No presente, as políticas ocidentais para a educação não são, pelo menos no papel, substancialmente diferentes de país para país.
Tais políticas assentam num conjunto de pressupostos sobre o ensino e a aprendizagem, daí que quem o siga tenda a ver a realidade com os mesmos olhos, independente de ser português, espanhol, americano, ou canadiano.
Isto a propósito da opinião elogiosa que um especialista em tecnologia da Universidade de Toronto, de seu nome Don Tapscott, publicou num blogue sobre o sistema de ensino português, depois de ter visitado, em Abril, o nosso "modesto país para lá do Atlântico".
Escreveu ele que estamos a investir na "criação de um novo modelo de ensino", tendo-se pronunciado, em particular, sobre uma das medidas que o concretizam e que teve oportunidade de observar directamente: o uso de computadores individuais em sala de aula.
Há duas ou três afirmações deste especialista que, além de recorrentes, me parecem preocupantes.
Uma delas é a seguinte:
“Teachers facing a classroom of kids with laptops need to learn that they are no longer the expert in their domain; the Internet is”.
(“Os professores que se deparam com uma sala de aulas cujos miúdos têm computadores portáteis precisam de aprender que já não são os especialistas no seu domínio: a Internet é que é".)
Ao contrário, entendo eu que os professores, independentemente dos recursos que têm à sua disposição, não podem abdicar do papel de especialistas no seu domínio. A Internet não substitui os professores, porque são estes, e não a Internet, que têm a incumbência de educar formalmente. Aos professores cabe levar os alunos a adquirirem os conhecimentos e a desenvolverem as capacidades que constam nos currículos e programas. Para tanto, devem recorrer a estratégias pedagógico-didácticas que a investigação indica como eficazes, mas de acordo com as especificidades da escola, da turma e dos alunos.
Outra afirmação é a seguinte:
“The teacher directed the kids to an astronomy blog with a beautiful color image of a rotating solar system on the screen. “Now,” said the teacher, “Who knows what the equinox is?” Nobody knew. “Alright, why don’t you find out?”. The chattering began, as the children clustered together to figure out what an equinox was. Then one group lept up and waved their hands. They found it! They then proceeded to explain the idea to their classmates."
("O professor direccionou os alunos para um blogue de astronomia (…) “Agora”, disse o professor, “Quem sabe o que é um equinócio?". Ninguém sabia. “Muito bem, porque é que não descobrem?”. A tagarelice começou assim que os alunos se juntaram para resolver a questão … Um grupo levantou as mãos. Encontraram a resposta! Então, explicaram a sua ideia aos seus colegas".)
Esta estratégia, que consiste em levar os alunos a pesquisar a partir de uma questão, pode e deve ser usada em contexto de sala de aula, mas tem de ser sempre controlada directamente pelo professor, que tem por obrigação assegurar-se previamante que os alunos dispõem de bases para encontrar as respostas, que recolhem o conhecimento certo, que a explicação que fazem aos colegas vai no mesmo sentido e que os colegas a entenderam. Mais, esta estratégia é uma entre outras, pois direcciona-se para o desenvolvimento de certas capacidades, não para todas. Além disso, o tempo dispendido com ela não se compadece com a fluidez requerida pelo ensino.
Uma terceira afirmação é a seguinte:
“They were collaborating. They were working at their own pace. They barely noticed the technology, the much-vaunted laptop. It was like air to them. But it changed the relationship they had with their teacher. Instead of fidgeting in their chairs while the teacher lectures and scrawls some notes on the blackboard, they were the explorers, the discoverers, and the teacher was their helpful guide.”
("Estavam a colaborar. Estavam a trabalhar ao seu próprio ritmo. Parece que não davam conta da tecnologia, do muito falado computador portátil. Era como ar para eles. Mas mudou a relação que tinham com o seu professor. Em vez de se agitarem nas suas cadeiras enquanto o professor explicava e escrevia apontamentos no quadro, exploravam, descobriam, tendo o professor como guia".)
Vejo neste discurso antiquíssimo (a diferença aqui situa-se apenas no recurso em questão) o grande perigo de se entender a aprendizagem de maneira mais ou menos desligada do ensino, pressupondo-se que o aluno sabe o que deve aprender, quando e como deve aprender, sendo capaz, por si só ou cooperativamente, de descobrir todo o conhecimento e de desenvolver todas as capacidades que estão determinadas nos documentos curriculares. Entendo que o papel do professor não pode reduzir-se ao de guia, ainda que em alguns momentos o possa ser, pois é a ele que cabe a direcção da aula, mesmo quando dá possibilidade aos alunos de desenvolverem trabalhos de pesquisa. Desta passagem parece também depreender-se que a explicação do professor e o uso do quadro são estratégias opostas ao uso do computador e, como tal, desaconselhadas. Ora, não são uma coisa nem outra: as estratégias e os recursos educativos podem ser ou não eficazes, dependendo do modo como se utilizam.
A finalizar saliento a recomendação que Don Tapscott faz ao presidente dos Estados Unidos da América: "Quer resolver os problemas das escolas? Olhe para Portugal!".
Tenho esperança que, caso o presidente Obama leia o artigo, perceba duas coisas:
Primeira: Que a observação que Don Tapscott fez do ensino em Portugal foi pontual e reduziu-se a um número muito limitado de salas de aulas, se não, mesmo a uma só. E que essa observação não teve um suporte teórico e metodológico que fosse além do senso-comum. Logo, não é uma observação que permita fazer generalizações, ainda mais quando se trata de resolver os problemas dum quadro educativo tão complexo como é o dos Estados Unidos.
Segunda: Que como ele próprio afirma "os estudos sobre o impacto dos computadores na escola têm sido inconclusivos ou pouco discriminativos. Um problema-chave é que simplemente apetrechar as escolas com computadores não é suficiente".
Sobre este assunto veja-se o lúcido texto de Ana Soares, intitulado: Novas tecnologias na sala de aula, publicado aqui.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O corpo e a mente
Por A. Galopim de Carvalho Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
11 comentários:
O que escreveu sobre a aprendizagem desligada do ensino leva a pensar sobre experiências pedagógicas como a da Escola da Ponte - que é publicamente referida sempre de modo muito elogioso.
Infelizmente essas referências são também acríticas e só apresentam a versão dos apologistas da escola e do seu método.
Gostava de conhecer estudos do percurso dos alunos que sairam da Escola da Ponte para o 10º ano: tiveram ou não dificuldades? Precisaram de apoio suplementar (nomeadamente explicações)? Que resultados obtiveram, nomeadamente nos exames nacionais? Foram para a Universidade? Etc.
Caro Carlos Pires
Não conheço estudos sobre a transição de nível de escolaridade dos alunos que frequentaram o ensino básico na escola que refere.
Cumprimentos, Helena Damião
Para quem tão mal diz do Ministério da educação e ministra de Portugal, deve custar muito ler um elogio ao nosso ensino e logo de um senhor americano.
É a vida
A professora Helena diz e muito bem as "estratégias e os recursos educativos podem ser ou não eficazes, dependendo do modo como se utilizam".Concordo plenamente consigo. E daí achar que no meio termo é que está a virtude como sempre se diz e não nos extremismos que ora uns ora outros leviana e superficialmente advogam perante a qualidade do nosso ensino. Há de tudo: de bom e de mau. Há que admiti-lo sem receios mas com a humildade de recuperar e ir introduzindo mudanças adequadas.
Aconselho o Professor Pires a visitar e a conhecer melhor o que já se fez na escola da ponte desde há 30 e tal anos. Não especule só pra frente, atente nos resultados já obtidos.
Quanto ao António, nem mais. Os americanos até se dão ao luxo de ter do pior e do melhor ao mesmo tempo. Nós parece que temos sempre do pior para certas pessoas. É por isso que os outros vão onde vão e nós não passamos da retórica. Mas nem é preciso ir pros americanos: já os nossos vizinhos espanhóis. Sinais dos tempos que alguns teimam em não querer interpretar e a ver com óculos de fundo de garrafa...
ze do mundo
Por este andar ainda a Harvard Medical School e a Harvard Law School querem fazer um "consórcio" respectivamente com a Fac. de Medicina da Un. de Lisboa e a Fac. de Direito da Un. de Coimbra, com o fim de elevar a qualidade do ensino da Medicina e do Direito nos USA :-)
Não se percebe assim porque, há um par de anos, foram feitos os consórcios MIT-Portugal, Carnegie Mellon-Portugal, etc. Deve ter havido uma terrível e saloia ilusão de que o ensino nos USA era mesmo melhor que o que se pratica neste jardim à beira-mar plantado.
Já agora, em termos tecnológicos deveríamos era fazer consórcios educativos de nível universitário com a Rússia e com a China: saem mais baratos e em termos academico-científicos não devem ser piores. Eis porquê: o concurso mundial de programação de 2009, patrocinado pela ACM (Association for Computing Machinery), a maior associação mundial de programadores e de "Computer Scientists", cujos resultados podem ser consultados no link http://cm.baylor.edu/welcome.icpc, teve como vencedor a "St. Petersburg State Un. of IT, Mechanics and Optics", e em segundo lugar ficou a "Tsinghua Un." da China.
Há 3 escolas russas nos 4 primeiros lugares.
Nos primeiros 13 lugares há 5 escolas russas e 3 chinesas. A melhor escola ocidental é a Un. de Oxford (quinta). O MIT ficou em sétimo. A Un. de Carnegie Mellon é a no. 12.
Uns consórcios com Universidades Russas decerto não subtraíam ao MCTES 50 milhões de euros, cada, por um período de 5 anos, como fazem os consórcios MIT e Carnegie Mellon. E o MCTES agradecia, decerto, pois assim teria mais umas migalhas para distribuir, através dos projectos da FCT, aos investigadores Portugueses, como eu, que não são "consorsizados" (ou será "exorcisados" ?)
Não percebo como um indivíduo que diz disparates ao nível deste Don Tapscott, pode ser considerado um especialista em educação...
Don Tapscott não é especialista em educação...aliás estão muito longe de ser consensual as suas ideias.
Sobre o MIT e o Carnegie Mellon haveria muito a dizer e muitas delas boas e algumas más...só que alguns mediocres investigadores portugueses de segunda continuam em busca das migalhas pois querem continuar a sobreviver e por isso acham que 50 milhões é muito. Pois até já nem são 50, já é muito menos do que isso...
Sabe-se como se faz a mise-en-scène quando o estrangeiro vem a Portugal: mostra-se-lhe o que verdadeiramente não se faz mas deveria fazer-se.
O estrangeiro vê, toma notas, vai-se embora, e logo que o avião levanta voo, a mise-en-scène é desmontada e volta-se à realidade portuguesa.
E para se saber qual é a realidade lusitana nada como assistir a este vídeo
Para se ter uma noção de como se faz a mise-en-scène em Portugal, apresento este exemplo
O conselho ao Presidente Obama sobre o exemplo do governo de Portugal ter dado um computador a cada aluno do ensino básico não se resume a um blog (como refere no texto) também aparece num jornal:
http://www.huffingtonpost.com/don-tapscott/note-to-president-obama-w_b_220198.html
Para melhor elucidação pode consultar-se o blog de Don Tapscott.
Enviar um comentário