sexta-feira, 4 de julho de 2008

O BATALHÃO ACADÉMICO DE 1808


Minha crónica no "Público" de hoje (a imagem de cima reproduz uma tapeçaria de Portalegre de 1961, no Tribunal da Figueira da Foz, que ilustra o Batalhão Académico de 1808, com o sargento Zagalo fardado no centro, os estudantes à sua volta e os populares dos dois lados; a Torre da Universidade, o castelo de Montemor e o Forte de Santa Catarina na Figueira da Foz, este com a bandeira francesa, são visíveis em segundo plano):

Fez a 27 de Junho 200 anos que o Batalhão Académico, formado por estudantes da Universidade de Coimbra, tomou aos invasores franceses o Forte de Santa Catarina, na Figueira da Foz. Em 1 de Agosto próximo fará 200 anos que o general inglês Arthur Wellesley, mais tarde Duque de Wellington, começava a desembarcar com as suas tropas na Praia do Cabedelo, na Figueira da Foz, prenunciando o fim da Primeira Invasão francesa comandada pelo general Andoche Junot. Os dois eventos, tão próximos no espaço e no tempo, estão decerto ligados. A Universidade e a sociedade estavam, ontem como hoje, fortemente ligadas uma à outra.

A expedição estudantil começou no dia 25 de Junho, às ordens do sargento de Artilharia e estudante de Matemática Bernardo António Zagalo. Eram só escassas dezenas os alunos que se tinham alistado, de capa e batina, mas o grupo foi sendo engrossado quando atravessou os campos do Mondego por numerosos paisanos, camponeses de foice e gadanha nas mãos, que, chamados pelos sinos da Torre e das igrejas, queriam ajudar na revolta. O batalhão ficou com mais futricas que doutores. Foi talvez por isso que o ocupante não ofereceu grande resistência, tendo rapidamente a bandeira lusa substituído a francesa no forte figueirense. Pela proeza, o sargento Zagalo foi passados poucos meses promovido a capitão.

O chefe do forte ocupado pelas tropas de Napoleão era um tenente português, um dos nacionais simpatizantes e colaboradores com o inimigo. Havia para esse acto exemplos mais altos, o maior dos quais poderá ter sido a “dupla traição” (à pátria e ao marido) cometida pela Condessa de Ega, que foi amante de Junot durante a Invasão...

O Batalhão não foi o único contributo da Universidade para o esforço de guerra. O Laboratorio Chimico, que tinha sido estabelecido pelo Marquês de Pombal em 1772 quando reformou a Universidade, foi usado a partir de Junho de 1808 para fabricar pólvora. Ainda hoje se pode ver nesse espaço – que alberga o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, recentemente distinguido com o Prémio Europeu de Museu de Ciência do Ano - a pia da pólvora. Dirigiu as operações o lente de Química Tomé Rodrigues Sobral, o “mestre da pólvora”, que haveria de ser alvo de vingança durante a Terceira Invasão, quando os franceses lhe queimaram a casa com todos os seus haveres.

A Real Imprensa da Universidade também ajudou ao imprimir em 11 de Agosto do mesmo ano uma Exortação do General Comandante do Exército Português aos seus soldados: A Providência vos destina hoje a dar a esses Francezes a mais energica lição; e á vossa Patria a alegria do triunfo. Lembrai-vos, que sois Portugueses, que sois filhos de Heroes: séjamos Heroes como elles. Vamos, Soldados, pôr o último remate a esta luta horrível. Vencer, ou morrer, he a nossa obrigação (a grafia é da época, não respeitando por isso os acordos ortográficos posteriores).

A Convenção de Sintra entre a Inglaterra e a França pôs termo à Primeira Invasão em 30 de Agosto, depois das batalhas da Roliça (17 de Agosto) e do Vimeiro (21 de Agosto). E, a 29 de Setembro, para agradecimento pela feliz restauração destes Reinos, como em especial na conservação e segurança da Universidade, e cidade de Coimbra, realizou-se uma cerimónia na Sala dos Capelos, oficiada pelo lente de Prima de Teologia Frei Joaquim de Santa Clara. O Paço da Universidade alumiou-se nessa noite e, conforme informava o jornal Minerva Lusitana, ali se recitarão muitas composições poéticas d’antemão preparadas, e muitos sonetos e motes, que se lhes davão, aluzivos a tão lisonjeiras circunstancias.

Houve depois outros Batalhões Académicos, nomeadamente os que lutaram pelos liberais durante a Guerra Civil. Mas o Batalhão de 1808, por estes dias comemorado em Coimbra, Montemor e Figueira, teve o mérito de ser o primeiro. Hoje já não há batalhões académicos, mas ainda há a Filarmónica União Verridense, uma das mais antigas do país, que, criada em Junho de 1808, se estreou na praia com a recepção às tropas inglesas.

3 comentários:

Carlos Fiolhais disse...

Leitor atento indicou-me amavelmente que a Banda Filarmónica da Oliveira, Barcelos seria a mais antiga banda nacional em actividade:

"A Banda Musical de Oliveira foi fundada em 1782 por António Gomes Ferraz, por ocasião dos festejos organizados para celebrar a conclusão das obras da reconstrução da Igreja Paroquial de Oliveira. Nesse tempo, era pároco da freguesia o padre João Machado da Silva Ribeiro, que promoveu a apresentação da Banda de Música. Após a sua fundação, a Banda Musical de Oliveira esteve sempre em actividade, embora só a 15 de Novembro de 1965 tenham sido elaborado os seus estatutos, que a definem como uma a associação cultural, musical, artística e recriativa, inscrita nas Federações de Música e nos organismos oficiais da cultura."

Eu agradeço a informação, mas tinha confiado no sítio da Filarmónica União Verridense:

"Fundada a 13 de Junho do ano de 1808, é muito provavelmente a Filarmónica mais antiga de Portugal, que sempre se manteve em funcionamento, sem interrupções de actividade."

Mas entretanto ao procurar qual a banda mais antiga encontrei esta informação no sítio da Filarmónica de Figueiredo, Arouca:

"A Banda Musical de Figueiredo é banda mais antiga do país tendo sido fundada em 1741 e conta hoje com 267 anos de existência. No lugar de Figueiredo existe uma capela onde se realizava e realiza uma festa dedicada ao Senhor da Boa Morte. Foi então que em 1741 o então padre da freguesia, Padre Mendes de Sousa , que era natural do lugar de Figueiredo, mais propriamente da “casa da fonte”, decidiu juntar um grupo de homens com habilidade para tocar alguns instrumentos, para abrilhantar a festa da terra. A este grupo de homens foi dado o nome de “Capela da Música”, que mais tarde deu origem a Banda Musical de Figueiredo. Esta banda de música chamou para si muitos músicos durante vários anos de toda a região de Arouca, e esteve em actividade constante abrilhantando festividades em todo o concelho de Arouca e concelhos vizinhos."

Esta e a União Verridense e ainda a Filarmónica de Ribatua (fundada em 1799) reuniram-se em Coimbra em Junho passado num Encontro de bandas bicentenárias.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

A arte em bela tapeçaria a história.

Cláudia da Silva Tomazi disse...


Volto a leitura e percebo, conjectura: do Brasil província data(s) e acontecimento(s) (in)explicável(esi). Posto que corresponde.


Desde já agradeço da notável exposição histórica e que reascende do princípio a causa, posto que justifica a inabalável perseverança em suscitar-lhe as de vossa terra.




O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...