"Abyssus abyssum invocat” – máxima latina
No rescaldo da não subida ao pódio da equipa das quinas no último Campeonato Mundial de Futebol que, se não tivesse acontecido, faria esquecer o estado desastroso da educação portuguesa – não é uso dizer-se que o futebol é um dos ópios do povo?-, soam as trombetas lusitanas, pela voz de Sócrtes, a dar conta do honroso lugar de Portugal na melhoria substancial da rede do pré-escolar quando anunciam, "urbi et orbi", que “ultrapassar a média da OCDE no pré-escolar é ‘um feito’”. Não se ousa, sequer, discutir o "feito", mas ele não pode, e muito menos deve, servir para escamotear o panorama que se passa no ensino secundário nacional e de que nos dá conta a OCDE:
“Portugal é dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde o número de pessoas com ensino secundário mais cresceu. Ainda assim, em 2008, continuava a figurar no grupo com indicadores de formação da população mais baixos.
O relatório de 2010 Education at a Glance, elaborado pela OCDE, coloca Portugal no antepenúltimo lugar no que toca à percentagem da população que completou o ensino secundário e revela uma diminuição no investimento em educação”.
Resta saber se nestes números estão incluídos os diplomas da Novas Oportunidades em que o diploma do 12.º ano é obtido em escassos meses, através da elaboração de um simples relatório de um percurso de vida profissional, feito pelo próprio, encomendado a terceiros ou comprado na Net, que nada significa em termos de aquisição de conhecimentos correspondentes a um ensino secundário “normal” ou adquirido no chamado ensino recorrente acabado de ser extinto por decisão governamental como nos dá conta o Público de hoje, em notícia de primeira página, e que aqui se transcreve:
“O Ministério da Educação determinou que não vão ser abertas novas turmas para os alunos que iam entrar para o ensino recorrente. Este modelo de aulas à noite que existia para adultos desde a década de 1980 não resistiu à concorrência das Novas Oportunidades e da Educação e Formação para Adultos”.
Destinava-se esta espécie de ensino a ser frequentado nos turnos da noite por trabalhadores diurnos na satisfação de um percurso sério com igual frequência em número de anos lectivos e cumprimento programático idênticos aos do ensino realizado antes do pôr do Sol. Bem sei que as Novas Oportunidades não davam acesso directo ao ensino superior , mas logo surgiram as salvíficas provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos que mandaram às urtigas o sério e exigente exame ad hoc em que o autodidactismo não era havido como prova de uma ignorância por conta própria, como escreveu o poeta brasileiro Mário Quintana.
Cumpria-se, assim, o destino de um país em que não basta para o ego o desempenho de elevados cargos ao serviço da nação ou de “senador”. Havia que emoldurá-lo, quanto mais não seja, com o pergaminho de uma antiga licenciatura obtida em universidades privadas que foram obrigadas a encerrar por terem as suas rotativas a passar diplomas sem qualquer valor facial e que em pouco tempo lançariam o sistema do já fragilizado ensino superior para a bancarrota de um irremediável e total descrédito.
No rescaldo da não subida ao pódio da equipa das quinas no último Campeonato Mundial de Futebol que, se não tivesse acontecido, faria esquecer o estado desastroso da educação portuguesa – não é uso dizer-se que o futebol é um dos ópios do povo?-, soam as trombetas lusitanas, pela voz de Sócrtes, a dar conta do honroso lugar de Portugal na melhoria substancial da rede do pré-escolar quando anunciam, "urbi et orbi", que “ultrapassar a média da OCDE no pré-escolar é ‘um feito’”. Não se ousa, sequer, discutir o "feito", mas ele não pode, e muito menos deve, servir para escamotear o panorama que se passa no ensino secundário nacional e de que nos dá conta a OCDE:
“Portugal é dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde o número de pessoas com ensino secundário mais cresceu. Ainda assim, em 2008, continuava a figurar no grupo com indicadores de formação da população mais baixos.
O relatório de 2010 Education at a Glance, elaborado pela OCDE, coloca Portugal no antepenúltimo lugar no que toca à percentagem da população que completou o ensino secundário e revela uma diminuição no investimento em educação”.
Resta saber se nestes números estão incluídos os diplomas da Novas Oportunidades em que o diploma do 12.º ano é obtido em escassos meses, através da elaboração de um simples relatório de um percurso de vida profissional, feito pelo próprio, encomendado a terceiros ou comprado na Net, que nada significa em termos de aquisição de conhecimentos correspondentes a um ensino secundário “normal” ou adquirido no chamado ensino recorrente acabado de ser extinto por decisão governamental como nos dá conta o Público de hoje, em notícia de primeira página, e que aqui se transcreve:
“O Ministério da Educação determinou que não vão ser abertas novas turmas para os alunos que iam entrar para o ensino recorrente. Este modelo de aulas à noite que existia para adultos desde a década de 1980 não resistiu à concorrência das Novas Oportunidades e da Educação e Formação para Adultos”.
Destinava-se esta espécie de ensino a ser frequentado nos turnos da noite por trabalhadores diurnos na satisfação de um percurso sério com igual frequência em número de anos lectivos e cumprimento programático idênticos aos do ensino realizado antes do pôr do Sol. Bem sei que as Novas Oportunidades não davam acesso directo ao ensino superior , mas logo surgiram as salvíficas provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos que mandaram às urtigas o sério e exigente exame ad hoc em que o autodidactismo não era havido como prova de uma ignorância por conta própria, como escreveu o poeta brasileiro Mário Quintana.
Cumpria-se, assim, o destino de um país em que não basta para o ego o desempenho de elevados cargos ao serviço da nação ou de “senador”. Havia que emoldurá-lo, quanto mais não seja, com o pergaminho de uma antiga licenciatura obtida em universidades privadas que foram obrigadas a encerrar por terem as suas rotativas a passar diplomas sem qualquer valor facial e que em pouco tempo lançariam o sistema do já fragilizado ensino superior para a bancarrota de um irremediável e total descrédito.
Embora seja uso dizer-se que a história se não repete, não resisto em transcrever uma carta escrita por Ramalho Ortigão, no século dezanove, ao então Ministro do Rei, sobre o ensino secundário à época: “O estado em que se encontra em Portugal a instrução secundária leva-me a dirigir a Vossa Excelência o seguinte aviso: se a instrução secundária não for imediatamente reformada, este ramo do ensino público acabará dentro de poucos anos”.
Sem curar da qualidade do ensino anterior ao ensino superior, temo que, tal como no tempo da Ramalhal figura, o caminho esteja aberto para a destruição do ensino secundário, um dos baluartes de um ensino que tem sabido resistir, até agora, a todas as tentativas de o fazer cair no descrédito de um ensino sem qualidade, sem exigência, sem reprovações que o torne em quantidade triste vanguardista dos dados comparativos da OCDE relativamente a outros países. Não é verdade que, na tradução de "abyssus abyssum invocat" , o abismo chama o abismo?
12 comentários:
Já no meu tempo o ensino secundário era uma treta e hoje está muito pior, mas sim, concordo que é o ultimo bastião não superior que têm resistido ao facilitismo, mas isso não vai durar sempre, se não se mudam as coisas não vamos lá.
Qualquer "gaiato" entra na universidade, a avaliação interna é o que se sabe e depois faz média com a baixíssima externa dos exames mas dá para "safar"
Os programas têm-se vindo a empobrecer, mas os custos dos manuais a subir, continua a história dos manuais diferentes para cada escola.
Continua também a história do grande erro que são os agrupamentos do ensino secundário, que já aqui tenho referido e não se tem compreendido muito bem.
A estrutura rígida actual só leva ao aumento do fosso entre as áreas do saber, aquilo que Snow chamou de duas culturas.
Este sistema deve ser substituído por um sistema onde existam 3 ou 4 disciplinas obrigatórias para todos e as restantes optativas, a serem escolhidas em consonância com o futuro académico desejado por cada um.
Continua a história do ensino técnico, que depois de destruírem as escolas comerciais e industriais e dispersarem e desbaratarem os seus recursos humanos, nem daqui a 20 anos vão conseguir alguma reforma, porque o sistema que havia, demorou décadas a ser construído e anos a ser destruído.
Continua o engano dos exames de acesso ao ensino superior, o ataque ao ensino chamado recorrente, as aldrabices das novas oportunidades.
Continuam a não ser avaliados os docentes!
Mas a fazer-se uma reforma, esta tem que começar pelas fundações, mesmo antes do ensino pré escolar, tem que ser extinto o ministério da educação para acabar com aquela camarilha que por lá anda.
Deixar as escolas em auto gestão durante 2 ou 3 anos e verão que afinal nem é assim tão mau.
Mas as tretas continuam e que está à frente das coisas, quem deveria mandar, pura e simplesmente não sabe mandar!
Gostaria de ver o "anónimo" que escreveu o 1º comentário como ministro da educação...
Muitas coisas têm sido mal feitas na realidade, mas tem-se feito muito desde que saímos da fase obscurantista a que correspondeu o salazarismo. O salto tem sido enorme e, mesmo assim, vêm os pedantes queixar-se de tudo!
Em conclusão: precisa-se de um ministro da educação a sério! Onde encontrá-lo? Talvez na Chapinheira, como se diz na minha aldeia, uma parvónia do território beirão. JCN
Preocupam-se com cada coisa no blog...:)
Anónimo (8 Set; 22:25):
Não devia eu preocupar-me com este comentário. Mas preocupo-me em saber que o estado da educação nacional pode ser havido como...uma "coisa" por um dos seus cidadãos e uma "coisa" importante para o governo, a ponto de merecer hossanas de louvor televisivo por parte do 1.º Ministro.
Enfim, a importância da "coisa" é relativa. Só as hossanas e as críticas é que divergem num pluralismo saudável de opiniões...
Carol: Uma pergunta. Acha, em boa consciência, que o anónimo só porque manifesta (e fundament a sua opinião) teria um desempenho na pasta da Educação pior do que Maria de Lurdes Rofrigues e Isabel Alçada?
Caro Professor JCN: Haverá alguma Chapinheira que nos valha?
Ponho-lhe as minhas dúvidas, caro Dr. Rui Batista: sinceramente! JCN
Sou a anónima do comentário da "preocupação".
O tom do mesmo foi completamente irónico.
Apesar de não estar totalmente de acordo com alguns aspectos, começo a pensar e a temer que a Blogosfera seja o único sítio onde há preocupação com o caminho que traçaram para a Educação.
Arrisco até a dizer que será o ano em que os alunos serão mais prejudicados com esse mesmo caminho que anda de mão dada com o reino das flores e do folclore.
O problema da insanidade dos outros é que nos arrastam na mesma. Começar um ano lectivo com tanta tristeza, desmotivação, tanto cansaço, pouquíssima vontade de trabalhar, com medos até não é saudável, pois não? Nem bonito, nem produtivo, nem razoável. Mas julgo que não sou a única neste estado. Ou sou?
Poema para cantar ao som do violão:
POR ENCOMENDA
Ao Dr. Rui Batista
Perante o estado sinistro
em que se encontra a nação,
há que para a educação
encomendar-se um ministro.
Tem de ser uma pessoa
que perceba da matéria
e que sendo honesta e séria
não faça as coisas à toa.
De qualquer ponto de vista,
é desejável que seja
um verdadeiro humanista.
Feito de barro à maneira,
só nos fornos a carqueja
do lugar da Chapinheira!
JCN
Cara anónima: Diz o povo, "a falar é que a gente se entende". Neste caso, a escrever sobre a "coisa".
Grato pelo esclarecimento.
Cordiais cumprimentos,
Rui Baptista
Caro Professor JCN:
Grato pelos versos.
Sem declarada veia poética que confesso não ter, resta-ma o refúgio de uma prosa desesperançada, quase morta à nascença, de que os problemas da Educação neste país corram trilhos de um emendar de erros que se avolumam, quase diria, dia-a-dia.
Antes de 25 de Abril, dizia-se que quem não estivesse inscrito no partido único de então – a Associação Nacional Popular – dificilmente ascenderia a cargos elevados da função pública e, muito menos, da governação. Hoje, de 4 em 4 anos, em que o leque da escolha partidária e os cargos governamentais se ampliaram na razão inversa da crise económica que o país atravessa, perfilam-se alinhados na linha de partida da corrida a esses cargos os boy’s e as girl’s patidários, alguns, até, já com cabelos brancos ou pintados. Ou seja, escolhem-se os cargos para as pessoas e não as pessoas para os cargos.
E nesta dança das cadeiras, com sinceros desejos de um engano meu, pouca esperança me resta de que se cumpram os vossos desejos que, me perdoará, meu caro Professor, tenho como utópicos na sociedade actual:
“Tem de ser uma pessoa
que perceba da matéria
e que sendo honesta e séria
não faça as coisas à toa”.
Não há Chapinheira que nos valha!
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