quarta-feira, 25 de agosto de 2010

«Isto tem muito númaro»

Andava Júlio Pomar pelos vinte anos quando, um belo dia, para seu grande espanto, recebeu no seu ateliê - "um quarto alugado na Rua das Flores a que chamávamos pomposamente ateliê", diz o pintor - a visita de Almada Negreiros.

Passando ao acaso, ou tendo ouvido falar da exposição que um grupo de alunos das Belas Artes ali apresentava, o já então conhecido por Mestre Almada, resolveu espreitar. Nessa esperitadela viu "uma pinturinha sobre cartão com uma cena de saltimbancos" da autoria de Pomar, que comprou, por cem merréis, "para ser exposto no Secretariado de Propaganda Nacional, em São Pedro de Alcântara".

Nessas andanças o quadro perdeu-se (existe apenas o desenho preparatório), o que não foi muito importante; o elogio que ele permitiu é que foi importante. Conta-o Pomar da seguinte maneira:

O que é que sentiu quando o Almada lhe comprou o quadro?
Ah! Enfim, foi assim uma coisa.... Só o simpes facto de o Almada se ter abalado da Brasileira até ao nosso atelier era... Nunca esquecerei. A dado momento, perante um desenho meu, o Almada, com aquele seu sotaque lisboeta, diz: «Isto tem muito númaro». Conhecia que era a sua atracção pelos números, pelas relações geométricas, era o maior cumprimento que se podia receber. «Isto tem muito númaro». Claro que me babei... «Númaro».

Grande Reportagem, Agosto de 2003, p. 59.

Na figura: Quadro de Júlio Pomar intitulado O Almoço do Trolha. A inspiração neo-realista traduz a influência que Almada Negreiros teve na sua obra.
Documentos consultados:
Entrevista de Júlio Pomar à revista Grande Reportagem de Agosto de 2003, realizada por Ana Sofia Fonseca.
Entrevista de Júlio Pomar ao semanário Expresso, realizada por Ana Soromenho.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pelo número, ou seja, pelo numerário, o Almada venia a alma ao diabo, nem que ele assumisse a forma de Salazar! JCN

Anónimo disse...

É manifesto que "venia" por "vendia" é pura gralha: dedos grossos ou teclas diminutas! JCN

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...