segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Sobre o pensamento de António Gião
Novo post recebido de António Mota de Aguiar (na figura, Albert Einsrtein):
Na terceira década do século XX, Einstein investigava uma teoria do campo unitário, que procurava resumir, numa série de equações, as leis que governam duas forças fundamentais do Universo: a gravitação e o electromagnetismo. Einstein manteve este tipo de investigação até ao fim da sua vida, embora nunca tenha obtido êxito (ainda nos dias de hoje o problema não tem solução consensual).
António Gião foi um defensor da teoria da relatividade geral de Einstein, que tem a ver com o espaço, o tempo, a matéria e a energia e que tem implicações sobre a estrutura global do Universo.
A 16 de Janeiro de 1946 Einstein recebeu uma carta de Reguengos de Monsaraz a propósito da teoria unitária. António Gião era o físico de Reguengos que assim se começou a corresponder com o autor da teoria da relatividade, propondo-lhe "acertos" na teoria das forças fundamentais. Para grande felicidade do físico português, Einstein respondeu-lhe com celeridade. A consideração que o físico de origem alemã mostrou ao responder rapidamente a Gião mostra bem a qualidade dos argumentos do físico português.
Em 1965, ocorreu uma descoberta científica de grande significado para a astronomia: os americanos Arno Penzias e Robert Wilson descobriram uma radiação isótropa – isto é, repartida igualmente em todas as direcções – do fundo do céu. Esta descoberta veio de certo modo confirmar a teoria da relatividade geral, na medida em que esta conseguia prever que o Universo estava em expansão. António Gião, quando morreu quatro anos mais tarde, estava ao corrente das mais recentes descobertas da astronomia. Mas não pôde, infelizmente, assistir ao posicionamento de grandes e sofisticados instrumentos na Terra para observar os astros, que se seguiu na década de setenta.
A noção da grandeza do Universo contribuiu para reforçar a sua ideia da “angústia existencial” do homem, mostrando-se preocupado com o que chamou “o carácter trágico do mundo”. Dizia ele que: “Qualquer que seja porém o caminho que seguir, o Homem só encontrará a verdadeira felicidade como um limite, talvez inacessível, de Conhecimento e de Amor”.
Gião amava “o Belo” e, para aprofundar a sua relação com ele, serviu-se da música e, sobretudo, da poesia, revelando uma elevada sensibilidade, como podemos ler no soneto em francês que a seguir transcrevo:
"Pourquoi décrire les choses que l’on aime?
Parlant de toi, du ciel et des fleurs
On ne fait que tracer des courbes blêmes :
Tangentes fugitives du bonheur.
Nous ne voulons pas que la simple image
Du souvenir de tous les jours passés
Soit la fée solitaire de cette page:
Aile volant vers toi par la pensée
L’absence est source de schémas qui meurent
Dans la mémoire. Les dons de ces symboles
S’éteignent pour toujours, mais nos yeux pleurent.
Depuis trop longtemps dans l’espace aride
Nous cherchons la nouvelle parabole:
Remède intérieur de notre vide. "
Em 1967, Gião escreveu umas “Considerações sobre Poesia” onde expunha as suas ideias sobre a relevância da arte na vida humana. Dizia ele:
“Cada um de nós traz consigo, no mais íntimo de si mesmo, uma Mensagem que por assim dizer resume a sua Vida. Constantemente impelidos pelas exigências dessa Mensagem, tentamos exprimi-la pela acção, pelo pensamento, pela criação plástica ou ainda pelo Canto.
(…) É esta a razão de ser do Canto incompleto e da Poesia, necessária ilusão da Vida Única, Objecto e imagens confundidas, Forma e Matéria transparentes, reconciliação com o Espaço, dissolução dos fantasmas do Tempo, Paraíso reencontrado.
(…) Acumulando progressivamente todas as experiências interiores e exteriores, incorporando no mais fundo do ser, no Castelo interior, como dizia Santa Teresa, todas as visões espontâneas e provocadas, sintetizando, fundindo e cristalizando todas as influências que nos vão formando, depressa o nosso eu toma a forma, a substância e as cores definitivas que constituem a essência da nossa identidade. A riqueza desta substância pode manifestar-se pela irradiação do canto e da Palavra, tentativa incompleta de transformação da linguagem inefável da Mensagem em linguagem comunicável. O resultado desta tentativa é essencialmente a Poesia quando consegue revelar o Absoluto Subjectivo que reside no Castelo Interior do Poeta”.
O cientista e poeta de Reguengos de Monsaraz foi um intelectual exigente e rigoroso, legando-nos um trabalho científico que hoje está, em parte, depositado na sua Casa Museu nessa localidade alentejana. E foi também um amante da poesia. Merece a nossa curiosidade.
António Mota de Aguiar
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