terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Avaliar a Educação - I

O Problema

Maria Regina Rocha opina sobre a avaliação do desempenho dos professores de que se fala, que se tenta implementar, que se altera... e de como ela constitui, no presente, um sério problema do e no sistema educativo.

Parece óbvio que está instalado o caos na Educação: a Ministra da Educação critica duramente e é duramente criticada, mantendo o discurso de que «não cede nos princípios do modelo de avaliação» desenhado no Decreto Regulamentar n.º 2/2008, como se recuar numa medida polémica atendendo ao que a esmagadora maioria dos profissionais da classe diz fosse um sinal de má governação (quando é precisamente sinal de que o governante tem em consideração o que o seu povo lhe diz, como deveria sempre acontecer) ou como se aquele decreto fosse a própria essência da avaliação e não apenas um conjunto de artigos que pode, naturalmente, ser substituído por outro (o normal nas leis é precisamente o serem substituídas por outras consideradas melhores, e os bons governantes são os que as vão melhorando, de modo a que, por elas, melhorem as condições de vida dos cidadãos); os sindicatos assinaram um memorando com o qual afinal não concordam plenamente e tardam em apresentar uma alternativa clara consensual; muitos professores não se sentem representados pelos sindicatos, tanto que criam movimentos independentes e lamentam que a tutela não os ouça, sentindo-se desconsiderados, insultados, desalentados; os alunos estão descontentes; os pais, apreensivos; os partidos políticos em oposição ao Governo tentam tirar dividendos da situação, uma situação da qual nenhum partido deveria tentar tirar dividendos, pois são todos co-responsáveis. Toda a gente fala e ninguém realmente se ouve nem se entende...

Mas, afinal, o que é que está realmente em causa? Porque é que o Ministério da Educação tenta instalar a todo o custo este modelo de avaliação dos professores?

Já todos sabemos porque é que os professores o contestam. Das diversas razões que invocam, salientam-se as seguintes: os professores não querem ser avaliados em função dos resultados dos seus alunos ou do abandono escolar destes, visto haver muitos factores que condicionam esse insucesso, nomeadamente os próprios alunos, com o seu interesse e trabalho; os professores titulares não querem ser avaliados pelos próprios colegas, essencialmente porque essa avaliação será sempre sentida como pouco credível, dadas as relações de convivência que se estabelecem entre profissionais que desempenham as mesmas funções durante anos na mesma escola e, também, porque muitos dos avaliadores têm habilitação inferior ou diferente da do avaliado, a mesma experiência e anos de serviço ou até menos; os professores não querem ser sujeitos a quotas de Excelente e de Muito Bom, pois o mérito absoluto de cada professor deveria ser considerado, independentemente de um número artificial criado pela tutela; os instrumentos de avaliação são diferentes de escola para escola, o que cria injustiças; o processo exige grande dispêndio de tempo de todos os intervenientes de uma classe já exausta por tantas tarefas que lhe são cometidas além das de ensinar.

São objecções razoáveis: porque é que a tutela não as considera?

A recusa em aceitar revogar o decreto da polémica faz com que se pense que o Ministério da Educação tem, com este modelo de avaliação do desempenho docente, três propósitos: (1) conseguir melhores resultados escolares, independentemente da qualidade das aprendizagens dos alunos; (2) avaliar os professores sem custos financeiros, pois os professores avaliadores continuam a leccionar o mesmo número de turmas, a ter todo o trabalho que tinham e ainda por cima o de avaliar os colegas (no período destinado à preparação de aulas e de materiais, elaboração e correcção de testes, reuniões de conselho de turma, de departamento e outras, etc., também fazem essa avaliação); (3) fazer sentir aos professores (e à opinião pública) que, se estes não progridem mais rapidamente na carreira, não é porque o Ministério da Educação não os queira remunerar melhor, mas porque não são professores muito bons, o que significa responsabilizar os professores pelos males da Educação, desresponsabilizando o próprio Ministério.

Este último é um aspecto muito importante, quiçá o mais determinante na tentativa de manutenção do referido decreto: parece saltar à vista que o Ministério da Educação tenta fazer aplicar este modelo de avaliação porque pretende gastar menos no pagamento de salários aos professores que progridam na carreira. Em vez de o admitir, apresenta um modelo de avaliação que retarda a progressão, e lança o labéu da falta de qualidade sobre os professores, como se estes fossem os responsáveis pela alegada falta de sucesso dos alunos, e isto porque não têm sido avaliados.

Mas os professores têm, sim, sido avaliados: o modelo era outro; havia, no entanto, quem não progredisse e quem saísse da profissão na sequência da instauração de processos pela Inspecção-Geral de Educação. Eram poucos casos, dir-se-á, mas, naturalmente, teriam mesmo de ser poucos, pois, para se desempenhar a função de professor, existe logo no início da carreira um estágio (no qual há reprovações), e todo o trabalho do professor é, nas escolas, acompanhado pelos respectivos coordenadores e órgãos de gestão, sendo os professores obrigados a cumprir os programas emanados do ministério, a cumprir todas as directrizes não só do Conselho Pedagógico como dos restantes órgãos, a apresentar aos alunos e pais os critérios de avaliação, a justificar notas, a responder a recursos dos encarregados de educação, a frequentar acções de formação contínua, etc., e a fazer periodicamente um relatório crítico da sua actividade, analisado pelos órgãos de gestão da sua escola: trata-se de uma profissão exposta, existindo diversos mecanismos de regulação directa e indirecta.

Assim, considero que foi um atentado a esta classe profissional e à Educação em geral ter-se feito passar para a opinião pública a ideia de que os professores não têm sido avaliados, que têm, em geral, desempenhado mal as suas funções e que são responsáveis pelo insucesso dos alunos. O motivo final deste modelo de avaliação – fazer com que o percurso dos professores até chegar ao topo da carreira seja mais longo, despendendo-se menos com salários – não justifica destruir-se a imagem de uma classe que a esmagadora maioria dos profissionais abraçou por vocação.

E, chegados aqui, pergunto: é avaliando assim os professores que se altera qualitativamente a Educação e o Ensino em Portugal, como se sugere nos normativos deste modelo de avaliação? É por este meio que os nossos alunos vão passar a ter melhores resultados nos programas e estudos internacionais? É assim que os alunos terão conhecimentos mais profundos, serão mais capazes, adquirirão mais competências? É questionando publicamente um pilar da sociedade, os professores, que se ganhará a Educação em Portugal?

Usando uma frase de Aquilino (do célebre Malhadinhas), «a prova não é boa de tirar». E fazer crer à opinião pública que os males do ensino decorrem da actuação dos professores e do facto de nunca terem sido avaliados segundo este modelo foi uma atitude que os professores dificilmente perdoarão à tutela, porque o Ministério da Educação sabe que isso não é verdade.

E isto por dois motivos: muitos dos factores que influenciam os resultados dos alunos não são controláveis pela escola (essencialmente aspectos pessoais e sócio-económicos) e, dos factores inerentes ao sistema educativo, os professores não são responsáveis por aqueles que são determinantes, ou seja, os currículos, os programas e o tipo de formação pedagógica e didáctica que lhes é proporcionada: não esqueçamos que os professores cumprem os programas e directrizes da tutela e dos órgãos de gestão (escrupulosamente, senão têm de o justificar).
Assim, com serenidade, não misturemos avaliação dos professores, progressão na carreira e política salarial do Governo com o que está mal na Educação e como resolvê-lo.

Existem problemas na Educação em Portugal? Existem, sim. E qual é, então, a solução? Há solução? Claro que há!

7 comentários:

Cisto disse...

Ora finalmente encontro-me esclarecido! Texto brilhante.

José Azevedo disse...

O que realmente não é respondido neste artigo é como os professores são capazes de responder aos frios números da nossa educação, altas taxas de abandono/insucesso e elevado valor percapita dispendido.
Ou dito de outra forma e como este blog é sobre ciência, é necessário distância analítica para procurar soluções para algo que é bastante mais vasto e importante do que os interesses de uma classe profissional.

John Fritz Von Gato disse...

Razão 1: «Os professores não querem ser avaliados em função dos resultados dos seus alunos ou do abandono escolar destes, visto haver muitos factores que condicionam esse insucesso, nomeadamente os próprios alunos, como o seu interesse e trabalho».
Ou seja, é razoável que um profissional de um ofício se escuse a ser avaliado pelo resultado do seu trabalho se o dito resultado for também influenciado por factores exteriores a ele. Ah!, é tão ternamente portuguesa esta ideia de diluição da responsabilidade... Que primeiro-ministro tuga não estaria de acordo com isto quando as coisas correm mal? Bom, em termos práticos, como o sucesso na execução de um trabalho nunca é determinado apenas por quem o executa, tal significará que avaliação profissional não deverá ser efectuada sobre nenhum trabalhador a menos que este se dedique a fazer coisa nenhuma. E, como nestes casos o produto é zero, presumo que a avaliação deva ser invariavelmente um «Excelente»!

Razão 2: «Os professores titulares não querem ser avaliados pelos próprios colegas, essencialmente porque essa avaliação será sempre sentida como pouco credível, dadas as relações de convivência que se estabelecem entre profissionais que desempenham as mesmas funções durante anos na mesma escola e, também, porque muitos dos avaliadores têm habilitação inferior ou diferente da do avaliado, a mesma experiência e anos de serviço ou até menos».
Ou seja, um profissional só poderá ser avaliado por alguém mais experiente, mais habilitado, com maior antiguidade, e, sobretudo, com quem não tenha «as relações de convivência que se estabelecem entre profissionais que desempenham as mesmas funções durante anos». Bom… Postas assim as coisas, creio que só um chefe-à-moda-antiga se encaixa – de preferência um daqueles bem autoritários e mal-encarados, não vá dar-se isso das «relações de convivência». Não tem problema, toca de arranjar uns chefes assim para as escolas! Bora lá, bué da «jobs for the boys»!

Razão 3: «Os professores não querem ser sujeitos a quotas de Excelente e de Muito Bom, pois o mérito absoluto de cada professor deveria ser considerado, independentemente de um número artificial criado pela tutela».
Portanto, segundo os professores, aquela coisa da distribuição normal é artificial e não se lhes aplica. Faz sentido. Tendo em conta a maturidade que revelam, seja em manifestações no Terreiro do Paço, seja em debates «Prós e Contras», será pouco avisado estabelecer uma quota para as classificações Excelente e de Muito Bom. Pelo contrário, estas deverão ser pura e simplesmente retiradas da escala, ficando apenas três – Insuficiente, Mau e Mau-como-o-caraças – reservando-se a cota mais elevada para esta última.

Razão 4: «Os instrumentos de avaliação são diferentes de escola para escola, o que cria injustiças».
Óbvio! As escolas são todas iguais, sendo indesejável qualquer forma de autonomia! Quem deve mandar em tudo é, e só, o ministério e a horrível ministra que pretendem demitida. Aliás, se as escolas começam a tomar decisões sobre a sua gestão – em particular a gestão do pessoal docente – qualquer dia ainda vamos ter professores a protestar contra os gestores da escola em vez e gritarem contra a 5 de Outubro.

Razão 5: «O processo exige grande dispêndio de tempo de todos os intervenientes de uma classe já exausta por tantas tarefas que lhe são cometidas além das de ensinar».
Vamos lá aliviar os professores desse fardo enorme que é o de avaliar. Gente que precisa de tanto tempo para ensinar tão bem os seus alunos, para se deslocar a manifestações, fazer greves contra o «modelo», insultar ministros, e armar-se em putos não tem disponibilidade que chegue para coisas menores como avaliações.
Bom, talvez o Dr. Jardim possa tratar de avaliar os senhores professores. Pelo menos experiência em insultos não lhe falta!

Ana Fernandes disse...

Muito falam os que não sabem o que se passa. nós cá vamos educando os seus com carinho e rigor. Talvez os seus descendentes valorizem aquilo que o gato não consegue.

TeaspOOn disse...

Sr. Gato

Na verdade, tem uma abordagem extremada e sectarista sobre este problema, sabe. Passo a explicar:
Os professores foram submetidos a uma divisão injusta e falaciosa em nome dum mérito que se não verifica em centenas de casos! Os resultados que advêm do meu trabalho na sala de aula ultrapassam este espaço físico, humano, social e conjuntural. Não é mesurável nem tenho plenos poderes sobre ele! Se me fossem pedidos objectivos e resultados que dependessem maioritariamente do meu desempenho, concordaria em parte com esta avaliação. Por exemplo, construir uma peça, ou parte dela, de vestuário ou de calçado, depende maioritariamente de mim, em condições logísticas ideais. Mas um aluno é um ser vivo, operante e activo (ou não!) no seu próprio processo de aprendizagem! Se lhe fugisse a sola do sapato, o trabalhador não executaria na totalidade e com sucesso o seu metier... Mereceria punição? Depois, fala ainda de sermos avaliados pelos nossos pares... tendo o concurso a professor titular sido uma verdadeira ignomínia, como pode achar-se que é normal haver pares menos qualificados a avaliar os mais qualificados e habilitados do que eles? Ainda as quotas... será justo que quem executa trabalho igualmente meritório tenha tratamento diferenciado só porque está na escola x e não na y? E que tal se houver 10 Excelentes e 5 quotas na mesma escola? Que tal se um seu par, em absoluta igualdade de circunstâncias, for promovido e você ficar exactamente na estaca de onde partira para o seu esforço, sabendo que tinha obtido excelentes resultados? Vá lá... faça um esforço de honestidade intelectual e calce estas botas! Talvez sinta uma pedra no sapato, não? É que no que toca a injustiça, só não se sente quem não é filho de boa gente, dito em bom Português! Mas há mais... a carga burocrática que este Modelo impõe aos professores, Avaliados e Avaliadores. É incomportável! Nós somos professores! Acima de tudo isto, temos obrigação de dar aulas e bem! Isso implica um enorme trabalho de bastidores, que é, muitas vezes, muito exigente e moroso! Como vamos conseguir ser professores, agentes e objectos da nossa própria avaliação e funcionários do Estado em todo o trabalho de bastidores que subjaz ao serviço que temos na Escola? Escravos asfixiados? Sem vida para além da profissional? Não, obrigada! O Governo quer poupar dinheiro à custa dos docentes, faz o que não acontece em mais local algum de trabalho, que é aplicar um Modelo de Avaliação sem quaisquer custos acrescidos, muito pelo contrário! Eu sei que tenho de e quero ser avaliada, mas não quero estar preocupada com a orgânica e a execussão burocrática dessa avaliação. É do meu trabalho que quero ocupar-me! Dos meus Alunos! Agora, seja mais correcto e respeitador, ou vai fazer como a Sra Ministra, que enfiou todos os docentes no mesmo saco e, usando a mesmíssima bitola, disse e redisse de forma generalizada que todos os professores eram faltosos, profissionais desleixados, professorzecos que não queriam era ser avaliados? Haja mais bom senso e mais respeito por quem ajuda a formar os cidadãos deste País!

TeaspOOn disse...

Sr José Azevedo
O receituário que pede aos professores, deve pedi-lo também em partes iguais pela sociedade em geral e pais em particular, pelo poder político, e pela Escola como organização dotada de um projecto comum de actuação. Se se pretende que os professores viciem os dados e apresentem um rácio de sucesso que não enforma a realidade das competências adquiridas pelos alunos nas escolas, então que sejam claros, que o assumam, declarem, legislem! Se se pretende que os professores afiram a verdade, então não venham a seguir apontar-nos o dedo como se fossemos personas non gratas, incapazes de gerar sucesso a qualquer custo, contra tudo e contra todos! O processo de ensino-aprendizagem tem dois polos vitais! Queiramos ou não, o docente nada conseguirá se o aluno não optar por ser operante e construtor do seu próprio acto de formação! Dê as ferramentas todas a um operário e demontre-lhe passo a passo como construir uma casa... faça-o recorrendo até a tudo quanto possa ser estimulante e motivador. Se ele não quiser usar as ferramentas para pôr mãos à obra, esta não há-de nascer nunca! Os demais operários, mais ou menos operantes, poderão até erigir uma cidade... mas aquele, o que me deu mais trabalho, o que foi para mim um desafio mais exigente, não chegou sequer a lançar a sua primeira pedra! Mas também lhe digo, honestamente, no dia em que ele lançar a sua pedra, sorrir-lhe-ei feliz, recompensada e rejubilará de forma muito especial a minha Alma! Mas disto só sabe quem por lá anda, muito porque abraçou com a profissão o sentido de uma nobre causa, de afectos revestida!!!

Bobe disse...

quanto a mim todas as carreiras devem ser piramidais, para os melhores poderem ser beneficiados.
A subida na carreira deve ser por mérito profissional e não por tempo acumulado nessa função.
Uma estrutura piramidal leva, obviamente, a reduções na despesa, uma vez que deixam de ser todos a atingir o topo. Reduções ou então restruturação na entrega desses dinheiros.
Li, aliás, que vão haver aumentos para um determinado tipo de professores e um maior número de vagas no próximo ano. O que revela que provavelmente essa redução pode estar a ser aproveitada para canalizar esse dinheiro na melhoria do sistema educacional.
A única questão que quanto a mim tem legitimidade para ser levantada será a validade dos critérios de avaliação e a forma como esta se processa.

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