segunda-feira, 30 de agosto de 2010
FLUIR PARA CRESCER
Nova crónica de António Piedade saída no "Despertar":
Logo após a fecundação, depois de uma brevíssima pausa para o zigoto “respirar”, explode uma intensa actividade de divisão, diferenciação e especialização celular. Estes processos vão originar os diversos tecidos e sistemas de órgãos que nos dão forma e nos enchem de vida.
Estes processos estão particularmente activos, mas não exclusivamente, durante o desenvolvimento embrionário, no qual são edificados os diferentes tipos de células, blocos estruturantes e funcionais dos diferentes tecidos, alicerces e elementos anatómicos dos órgãos. Numa “tradição” que fica dos tempos embrionários, todos os órgãos cooperam entre si funcionando ao “som” de mensagens bioquímicas (hormonas, neurotransmissores, entre outros compostos), que trocam entre si, numa orquestração homeostática.
Um dos veículos de transporte dessas mensagens moleculares é o sangue. Este tecido é composto, como os outros, por um conjunto de células que lhe são específicas. Entre elas encontram-se os glóbulos vermelhos ou eritrócitos.
Entre outras funções, ainda hoje pouco esclarecidas, os eritrócitos são responsáveis pelo transporte de oxigénio e de dióxido de carbono, entre os pulmões e os tecidos, garantindo assim que ocorram as trocas gasosas indispensáveis para a respiração pulmonar e celular. É de salientar que os eritrócitos são também indispensáveis na homeostase do ferro e que também podem ser considerados como transportadores deste ião metálico.
Regressando ao embrião já nidado à parede uterina materna, as primeiras trocas gasosas que permitem que o oxigénio chegue abundantemente a todas as suas células, e que o dióxido de carbono seja delas removido, são garantidas, inicialmente, por mera difusão. Mas o rápido crescimento do embrião torna a pura difusão insuficiente. A resposta arquitectada é em forma de coração e são desenvolvidos os esboços do que virá a ser o sistema cardiovascular adulto.
De facto, um projecto de coração é o primeiro órgão a se formar com a tarefa de propulsionar, por convecção forçada pelo seu bombear, sangue a todas as células. Os primeiros batimentos, numa frequência entre 100 e 115 batimentos por minuto, ocorrem cerca de 21 dias após a fecundação, numa altura em que a mãe, a maior parte das vezes, ainda não sabe que está grávida!
Os eritrócitos que fluem nos primeiros tempos de desenvolvimento são gerados por diferenciação de células estaminais embrionárias hematopoiéticas. Recorde-se que o embrião não possui os ossos nem a medula óssea onde os eritrócitos serão gerados quando o organismo estiver completo.
A ideia geral sobre a diferenciação celular é a de que ela é mediada por mensageiros químicos, numa interacção célula a célula, que estimula quais e onde se devem especializar as células no, e do, embrião, para executar uma tarefa indispensável para o organismo como um todo. Mas no caso dos eritrócitos, embriologistas moleculares descobriram que as forças biomecânicas do bombear cardíaco, e as resultantes do fluxo sanguíneo, exercem estímulos sobre as células estaminais embrionárias para que estas se diferenciem em eritrócitos (aqui). Ou seja, numa fina e elegante economia de recursos disponíveis, é o próprio bombear do coração que indica a necessidade de se gerar mais glóbulos vermelhos.
António Piedade
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2 comentários:
Belíssimo texto.
Este fá-lo-ei chegar e discuti-lo-ei com os meus alunos. Quando for oportuno.
Muito obrigado.
Que maravilhoso é o mecanismo da vida: quem o pudesse cantar! JCN
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