segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Razões para o condomínio lisboeta

Novo texto de João Boavida na sequência de um outro publicado aqui:

Ainda a propósito de Lisboa como um condomínio fechado, temos de reconhecer que essa cidade tem, actualmente, excelentes condições para isso. Sobretudo económicas. É, de longe, a primeira cidade do país em poder de compra. Depois, é a única zona do País com um PIB acima da média europeia (104%) enquanto o resto de Portugal se fica pelos 72% (este desequilíbrio devia obrigar a políticas fortes, se, claro, a mentalidade do condomínio fechado não dominasse).

É ainda o lugar onde reside toda a classe política significativa, quer a competente quer a incompetente. Há na Província muitos putativos políticos, mas, enquanto por aí andam, pouco contam, e quando chegam à capital dão força a Lisboa na proporção em que a tiram do sítio onde estavam.

Acresce que não querendo parecer políticos de Província procuram apagar a sua origem esquecendo os seus eleitores. Uma coisa é certa: Lisboa (ou parte dela) vive na abastança em relação ao País, o que aumenta a gula de uns e o espírito superior e suspeitoso dos outros - os ingredientes indispensáveis para um condomínio fechado.

Isso não é de agora, já vem detrás. Até se pensou que a democracia podia inverter a situação, mas não conseguiu, ou não o quis. Com efeito, para o actual condomínio lisboeta, todo o País tem dado o seu contributo, ficando de bolsos vazios. Lembram-se do J. Pimenta e da Torralta dos anos 60/70 e o que significou em capital não investido nas próprias terras? E quanto a serviços para a Província, aquilo a que se chama descentralização? Nada, Lisboa não deixa. Já repararam na cintura de protecção que Lisboa criou em reacção às suas universidades, não tendo deixado criar universidades públicas nas cidades mais próximas?

Não houve esse cuidado para com o Porto ou Coimbra. Daqui derivou, como não podia deixar de ser, um problema sociológico. E um problema psicológico. E um problema geográfico, consequência de um certo desconhecimento do País. As vantagens psicológicas da capital são subtis e percebem-se sobretudo nas conversas, no tom algo displicente de alguns lisboetas, num gosto de falar desembaraçado e explicado e que termina muitas vezes por «pe(r)cebe?».

A presunção da capital não seria grave (noutros países sofre-se do mesmo mal...) se não acrescentasse desequilíbrio económico entre Lisboa e o País. Desequilíbrio esse que não é só económico, mas também social e psicológico. E isto ainda seria suportável se não fosse o irrespirável ambiente de noticiar Lisboa, de promover Lisboa, de nos encherem com tudo o que Lisboa faz, mesmo que isso não interesse a ninguém, a não ser, claro, aos condóminos. Aspecto irritante, sobretudo quando se faz melhor na Província, coisa que o lisboeta não consegue entender, até porque a comunicação social baseada na capital, sofrendo da mesma mentalidade, e como se o resto não bastasse, lhe acrescenta todos os dias ego e autismo.

Não adianta lamentar. Não tem emenda. Seriam necessários políticos de grande envergadura e coragem e uma comunicação social capaz de ter visão nacional. São as cidades da Província que têm de fazer pela vida, unindo-se em vez de entrarem em competições mortíferas. E, sobretudo, criar mecanismos e redes de produção intelectual, cultural, científica e económica, e valorizar e difundir as suas realizações. Produzir a todos os níveis para criar autonomia e divulgar essa produção.

João Boavida

16 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Concordo em absoluto.

"Acresce que não querendo parecer políticos de Província procuram apagar a sua origem esquecendo os seus eleitores."

Lembra-se do caso "Queijo Limiano"? O deputado fez apenas aquilo que todos deveriam fazer, ou seja representar o seu eleitorado e o que aconteceu? A comunicação social e a maioria dos nossos políticos considerou o caso um escândalo nacional. Infelizmente o nosso sistema político deve ser reformulado no sentido de aumentar a autonomia e a responsabilidade dos nossos deputados. Repare que quando um deputado vota num sentido diferente das orientações tácticas do partido, no ano seguinte é colocado, na melhor das hipóteses, num lugar não elegível.

António Daniel disse...

Alguém dizia que em todas as cidades do país o cargo máximo a que se pode ansiar é o de Presidente da Câmara. Em Lisboa ganha-se mais, as sedes das empresas situam-se aí, os serviços também. Para o bem de poucos e o mal de muitos, andámos a discutir a centralidade de Lisboa a partir do futebol, promovendo ainda mais a macrocefalia. O que fazer? É como diz o artigo, a própria comunicação social promove isto. O que é fora de Lisboa é retratado como pitoresco, com potencialidades de ser visitado por pessoas de Lisboa.

Anónimo disse...

Ressabiamento saloio. Mais nada.

Mas claro que para o autor eu escrever isto so prova a sua tese, o que por sua vez suporta o que eu escrevi.

Anónimo disse...

"LISBOA, ATÉ JÁ!"

Ao Doutor João Boavida, em homenagem
ao seu relevante talento literário

Lisboa, Professor, é tudo aquilo
a que Vossa Mercê faz referência:
é a cidade-mãe por excelência
sem sombra de metáfora ou de estilo.

É a capital do sonho imperial
de um pequeno país que foi senhor
de meio mundo, posto ao seu dispor
por força do seu génio universal.

Cidade de Camões e de Pessoa,
de Castro Nunes mais recentemente,
da mais diversa gente se povoa.

Conheço-a praça a praça, rua a rua,
nela exerci vasta função docente
e dentro da minha alma continua!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

"mar de palha"

Deixai-me ir ver o Tejo: foi daqui
que ao mundo se fizeram meus avós
em caravelas que, segundo li,
eram como, talvez, cascas de nós!

Alguns não mais tornaram; sabe Deus
onde terão ficado ou se morreram,
com suas ilusões, longe dos seus,
a quem punhados de ouro prometeram.

Daqui partiu Camões, um pobretana
que muito para além da Taprobana
em bolandas andou, sem se arranjar...

Graças em parte aos viso-reis de Goa,
muita gente voltou, para Lisboa
não mais deixar de se... pavonear!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

CAMPO DE CONCENTRAÇÃO

Repleta de minhotos, transmontanos,
gente da Beira, Algarve e de nação,
a Lisboa de agora, destes anos,
é como um campo de concentração.

Um ponto se tornou de convergência
da grande maioria dos concelhos
quase desertos em consequência
de se irem convertendo em lar de velhos.

Com a afluência aos bairros da cidade
sem distinção de origem nem de nada
vai o país perdendo a identidade.

Terra de exílio, acabará por ser
uma parda cidade povoada
por quem somente quer sobreviver!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "mar de palha" por "mar da palha", obviamente. JCN

Anónimo disse...

E depois, há a Refer, há a Tap, a Ren, a Tp e a Edp, em Lisboa, com as irmãs delas todas iguais, a abarrotar de directores, tirados ao PS e PSD do centrão, com vencimentos de quatro mil a seis mil euros mensais, num ver-se-te-avias, diz jornal de economia, num reino de directores comensais.

joão boaventura disse...

Respeito o ponto de vista do autor relativamente à capital, mas não se me afigura que ela configure uma condomínio fechado, que, de alguma forma fica no retrato como uma sociedade fechada sobre si mesma.

Peço desculpa se a interpretação que faço da leitura não corresponde ao espírito do autor, mas considero Lisboa, como aliás todas as cidades do mundo, preponderantemente cosmopolita.

Disso nos dá conta o nosso amigo J.C.N. através das imagens que transparecem nos versos com que gentilmente nos brinda.

Para não me alardear de erudito convido à leitura do artigo de Catherine Halpern Qu’est-ce le cosmopolitisme, ínsito na revista Sciences Humaines, n.º 158, Mars 2005, que explicará melhor o que entendo por Lisboa, cidade cosmopolita, ou seja, aberta a todo o mundo que nela entra pela via marítima, aérea ou terrestre, quer do restante território nacional quer do estrangeiro.

Cordialmente

Anónimo disse...

CONTRASTES

Que diferente é a Lisboa de hoje
da de Herculano e de D. Pedro V,
a Lisboa romântica, que foge
aos actuais padrões, conforme sinto!

Cada qual, ao seu jeito, se governa,
com deputados que ninguém conhece,
usando linguagem de caserna
sempre que sem razão lhes apetece.

Depois, ministros que de igual maneira
carecem de saber e de craveira
com seus indispensáveis assessores.

Pobre Lisboa, a de hoje! Se Herculano,
com sua austeridade e seus valores,
voltasse cá, creria ser engano!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Anónimo disse...

O grande erro de Pombal
quando Lisboa erigiu
foi não pô-la, tal e qual,
cono era quando ruu!

JCN

Anónimo disse...

Corrijo a gralha "ruu" por "ruiu". JCN

Anónimo disse...

A solução do marquês
reconstruindo Lisboa,
não deixando de ser boa,
a mais fácil foi talvez!

JCN

Anónimo disse...

Sem destinatário:

"MARGARITAS ANTE PORCOS"

S. Mateus VII 6

Como nas suas fábulas compara
Esopo ou Fedro, indiferentemente,
é fraca ideia dar a um demente
uma esmeralda ou qualquer gema rara.

É como quem a porcos ou galinhas,
em lugar de bolotas ou ração,
lhes dá para comer, à refeição,
uma porção de pérolas marinhas.

Mal empregado o tempo e o feitio,
desperdiçada a cera e o pavio,
a burilar poemas a preceito,

quando se verifica que a pessoa
a quem são destinados, com efeito,
preferiria carapau com broa!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Sérgio O. Marques disse...

Poah! É a mentalidade tacanha e retardada da nata lisboeta que nos governa e faz de nós a grande desmaravilha (bolas - o "firefox" diz que cometi um erro) do mundo.
Com isto não quero dizer que lá não viva gente de valor, como considero que o povo português tenha quando limpo da mentalidade geral que o atormenta.

Anónimo disse...

Ok, já chega de falar mal de Lisboa. Muita gente neste país gosta de odiar Lisboa e os Lisboetas. Há coisas más como em todos os lados, gente fechada como em muitos lugares etc etc. Mas sabem que mais? A mentalidade é mais aberta e tolerante do que em muitas outras zonas do país, o clima é mt bom, a vida cultural é diversificada e várias coisas até são grátis, há diversos projetos de inclusão social...não é perfeita, mas é bastante boa. estou cansada de gente a criticar a minha cidade.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...