segunda-feira, 16 de agosto de 2010
A EDUCAÇÃO ESTÁ SEMPRE MAL?
Novo texto recebido de António Piedade:
Numa tarde de Julho, há 25 anos atrás, eu e o escritor António Vilhena tivemos a oportunidade rara de conversar com o Professor Rómulo de Carvalho, na casa deste.
Eu ia com a curiosidade científica debruada pela expectativa de conversar com quem tinha escrito os Cadernos de Iniciação Científica (reeditados pela Relógio D’ Água em 2004), por onde aprendi e alicercei fundamentos de boa ciência, e que ainda hoje me são úteis. O António Vilhena, então aluno de Química, levava a sua sensibilidade poética atenta para ouvir o António Gedeão, a sua Pedra Filosofal e explorar os seus Poemas Póstumos, nessa altura recém-publicados.
Fomos recebidos com a cortesia, humildade e respeito que os grandes mestres pedagogos concedem a quem quer aprender, a quem não tem medo de fazer perguntas, oriundas da curiosidade, da atitude crítica mais genuína porque à procura de conhecimento e de verdade. Mesmo que a verdade seja o não ter certezas absolutas, porque é na precisa medida da incerteza estabelecida que o conhecimento científico se robustece com honestidade e probidade intelectual.
Entre versos e medidas científicas, a tarde deslumbrava com o falar do professor/poeta. Concedeu-nos uma entrevista solta, ainda inédita, mais em jeito de conversa sem rumo previsto mas com pontos cardiais, tantas eram as perguntas para tantas outras respostas ou comentários que ainda hoje nos acompanham, apesar de insuspeitos da perenidade da nossa vida.
A páginas tantas, o Professor Rómulo de Carvalho disse-nos que tinha estudado a Educação em Portugal, desde o início da nacionalidade portuguesa até ao fim do regime Salazar-Caetano, e que dessa investigação iria a Fundação Calouste Gulbenkian publicar (o que aconteceu em 1986 - ) uma obra inédita em múltiplos sentidos: nunca ninguém antes, quer fosse ou não historiador, tinha levado a cabo tamanha tarefa; nunca ninguém antes, quer fosse ou não especialista em educação, tinha ousado analisar criticamente e com o distanciamento necessário ao bom juízo, “o conhecimento histórico sobre o modo como o ensino foi ministrado e os respectivos resultados da educação”; nunca ninguém antes em Portugal tinha ido à procura da razão histórica dos seus próprios alicerces educativos, no sentido de traçar denominadores comuns e específicos ao contexto do país em cada época. Era estranho, disse-nos ele, que os reformadores não tivessem uma mínima curiosidade sobre as lições que estavam por retirar dos diversos modelos de educação aplicados ao longo da história Lusa.
Rómulo de Carvalho fez-nos então nessa tarde de Verão refrescada com limonada caseira, um comentário que ainda hoje recordo: ao longo da história da educação em Portugal encontramos uma constante referência à queixa de que a educação nunca estivera tão mal como então. Em cada época, repetia-se a sensação de insatisfação com o estado da Educação.
Independentemente de outras mais didácticas interpretações, e não sendo eu um especialista em artes educativas, o que o professor Rómulo de Carvalho nos estava a dizer correspondia, no contexto da educação das ciências, à realidade primeira de existir sempre e em cada momento, um desfasamento entre o avanço do conhecimento científico e o que é possível transpor para os necessários conteúdos programáticos, com as instruções pedagógicas e didácticas ajustadas a essa mesma altura. Desta não sobreposição resultaria um descontentamento nucleante. E, segundo ele, haveria sempre um desfasamento de cerca de uma década, entre o reconhecimento de um dado conhecimento e da utilidade social da sua transmissão às novas gerações através da escola: tempo para o compreender e encontrar a forma de o transmitir; tempo para o ensinar aos que o iriam ensinar; tempo para formar os que no terreno cumpriam o papel mais nobre da Escola que é o de assegurar a minimização de erros na sociedade.
Agora, se a este desfasamento adicionarmos mais experimentações de novos modelos de ensino e de avaliação do saber supostamente transmitido e adquirido, sem o seguro conhecimento das especificidades e das necessidades de um País alfabeticamente empobrecido, então talvez o atraso no estabelecimento de uma cultura científica democrática, necessária a todos os cidadãos, sem excepção, numa sociedade de base tecnológica como é a nossa, não se medirá em décadas e a medida padrão de atraso mais adequada tenda para o “quartel”.
Mas afinal, será próprio da Educação este estar sempre mal?
António Piedade
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5 comentários:
"Independentemente de outras mais didácticas interpretações, e não sendo eu um especialista em artes educativas, o que o professor Rómulo de Carvalho nos estava a dizer correspondia, no contexto da educação das ciências, à realidade primeira de existir sempre e em cada momento, um desfasamento entre o avanço do conhecimento científico e o que é possível transpor para os necessários conteúdos programáticos, com as instruções pedagógicas e didácticas ajustadas a essa mesma altura."
Penso que a interpretação de António Piedade relativamente às palavras de Rómulo de Carvalho (RC) é no mínimo questionável. A observação de RC sobre as críticas ao estado da educação não é uma originalidade portuguesa. No que respeita à situação nacional podemos encontrar um conjunto de frases críticas sobre o estado da educação em Portugal ao longo de todo o século XX no excelente livro de António Nóvoa Evidentemente ‒ Histórias da Educação (http://www.wook.pt/ficha/evidentemente-historias-da-educacao/a/id/39701). Recomendo vivamente a leitura deste livro porque muitas das opiniões sobre educação que se ouvem dos mais variados quadrantes, incluindo neste blogue, já foram ditas e repetidas por muitos há muitos anos atrás.
Para os que querem conformar a universalidade do fenómeno das críticas à educação sugiro a leitura de um clássico de Christian Baudelot e Roger Establet, O nível Educativo Sobe (Porto Editora). Nele encontrão frases críticas sobre educação no contexto francês desde meados do século XIX!!
Cada geração considera as que lhes sucedem são mais ignorantes.
PJ
Caro PJ
Antes de mais, obrigado pelo seu comentário construtivo e pelo contributo que a seguir acrescenta. Creia que não quis interpretar mal as palavras que recordo do próprio Rómulo de Carvalho. O tempo pode ter enublado a minha memória. Contudo, o que eu quis colocar à discussão, mais do que afirmar, vai muito no mesmo sentido do que escreveu: muito ou quase tudo do que agora preenche as crónicas que por esse pais fora abordam a questão do Estado da Educação, repetem o que muitos e gigantes da nossa e outras culturas já disseram e de forma superior. Por isso as recorrentes e inevitáveis citações. De facto, quando leio o que se vai dizendo e mesmo o que escrevi, fico sempre com a sensação de que nada ou muito pouco se acrescenta de novo e é quase tudo inconsequente para a mudança, se é que tem que haver alguma mudança. Aliás, e recorrendo de novo ao Professor Rómulo de Carvalho (repare que no fundo eu quis partilhar uma experiência minha e com isso recordar o papel daquele Pedagogo e Didacta do Ensino da Ciência - me corrijam os que discordam das minhas memórias), ele nos seus lamentos e manifestações discretas de incompreensão perante o que se fazia ou não no sistema educativo português, dizia que as mudanças era mais um acrescento de modelos por uma necessidade politica de deixar nome no arquivo da história da educação em Portugal (espero, mais uma vez, que a memória não me traia).
Lerei com interesse e gosto as obras que indica.
Cumprimentos
António Piedade
A este propósito, não já dos problemas do primário e secundário, mas dos relativos ao ensino superior, onde se jogam outros tipos de interesses, porque de outro âmbito, e porque de outras gentes, aconselharia a leitura grátis do Homo Academicus, de Pierre Bourdieu, para verificarmos que ali, onde está o homem, os jogos são sempre os mesmos quer se trate de questões do ensino primário, secundário ou superior. O homem não simplifica nem resolve porque o problema está precisamente no homem.
De resto, quem se der ao trabalho de ler as 960 páginas da
“História do Ensino em Portugal. Desde a Fundação da Nacionalidade até o fim do Regime de Salazar-Caetano”, de Rómulo de Carvalho,
(o meu exemplar é uma 2.ª edição de 1966)
verificará que os problemas do ensino são sempre os mesmos, e os problemas permanentemente não se resolvem.
E porque nunca se resolvem, também as pessoas têm sempre de atalhar e criticar o mesmo da mesma maneira; e vivemos atados a este confronto entre o poder que não decide ou decide mal, e a sociedade que clama porque não tem o poder.
Como já escrevi noutro blog a propósito de textos antigos, opinei que os mesmos configuram uma actualidade permanente, exactamente como o actual é um sempre o mesmo de todos os tempos.
A Educação foi a única pasta que Salazar enjeitou: ele lá sabia porque^. JCN
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