabriel Weston como estudante de Medicina, como estagiária, interna de primeiro ano e numa fase um pouco mais avançada da sua carreira. Apesar de visto pela mesma pessoa, o mundo da medicina e, em particular, da cirurgia, parece-nos diferente a cada capítulo desta narrativa não-linear (...).
O livro não tenta convencer ninguém a tornar-se cirurgião. Pelo contrário, acredito que muitos possam, ao lê-lo, perceber que esta não é a profissão ideal. As histórias clínicas dos doentes nem sempre terminam da melhor maneira. Aliás, nem sempre terminam sequer, visto que muitas vezes não é o mesmo médico que acompanha o doente.
Na descrição do trabalho dos médicos existe um equilíbrio entre experiências gratificantes e desconcertantes com, creio eu, a balança a pender para esta última categoria. A autora foi capaz de transmitir, com clareza, os seus conflitos emocionais provocados, por exemplo, pelos primeiros contactos com a morte, pela, por vezes, necessária suspensão de sentimentos, pelo dilema entre fazer o melhor para o doente ou o melhor para a carreira e, por último, pela indecisão entre privilegiar a sua vida profissional ou a sua vida privada.
Além destes temas (...) existe, no livro, um outro mais secundário: a luta de uma mulher para progredir na carreira no seio de uma profissão, já de si competitiva, que é ainda hoje dominada pelos homens.
Apesar do ocasional recurso a uma gíria hospitalar, o livro é bastante acessível, com um vocabulário e um discurso claros, objectivos e de fácil compreensão. Para quem queira saber mais acerca do mundo da medicina, é esclarecedor e envolvente.
Este livro foi indubitavelmente merecedor do meu tempo, recomendo-o.
Ana Marta Nunes
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8 comentários:
Credo! Li a sua recensão e conseguiu convencer-me que o livro não tinha interesse nenhum. O que é que me importa a mim a vidinha miserável de um cirurgião ou os seus dilemas interiores?
Mas não fique zangada comigo. Eu é que sou assim. Tenho a certeza que a maioria das pessoas vai adorar o livro. A mim é que a realidade não me comove nem impressiona. Nunca me impressionou. É por isso que os meus autores são Lewis Caroll e Borges, não o miserável Tolstoi ou o inqualificável Jorge Amado.
E gosto de ser azedo e acintoso :-))
E que sempre ascenda entre tantas discussões a excelência das causas na aprendizagem, do extrato perfeito ao que seja ideal do quanto é possível e real.
Algo de bom sobre os professores e os alunos, finalmente!!! Estou admirada. É tão raro neste blog. O mais comum é encontrar posts em desmerecimento dos mesmos... Se fossem a outros lugares e vissem outras coisas, aperceber-se-iam de outras realidades...
na maturidade do texto assumi que estava a ler a recensão de um profissional; a meio da leitura subi ao início do post, a negrito, para reler o que só a leitura diagonal não me tinha dado, a origem da prosa; surpresa: aluna do 11º ano
parabéns; e que frutifique; com este exemplo posso ter alguma esperança que os próximos alunos que me cheguem venham do secundário com um (bom) bocado mais de maturidade; é que os actuais e anteriores, chegados ao 3º das licenciaturas, revelaram-se imaturos a tocar uma bebesice desesperante; este ano tive que dizer a um aluno do 3º ano, durante uma aula teórica, pasme-se, para tirar os pés de cima da mesa; imaturidade ou pura má criação, fica-me a dúvida;
cá espero os novos alunos que esta aluna promete
Vossemecê, sr. Funes, é meso... funes(to)! JCN
Para uma aluna do 11º ano parece-me um texto bastante bem escrito.
Para quem não reparou, o post não é sobre o livro.
É muito gratificante ler textos produzidos por alunos do ensino básico ou secundário bem escritos e com ideias claras.
Especialmente nos tempos que correm.
Há alunos daqueles níveis de ensino que escrevem bem. Bem haja a quem os ensina ou ensinou.
Outros há que precisam de ir à gramática estudar o verbo haver e todos os outros verbos, as regras de construção frásica, a pontuação, etc...
O problema é que já nem há gramática, ou lá o que antes havia...
E nota-se. Nota-se muito. Em todos os graus de ensino e em todas as profissões.
O que é uma pena. E parece mal, particularmente em certos casos...
Haja em vista, caro Dr. José Batista da Ascenção, como por vezes se escreve neste blogue! JCN
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