sábado, 14 de fevereiro de 2009

O ANO GUSMÃO


Minha crónica no "Sol" de hoje (na figura, imagem mais realista da "Passarola" da que é mais conhecida; foi publicada em 1936 a partir de um original da época na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra):

2009 é o ano Galileu (400 anos das primeiras observações telescópicas, anunciadas em “O Mensageiro das Estrelas”) e é também o ano Darwin (200 anos do nascimento de Darwin e 150 anos de “A Origem das Espécies”). Mas é também o ano Gusmão, pois passam três séculos sobre a experiência efectuada em 8 de Agosto de 1709, diante da corte, em Lisboa, pelo padre luso-brasileiro Bartolomeu de Gusmão (1685-1724), um estudante de Cânones em Coimbra, na altura com apenas 24 anos. Tratou-se, nada mais nada menos, da primeira ascensão de um objecto mais pesado do que o ar, precedendo de dezenas de anos a primeira ascensão humana em balão, protagonizada pelos irmãos Montgolfier. O povo haveria, jocosamente, de designar por "Passarola" a máquina voadora do padre, cuja fama foi modernamente ampliada pelo romance “Memorial do Convento”, de José Saramago.

Gusmão escreveu um “Manifesto” sobre o seu invento. Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra guarda-se, além deste, uma cópia da petição que o padre, formado na Companhia de Jesus, dirigiu ao rei D. João V para lhe ser concedido o privilégio de só ele poder fabricar instrumentos para voar. A linguagem da petição é deliciosa valendo a pena saborear um bocado:
"Senhor, diz Bartolomeu Lourenço que ele tem descoberto um instrumento para se andar pelo ar, da mesma sorte que pela terra e pelo mar, e com muito mais brevidade, fazendo-se muitas vezes 200 e mais léguas de caminho por dia, no qual instrumento se poderão levar os avisos de mais importância aos exércitos e terras mui remotas quase no mesmo tempo em que se resolverem: o que interessa a Vossa Magestade muito mais que a nenhum dos outros Príncipes pela maior distância do seu domínio, evitando-se desta sorte os desgovernos das conquistas, que procedem em grande parte de chegar muito tarde a notícia deles a Vossa Magestade."
O despacho régio foi favorável ao pedido, que hoje designaríamos de registo de patente. O feito de Gusmão é um bom exemplo do engenho luso. Mas, como em tantos outros casos, este engenho não teve sucesso...

4 comentários:

cafe46 disse...

Caro Carlos Fiolhais

Faz amanhã um mês e meio estive no maior museu de ciência e tecnologia do mundo, como sabe, em Munique, o Deutsche Museum ( http://www.deutsches-museum.de/index.php?id=1&L=1 ).

Belas fotos tirei nesse fantástico museu cheio de laboratórios e maquinetas para cada visitante operar.

Está lá uma embarcação típica da ria de Aveiro (incluido a bandeira nacional). Está o Messerschmitt Me 262 , de 1944 (1.º voo em 42), a jacto ( http://www.deutsches-museum.de/en/collections/transport/aeronautics/jets/messerschmitt-me-262/ ) uma V2... e lá está, em fotografia e texto, uma homenagem a Bartolomeu de Gusmão. Porém, reparei que colocaram antes dele, outros a voar...
Afinal, em que ficamos?

Anónimo disse...

Caro Carlos,

Eu também vi essa justa homenagem no Deutches ao Bartolomeu de Gusmão. Mas, não me recordo de terem colocado outros a voar antes. Tomou nota?

Na verdade, não há indicação de que Bartolomeu de Gusmão tenha realmente realizado voos pilotados, ou com passageiros nos seus balões. O secretismo que envolveram as suas iniciativas dificulta um conhecimento mais preciso. Por isso se atribui aos irmãos Montgolfier o primeiro voo pilotado em 1783. Mas, tanto quanto eu saiba ele surge como um pioneiro na construção de balões.

PGM

joão boaventura disse...

Carlos

Disse bem: ... outros a voar, porque Bartolomeu de Gusmão limitou-se a demonstrar com um modelo reduzido que era possível o balão subir (ascendeu só até 4 m), mas nunca construiu o modelo real onde pudesse aerostatar... só no "Memorial do Convento" é que Saramago realizou o sonho do "padre voador".

A propósito, esta informação curiosa, realizada há 190 anos:

"Lisboa, 21.03.1819 - Havia 24 para 25 anos (desde 24 de Agosto de 1794) que esta Capital não gozava do magnífico espectáculo de uma Viagem aerostática, que é sem dúvida uma dos mais maravilhosos efeitos dos progressos das Ciências nos últimos tempos, quando no dia 14 do corrente Março se viu renovado este esplêndido divertimento de um modo o mais brilhante que se tem visto. Tendo há tempos Mr. Robertson, bem conhecido na Europa por seus conhecimentos práticos de Física experimental, chagado de França com seu filho, mancebo de cousa de 20 anos, a esta Capital, e tendo pedido e alcançado licença para fazer uma ascensão aerostática, aumentando com esta o número de muitas que tem feito em diversos países, designou executá-la a 28 de Fevereiro; mas não o permitindo o tempo chuvoso, ficou transferida para o dia Domingo 14 de Março, o qual amanheceu com todo o brilho que neste delicioso clima se goza em tempo estio, e particularmente na Primavera. Era o sítio destinado para esta operação a formosa Quinta da Excelentíssima Condessa de Anadia, a S. João dos Bem Casados, que S. Ex.ª generosamente se dignou prestar a Mr Robertson para este fim, e cuja situação elevada oferecia um excelente ponto para a partida do Aeronauta, desfrutando-se esta ao mesmo tempo de diversos lugares eminentes. Em uma área espaçosa desta Quinta se tinham destinado lugares de primeira e segunda ordem para um avultado número de subscritores que desejavam presenciar de perto a operação de encher a Máquina, para cujo fim estabeleceu no centro o hábil Físico um aparelho Pneumato-químico formado de 14 toneis, de 8 dos quais só precisou extrair o gás, começando a trabalhar das nove e meia para as dez horas da manhã. Pela volta da uma hora encheu o dito Professor um globozinho, que tinha as armas Reais, e o levou à Excelentíssima Condessa de Anadia para S. Ex.ª se dignar de o soltar, e elevando-se ao ar, tomou a direcção do Noroeste, o que deu a conhecer aos espectadores qual deveria ser o rumo que seguiria o Aeronauta, cujo Balão grande, de 21 pés de diâmetro, já então estava cheio e pronto a partir. Para entreter porém mais os espectadores até à partida do seu Balão, lançou Mr. Robertson mais alguns pequenos aeróstatos, tendo o último o feitio de um avultado peixe. Tocavam de vez em quando os Músicos da Guarda real da Polícia, que se achavam no recinto, lindas sonatas, que animavam mais o vivo interesse que se divisava naquela conspícua assembleia. (Gazeta de Lisboa n.º 69, 22.03.1819)."

E sobre o pára-quedas:

"Lisboa, 10.12.1819 - A experiência do Balão e Guarda-queda está destinada para Domingo 12 do corrente, estando o tempo bom: os Bilhetes dos Camarotes (de 6, 8, ou 10 pessoas), e os do anfiteatro vendem-se a 1440 reis, e os de simples entrada na Quinta a 480 reis. No dia da experiência das onze horas em diante haverá bilhetes à venda à porta da mesma quinta. (Gazeta de Lisboa n.º 292, 10.12.1819."

Em Lisboa, nos séculos XVIII e XIX, as ascensões realizavam-se normalmente na Praça da Alegria, na Praça de Santa Ana, ou num dos jardins do Palácio da Ajuda.

Anónimo disse...

Prof. Carlos Fiolhais

Facilmente a BGUC evocará o evento com uma palestra e uma pequena exposição.

Transcrevi o seu texto e pu-lo a circular na lista HistPort,

http://ml.ci.uc.pt/mailman/listinfo/histport

esperando que alguém dê o merecido destaque a Bartolomeu de Gusmão.

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