terça-feira, 14 de outubro de 2008

Magalhães e Obesidade


Sobre a distribuição massiva de computadores às crianças, novo post de Rui Baptista (ele foi o autor do post publicado aqui no ano passado sobre a distribuição de computadores nas escolas, que mereceu 36 comentários e 4 links):

"É preferível que as crianças joguem mal a verem jogar bem" (Bertrand Russel)

Numa altura em que o tempo passado em frente do computador já superioriza para muitos jovens as largas horas diárias frente aos ecrãs de televisão, o post “Livros e Magalhães”, aqui publicado, da autoria de J. Norberto Pires, mereceu este oportuno comentário de Fernando Martins: [O Magalhães] “vai ser levado para casa, para sedentarizar e embrutecer a esmagadora maioria dos nossos alunos. E gordos e burros já temos que chegue na nossa sociedade”.

O assunto merece atenção. E esse merecimento não é de agora... Em 1960, o futuro presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy (1961-1963), escreveu na revista Sports Illustrated, com o título “The Soft American” (“O Americano Mole”), um artigo que ganhou um prémio da American National Recreation Association. Dele transcrevo este excerto: “O facto desagradável do problema é que também se regista um grande e crescente aumento de jovens americanos que estão a descuidar do seu corpo – cuja aptidão física não é aquela que devia ser – e que se estão a tornar moles. E este amolecimento dos cidadãos pode ajudar a enfraquecer e a destruir a vitalidade da nação”.

O que está hoje em debate entre nós é a distribuição entre nós de computadores a alunos do primeiro ciclo do ensino básico que fazem perigar a saúde física dessas crianças por ser actualmente atribuído ao sedentarismo uma larga quota de responsabilidade no desencadear do que a Organização Mundial de Saúde considera como “a epidemia do século XXI” – a obesidade.

É bem verdade que o computador ajuda não só os cientistas e técnicos como os cidadãos comuns, que passam muito tempo sozinhos frente ao ecrã. Mas será bom fomentar a “solidão informática” em crianças de tenra idade cortando-lhes o cordão umbilical de uma sociabilização tão necessária ao seu desenvolvimento individual?

Na Europa, segundo Carla Pedrosa e Isabel Albuquerque, nutricionistas do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Nutrição do Hospital Infante Dom Pedro, em Aveiro, ocupamos o terceiro lugar no ranking das crianças entre os sete e os nove anos de idade com maior prevalência de obesidade. Essas idades correspondem a um período essencial para o crescimento das crianças através de brincadeiras, permitindo que as nossas crianças, quando chegarem à idade adulta, venham a fazer eco da amargura de John Locke (1632-1704): “Eu nunca fui criança porque nunca brinquei”.

As questões associadas à obesidade vão muito para além de aspectos meramente estéticos já que têm implicações psicológicas numa idade em que os companheiros de escola são de uma crueldade tremenda para todos quantos saiam da norma (os versos de Ribeiro Couto (1898-1963) glosam o tema: “Que gorda esta menina, que feia! /Que gorda esta menina, que feia!/ E ela chora de infelicidade!...”).

Mas há pior. Segundo dados apresntados no VIII Congresso Mundial de Adolescência, realizado em 2005, mais de 90 por cento dos jovens obesos portugueses têm factores de risco cardiovascular associados. Pelo menos 44 por cento apresentam associadas a esta patologia tensão arterial elevada e níveis de colesterol acima do normal sendo candidatos a um enfarto do miocárdio na meia-idade.

Porque, na poesia pessoana, “o melhor do mundo são as crianças”, entendo que não se trata de uma questão de somenos importância. Trata-se de um grave assunto de saúde pública!

9 comentários:

João disse...

http://technology.newscientist.com/channel/tech/mg19926746.400-online-gamers-are-fit--physically-if-not-mentally.html

É prematuro acusar os computadores de obesidade infantil. Acerca dos aspectos psicologicos a historia parece ser diferente. De qualquer modo fazem falta mais estudos.

Rui Baptista disse...

Caro João: Grato pelo seu comentário. Todavia, entendo, e julgo ter deixado isso bem claro, que não são os computadores responsáveis pela obesidade, mas sim as horas que as crianças passam (ou melhor, vão passar agora mais) enclausuradas entre as 4 paredes da escola e do lar sentadas numa cadeira em que o único movimento é o dos dedos a dedilhar o computador (e porque toda a moeda tem duas faces, com reais benefícios para o desenvolvimento da motricidade fina) . E este facto em muito se agrava se tomarmos em linha de conta as posições viciosas que podem ser adquiridas na posição de sentado, promotoras de desvios da coluna (cifoses principalmente). Sem querer ser profeta da desgraça, não posso deixar de chamar a atenção para as dolorosas e recidivantes tendinites provocadas nos punhos, nas mãos e nos dedos.

Até nós os adultos, viciados na Net, quantas vezes nos não levantamos da cadeira onde estivemos sentados horas com dores nas costas, as chamadas lombalgias, que "à la longue" podem degenerar em patologias discais?

Por outro lado, julgo (e digo julgo por não me ter debruçado sobre estudos a este respeito que dizem respeito à oftalmologia) que é consensual o mal que a utilização prolongada dos computadores causa à saúde dos olhos. Do que disse, reconheço, muita coisa ficou por dizer num post limitado a condições de número de caracteres não exagerados

Por isso, todas as colaborações, aliás como a sua, serão benvindas e sobre as dúvidas suscitadas tentarei responder se para tal me não faltar “engenho e arte”. De uma coisa poderão estar certos: não me porei a advinhar coisas que escapem ao meu conhecimento académico. E se, como o povo diz, da discussão nasce a luz (por vezes, nasce um olho negro!), venham archotes iluminar a refutabilidade do conhecimento científico.

P.S.: A propósito do olho negro, não me contenho de contar a picaresca história do indivíduo que leva um murro no olho de um outro mais forte fisicamente e que, por isso, tem o bom senso de não responder com os punhos , limitando-se a dizer: “Isto não fica assim!” Resposta rápida do agressor: “Pois não, amanhã incha!”

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Apesar de não haver nenhum estudo que estabeleça uma associação forte entre o uso do computador, neste caso do Magalhães, e a obesidade infantil, partilho uma certa preocupação pelo que é dito neste post. Talvez fosse possível recorrer a outros estudos para problematizar melhor a obesidade infantil.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Exacto, não tinha lido este seu comentário. Bons argumentos! Entendimento total! :)

João disse...

Caro Rui Batista

Eu também me preocupo com a obesidade infantil, muito. Estudos sobre os efeitos nefastos não faltam. Que a diminuição dos gastos caloricos por causa da subtituição de actividades mais exigentes por outras mais sedentarias dá origem a obesidade não duvido (mantendo-se todos os outros factores). O que eu penso é que em vez de tirar o computador aos miudos, devemos começar ja a propor medidas preventivas para que o computador não se torne de facto numa causa de obesidade. Creio que deve ser esse o foco da comunidade médica.
Em sua opinião acha que se se promover uma educação alimentar e fisica (desporto) e de habitos (usar escadas em vez de elevadores, etc), não estamos a compensar o efeito de mais umas horas no computador?

Um aparte: ha estudos que mostram que os miudos que são mais ocupados com actividades formais secundarias são também os que têm melhores notas na escola. Quando todos os outros factores se mantem. Eu penso que nos casos em que o computador não se tornar num vicio obsesivo só pode enriquecer o panorama do aluno. Quanto a vicios a minha opinião sobre eles é... má!

O link que deixei tinha de facto apenas como objectivo mostrar que as coisas podem não ser tão lineares como às vezes parecem, não se destinava a refutar directamente o seu Post.

A anedota do olho tem piada e a mensagem foi recebida.

Obrigado pela atenção

joao

Má ideia! disse...

hu, ainda o que me intriga mais no "sim-ou-não-ao-magalhães", é porque é que o dito não permite a inclusão dos livros escolares, dicionário, material de apoio. É que o custo de reprodução destes materiais é muito inferior.

Organizar-se entre o digital (que permite uma procura mais rápida, bem como uma maior dispersão)e o "biológico" é tarefa nova. Estou a perder dotes de ortografia com os correctores automáticos, mas estou a ter aceeso a informação que antes tinha apenas contada (por outros), posso verificar, e noto que necessito de desenvolver uma capacidade de cruzamento de informação, designar autoridades, para combater a credulidade.

O medo que aqui demonstram do isolamento físico dos putos não é do pczinho mal aproveitado, é do crescente medo da rua (e desinvestimento na coisa publica, casas da juventude, associações culturais). Antes, quem era puto, mas podia, já abusava do telefone e da tv.

Rui Baptista disse...

Caro João: Também eu entendo que o mundo não pode ser visto apenas a preto e branco. Há zonas cinzentas, mas eu penso, também e muito sinceramente, que a "dádiva" dos computadores a crianças do 1.º ciclo do ensino básica (antiga instrução primária) penderá bastante para um cinzento bem carregado.

Sabendo nós que há um período do dia,regressada a criança da escola, que os pais enfronhados em tarefas domésticas, como seja a preparação do jantar, dificilmente controlam, não haverá uma corrida de escassos metros para o Magalhães, embora sem efeitos cardiovasculares sensíveis? E o que dizer da novidade de um brinquedo novo com os aliciantes jogos de computador.

Mesmo no caso de adultos há estudos que dizem que as horas passadas ao computador já excedem em muito as passadas a ver televisão, televisão que já é culpada por muitas curvas de felicidade (as chamadas barriguinhas) que se cruzam connosco na rua para entrarem no automóvel para atravessarem a rua ou numa deslocação de eescassas passadas.

Não, não são unicamente os computadores responsáveis pela obesidade. Mas lá que ajudam, ajudam e muito. De resto, estou de acordo consigo quando fala no exercício físico e numa alimentação equilibrada no combate à obesidade de que eu me tenho feito um fiel e entusiasta divulgador como, por exemplo, no meu post mais recente: "A actividade física e os sistema vascular", publicado neste blogue no passado dia 2 de Outubro.

Rui Baptista disse...

Prezada "rosa que fuma": Pior, muito pior que o uso do computador para a saúde das crianças e dos adultos, é o fumo. Pode ser comparada a avidez das hemácias na captação do oxigénio ou do fumo do cigarro à criança quando lhe põem à frente um prato de sopa ou uma mousse de chocolate. A sopa é o oxigénio, a mousse o fumo do cigarro. Mesmo sem me pôr a advinhar, o seu caso é o de uma apreciadora inveterada e compulsiva da mousse. Verdade?

Falemos agora do corrector de texto. Numa perspectiva hedonística de ensino tem vantagem evidente sobre os maçadores ditados do meu tempo de escola primária. Mas como é hábito dizer-se, o que arde cura. Fazendo a transferência para a aprendizagem quando feita com esforço perdura, o que se aprende facilmente entra por um ouvido e sai por outro.

A vida foi-me pródiga nesse aspecto. Por minha Mãe ser uma pessoa muito culta em literatura, língua materna e línguas estrangeiras, prestes a sair de casa para o liceu perguntava-lhe o significado de determinadas palavras mais arrevezadas. Retorquia-me ela: "Vai ver ao dicionário", respondendo-lhe eu não ter tempo. Respondia-me, escreve num papel e quando chegares a casa vai ver ao dicionário.

Hoje agradeço-lhe esta acção pedagógica que fez com que domine razoavelmente o significado das palavras e não me faça useiro e vezeiro de erros ortográficos.

Vejamos agora o caso das pessoas (infantes ou adultas) habituadas ao corrector de escrita dos computadores. Se, porventura, forem obrigadas a manuscrever documentos ou outros papéis, os erros ortográficos e de concordância gramatical dificilmente serão classificados de gralhas fortuitas. Serão gralhas por uso e costume.

Dando de barato o exagero propositado do exemplo, também eu defendo as grandes vantagens trazidas por esta recente tecnologia se usada com conta peso e medida. Certas medicamentos se tomados em doses correctas têm efeitos terapêuticos, em excesso matam (aliás as bulas que os acompanham servem para prevenir essas situações perigosas). De igual modo, os computadores, se utilizados com conta peso e medida, podem ser (e são-no em muitas situações) uma arma poderosa
ao serviço da aprendizagem abrindo fronteiras de conhecimento ao alcance do teclado do computador não sonhadas sequer décadas atrás.

Mas a intenção do meu post foi chamar a atenção para os efeitos nefastos do seu uso em crianças responsável pelo aparecimento ou agravamento da obesidade.

Agradeço todos os comentários feitos que muito valorizaram o meu post.

platero disse...

sobre a crise - por falar em Magalhães:

governo injecta milhões
para arranjar liquidez
como fez c´o Magalhães:
- um a cada português

mesmo assim não sei se dá
pra chegar ao fim do mês

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