segunda-feira, 15 de junho de 2009

UM ALDRABISTA DE MILHÕES



Texto recebido de João Vasconcelos e Costa sobre um falso profeta do desastre do voo 447 da Air France:

O prof. (?) Jucelino Nóbrega da Luz (JNL) anda por toda a net, por ter adivinhado o acidente do voo 447 da Air France. É mais um bom exemplo da incapacidade natural que a maioria dos cibernautas tem para desmascarar logo à partida fraudes bem construídas. A documentação está no seu site e, abaixo, indico os "documentos" pela ordem pela qual ele as apresenta.

A primeira observação de espanto é sobre a negligência de quem recebeu, em 2005 (doc. 14) a sua adivinhação dos acidentes bem famosos do choque de um Boeing da GOL com um pequeno jacto Legacy, em 29.9.2006, e o acidente em Congonhas, a derrapagem no fim da pista de um avião, em 10.7.2007. Tal acerto, com horas e datas exactas, devia ter feito disparar o alarme em relação a igual adivinhação quanto ao voo AF447. Quem foi negligente? Curiosamente, apesar de JNL referir abundantemente os múltiplos destinatários de originais e cópias das suas cartas, neste caso apaga o destinatário da carta 003/10/2005 (ou melhor, 2 destinatários, segundo sua indicação) (doc. 14).

Adivinhou também em 2006 (doc. 1) o acidente de há semanas, 20.5.2009, com um avião militar indonésio e prevê para Dezembro próximo um grande acidente em África (todos os Zandingas confiam numa coisa básica, a de que em Dezembro já não nos lembramos dessas previsões, mas eu vou anotar). Quanto ao AF447, o que há de “substancial” nesta fraude? Ter adivinhado, com todos os pormenores, data, hora e local, o acidente, comunicando essa revelação à Air France (AF) (doc. 1 - mas enviado à Embaixada de França!), à Agência Nacional da Aviação Civil (doc. 6), ao Ministério da Defesa (doc. 9).

Quando foram escritas estas cartas? É o centro da aldrabice. Para mim, é óbvio que tudo foi construído já depois do acidente AF447, aproveitando documentos de correios com datas anteriores, que não provam nada, que indicam é que o homem provavelmente se entretém a mandar cartas, provavelmente para si próprio, aproveitando depois os talões antigos de pagamento de taxas postais. Num caso (doc. 10), até paga aviso de recepção mas depois não o usa em apoio da sua "documentação".

Há incoerências de enumeração, mas podem ser lapso - a carta 003, de 2.10.2005 é anterior à 002, de 16.10.2006. O papel de todas as cartas manuscritas é visivelmente o mesmo, folhas de um caderno de notas. Admito que JNL goste muito desses cadernos e os use desde essa altura até agora. Também mantém uma invejável constância de caligrafia, ao longo dos anos, e usa sempre o mesmo tipo de caneta. Ou foi tudo escrito ao mesmo tempo?

A quem foram enviadas as cartas? Não se percebe bem. JNL afirma ter enviado uma carta directamente à AF. No entanto, a única carta para a AF reproduzida faz parte é do pacote enviado à Embaixada (doc. 1 e 2).

Essas cartas foram enviadas? Com aquela coisa típica das fraudes na net que é o excesso desnecessário de “certificações”, JNL teve o cuidado de carimbar os seus documentos por autoridade de notário. Simplesmente, o reconhecimento notarial é feito em relação a cópias confrontadas com o original, obviamente antes de eventualmente ser enviado pelo correio. O carimbo no doc. 8 é facilmente fabricável (e quanto a falsificações, lá iremos). O do doc. 12 (carta à AF já de 4.6.2009) é exemplo da tal técnica da super-certificação, dado que esta carta, já depois do acidente, é irrelevante. Porque é que ele foi certificá-la no notário? Aparentemente imponente é a certidão do doc. 15. Mas o que prova? Apenas que JNL apresentou ao notário, em 3.10.2005, uma carta a enviar à Embaixada de França. Que carta? Só pode ser a 003 enviada em 2.10.2005. Mas, se foi enviada no dia 2, como pode ter sido apresentado no notário o original, no dia seguinte?

Quanto a falsificações, são óbvias. Nos talões dos correios (que não mencionam os destinatários, podem ter sido para o merceeiro ou para ele próprio), a descrição dos documentos, à mão, sai sempre fora da área de digitalização dos talões. O homem é tosco, pode-se fazer isto muito melhor. No talão de aviso de recepção das cartas enviadas à Embaixada (doc. 2), é tapado, não se percebe porquê, o nome da pessoa que recebeu e do funcionário postal. A data no carimbo está retocada. Quanto a outro aviso de recepção (doc. 13) não é preciso ser-se grafologista para se ver quem rabiscou uma assinatura e escreveu a data de recepção (vejam na data o 6 e o 9)

Como é costume nestas fraudes internéticas, não podia faltar a teoria da conspiração, as acusações às entidades que estão sempre a envenenar “our precious body fluids” (lembram-se do Dr. Strangelove?)

Como vêem, dei-me ao trabalho de tentar mostrar como é fácil hoje enganar meio mundo. Sempre houve vigaristas ou psicopatas a enganar gente, mas em pequena escala. A net tem duas faces. Milhões e milhões de nós beneficiamos das suas potencialidades, lemos uma enciclopédia com um clique. Mas também um vigarista deixou de aldrabar só as velhinhas do bairro, aldraba agora esses tais milhões e milhões. Em paga deste meu trabalho, só peço que difundam esta mensagem.

João Vasconcelos Costa

7 comentários:

Leonardo de Oliveira Martins disse...

No caso desse "da Luz", nem só na net: ele é famoso no Japão, onde eu tinha a infelicidade de ouvir dele a partir de pos-graduandos e professores (!!!). Eu comentei sobre isso - em outro contexto - aqui:
http://stoa.usp.br/leomrtns/weblog/36241.html

Quanto à tabeliã (notária) Maise Moreira que escreveu a carta mais pomposa, achei isso:
http://www.conjur.com.br/2004-jun-05/juiz_manda_tabelia_indenizar_equivocos_testamento
Ela não pode certificar que as cartas foram enviadas, apenas que foram autenticadas, ou seja, copiadas. (uma curiosidade: há vários Swerts no documento)

Uma folha quase em branco pode ser autenticada e basta a assinatura (sem conteúdo) para ter a firma reconhecida - aqueles carimbos e selos abaixo da assinatura.

Anónimo disse...

nao entendo pq se perde tempo com estas coisas.

Joaquim disse...

"Para mim, é óbvio que tudo foi construído já depois do acidente AF447"

E quem é o mim?
É que isto vem apenas assinado "Posted by De Rerum Natura".

João Vasconcelos Costa disse...

Anónimo, compreendo o seu comentário, mas provavelmente não recebe tão frequentemente como eu mensagens de amigos e até estranhos a pedir-me opinião, quando são matérias da minha especialidade, sobre fraudes na net.

Se fosse interrogado por uma pessoa cancerosa com óbvia esperança de que não beber leite nem comer lacticínios seja a sua cura ou, melhor ainda, curar-se por bochechar regularmente uma solução de bicarbonato de sódio, tudo cheio de referências e de argumentos de "autoridades" inventadas, provavelmente não teria escrito esse seu comentário.

Creio que a luta contra a fraude é sempre justificada, mais agora que ela se difunde livremente por toda a internet e chega a muitos milhões.

Anónimo disse...

Compreendo o seu ponto de vista, MAS neste caso concreto não vejo por que tanta atenção. Afinal, o homem afirmar-se presciente é a bem ver menos escandaloso que o aproveitamento da crendice de fátima pelo bispo de leiria e outros dignitários da igreja.

O que vc costuma dizer a quem lhe pede a opinião sobre se pode curar um cancro com umas promessinhas à virgem maria? Espero que continue na sua luta contra ESSA fraude.

O anonimo da outra vez

nuvens de fumo disse...

o homem acerta em quedas de aviões, há quem erre os valores das eleições,....
enfim, aldrabões por aldrabões, estes parecem-me pouco nocivos, são apenas ridículos...

Anónimo disse...

Infelizmente nós vivemos no meio, com algumas dessas ervas daninhas. Há "bruxos" que exploram a ganância das pessoas, a sua ignorância e por vezes a ingenuidade. São pessoas, para quem a sua estabilidade emocional, não é problema. Mas há muitas formas de os TESTAR. E esta é uma delas.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...