quinta-feira, 16 de julho de 2009

O curso de Medicina da Universidade do Algarve


Novo post de Rui Baptista:

“Pela sua natureza, a universidade é uma instituição que deve ser frequentada pela aristocracia intelectual, que tem como vocação a universalidade e que deve adoptar como critério a exigência" (Maria Filomena Mónica).

Sem me reportar ao caso da Universidade Independente, que foi obrigada a fechar as portas depois do escândalo público despoletado pelas respectivas licenciaturas em Engenharia, reporto-me, agora e apenas, à criação de cursos superiores públicos que, para além de não ser devidamente planificada em termos quantitativos, estabeleceu uma confusão textual entre os ensinos universitário e politécnico, através de articulados da própria Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro) destinados a esta matéria (pontos 3 e 4 do respectivo art.º 11.º).

Assim, nestes formulários os ensinos universitário e politécnico pouco ou nada diferem na forma e no conteúdo, consentindo diversas leituras que permitem ao ensino politécnico navegar a todo o pano em águas de interesses dos seus diplomados e com a terra à vista dos sucessivos graus académicos que eles foram exigindo sem levantar muitas ondas, com excepção de doutoramentos.

Em 2004, quiçá no intuito de transformar uma matéria de facto em matéria de direito, um estudo coordenado por Veiga Simão (a quem é atribuída a desastrosa extinção das escolas técnicas, industriais e comerciais, quando ministro da Educação nos derradeiros anos do Estado Novo), com o título ambicioso de “Bolonha: agenda para a excelência”, previa a criação de universidades politécnicas outorgantes do grau académico de doutor, embora estabelecendo um prazo dilatado para esse efeito. Ora, todos nós, pelo andar da carruagem dos sucessivos graus académicos que foram sendo atribuídos pelo ensino politécnico, sabemos como os prazos se encurtam e a facilidade com que se moldam a interesses nem sempre justos.

Estranhamente, este estudo não agradou a gregos e troianos. Assim, o “Diário de Coimbra” (13/10/2004) noticiava que o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos entendia que a criação de universidades politécnicas “discrimina o ensino superior politécnico e revela-se desconhecedor deste subsistema”, acrescentando que “esta matéria é demasiado importante para nos ancorarmos apenas na opinião de três sábios”(para além de Veiga Simão, subscreveram este estudo António Almeida e Costa e Sérgio Machado dos Santos). Por seu turno, ainda segundo essa notícia, o presidente do Conselho de Reitores da Universidade Portuguesa “também não está totalmente convencido quantos às vantagens da criação das universidades politécnicas”.

É-se agora confrontado com a criação já oficializada do curso de Medicina na Universidade do Algarve com a duração de quatro anos. Sem entrar em pormenores que não possuo do respectivo currículo e da maneira como se poderá adaptar a clientelas tão diferentes, reporto-me a notícias que vão sendo publicadas em catadupa e de que respigo esta breve passagem: “Para se ser um candidato elegível tem de se ter, pelo menos, um diploma de licenciatura nas áreas da Saúde (Medicina Dentária, Medicina Veterinária, Enfermagem, Farmácia, Ciências Biomédicas, etc.)”.

Por ser do meu melhor conhecimento, em fins da década de 80 e princípios dos anos de 90, a licenciatura universitária em Medicina Dentária da Universidade de Coimbra exigia os três primeiros anos da licenciatura em Medicina, diferindo dela apenas nos três anos sequentes. Será que, para o ingresso nesse novel curso de Medicina, a licenciatura politécnica em Enfermagem é considerada de igual exigência científica, no que se refere às cadeiras de Anatomia, Fisiologia, Bioquímica, Histologia, etc., relativamente aos três anos iniciais da licenciatura em Medicina Dentária? Obviamente que, não sendo, de forma alguma, esse o caso, se está na presença de tratamento igual para situações completamente diferentes.

Por outro lado, sendo, actualmente, da competência da Ordem dos Médicos o reconhecimento da qualidade dos cursos que permitem a respectiva titulação de médico, não se estará a tentar retirar-lhe um direito conferido por lei? Em mera hipótese, o que sucederia se a Ordem dos Médicos por discordar (como diz discordar publicamente) dos moldes em que este curso se virá a processar se recusasse a admitir os licenciados em Medicina pela Universidade do Algarve como seus membros? Terá sido nessa previsão que o Partido Socialista (com base na intransigência da Ordem dos Engenheiros em reconhecer as licenciatura em Engenharia da Universidade Independente) se apressou em retirar às futuras ordens profissionais a competência legal de serem entidades capacitadas para reconhecerem e sancionarem a qualidade dos respectivos cursos?

Seria, no mínimo, verdadeiramente insólito se, em final de legislatura, o Partido Socialista tentasse estender essa limitação institucional às ordens profissionais já criadas, julgando, com isso, fazer obra democrática e progressista com respaldo, entre outros, num saber de experiência feito “em regime de voluntariado com grupos sociais vulneráveis” (texto das condições de acesso ao novo curso). O futuro o dirá!

Rui Baptista

8 comentários:

Armando Quintas disse...

O velho problema da distinção entre politécnicos e universidades volta á baila, enquanto houver interesses isso não se resolve, muita gente está a comer graças a essa confusão.
Também não posso falar muito desta licenciatura pois também desconheço o plano de estudos, mas só espero que não seja o primeiro passo para transformar medicina na moda de Bolonha, que sinceramente só tem sido nociva no nosso país, criando confusão em todo o lado e diminuindo a exigência.
Os cursos de 4 anos, passam para 3, os alunos aprendem menos, pagam mais propina e depois vão para o mestrado aprender o mesmo que aprendiam na licenciatura antiga, baixando a exigência deste grau, pode não ser assim em todo o lado, mas há universidade em que tal se passa e conheço casos, pessoalmente de pessoas que tiraram a licenciatura antiga, estão no mestrado e não estão a aprender rigorosamente nada, então e vão aprender o que se aprendia no mestrado onde? no doutoramento?
A minha sincera opinião sobre Bolonha é apenas esta, uma treta e uma fraude, uma oportunidade que podia ter servido para remodelar o ensino, resolver estas questões dos politécnicos e universidades, em vez disso, fez-se operações cosméticas, alterando apenas ligeiramente os nomes das disciplinas, mantendo tudo na mesma.
sinceramente mais valia nem terem aderido a Bolonha, mal por mal ficávamos com o sistema antigo, mas depois vão refutar, com Bolonha cria-se uma padronização do ensino, e eu volto a argumentar, outra fraude, porque nem a nível nacional existe para os mesmos cursos uma padronização mínima, quanto mais a nível europeu, os alunos fazem lá fora disciplinas que nem existem cá e são reconhecidas porque é ético e prático, mas como pode existir equivalência se numa das instituições a disciplina não existe?
enfim, bolonhices, chamem-me retrogrado, mas estou contente com a minha humilde licenciatura antiga..

Rui Baptista disse...

Plenamente de acordo com a sua crítica aos graus académicos bolonheses concedidos em Portugal, em que se traduziu o anglo-saxónico "bachelor" por licenciado.

Neste blogue estão publicados vários post's meus críticos ao graus académicos concedidos por Portugal, aquando da implementação à pressão do Processo de Bolonha. Enfim, "chinezices" de inspiração maoístas em que se formaram os chamados médicos de pé-descalço.

Anónimo disse...

Armando Quintas,

O projecto Bolonha não foi desenhado para quem está contente com a sua humilde licenciatura antiga, foi-o para as gerações presentes e futuras que coabitarão num mesmo espaço geopolítico transnacional. Por muito que lhe pese, o seu tempo já foi, desejando-lhe eu embora que continue por muitos e bons anos.

O projecto europeu neste e noutros domínios é a última esperança que resta aos remediados deste injusto país.

Anónimo disse...

Rui Baptista,

Se Portugal não for movido à pressão, receio que fique a marcar passo por mais uns 50 anos. Mas talvez seja esta a sua escolha preferida, o que não deixa de ser uma opção lógica ou ideológica para os privilegiados do sistema.

Alberto Sousa

Rui Baptista disse...

Alberto Sousa:

A minha opção lógica (embora não seja essa a minha opção ideológica), por muito estranho que isso lhe possa parecer (a opção lógica, claro está!), identifica-se com a exigência que a União Soviètica e os outros países comunistas punham na exigência do ensino ministrado.

Ou será preferível uma massificação do ensino em que, segundo Francisco de Sousa Tavares, um impoluto lutador antifascista, de um país de analfabetos se passou a um país de burros diplomados?

Não é essa a minha opção lógica, portanto, em discordância com um maniqueísmo que não partilho em não reconhecer como coisa boa o facilitismo que possa presidir ao ensino da juventude.Lamento, assim, que sindicatos que se identificam com a ideologia comunista possam estar contra medidas que representam essa tentativa de exigência.

Anónimo disse...

Percebo o seu ponto de vista, mas não compartilho.

A situação atual não é o descalabro que vc. imagina. Na verdade, hoje há muito mais gente em Portugal a escrever bem, a investigar bem, a pensar bem, a ensinar bem, etc. do que em qualquer altura anterior da história do país Mas como reina a democracia, ouve-se tb, como não podia deixar de notar-se (que dantes havia a PIDE dos costumes,da rádio e da TV) muito mais gente a falar mal, a investigar mal, a pensar mal, a ensinar mal, e por aí vamos.

Você parece-me um saudosista sem remédio. E não se fie muito nao que dizia o Sousa Tavares que era efetivamente um bom copo e uma boa companhia, mas tb um fala-barato incorrigível.

E não se preocupe, que os bons alunos, os bons pensadores, os bons cientistas, os bons-qualquer-coisa nunca se deixaram contagir pelos maus. Não é por aí que o país soçobrará.

Alberto Sousa

Rui Baptista disse...

Dificilmente se poderá acreditar que a massificação desregrada do nosso ensino poderia ser acompanhada por uma desejável qualidade. Talvez depois de assente a poeira de um ensino que foi ao sabor de interesses politizados se possa pô-lo nos carris da qualidade. Será que acredita, em boa consciência, ser possível ter, simultaneamente sol na eira e chuva no nabal? Parafraseando-o, você parece-me ser um optimista incorrigível.

Blogestudantept disse...

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