Entre os autores portugueses de livros de ciência mais produtivos avulta o nome da professora de Química da Universidade de Lisboa Raquel Gonçalves-Maia. Além de manuais de ciência pura e dura (“Cinética Química”, na Escolar Editora, 1986, com Lídia Albuquerque), ela é autora de livros de divulgação da ciência (“Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo”, 1998, e “Histórias com Sentidos”, 2002, na Terramar), de filosofia da ciência (“Ciência, pós-Ciência e mega-Ciência”, 1991, também na Terramar), e de história da ciência (“O Legado de Prometeu”, 2006, e “Laboratórios de Química em Portugal”, 1998, com Ana Luísa Janeira e Maria Estela Guedes, os dois na Escolar Editora). Como se tudo isso fosse pouco é também autora de alguns romances (“Elementos Alquímicos”, 1995; “Para além da Impressão”, 1996, os dois na Colibri; e “Contos de Azul e Terra”, com Risoleta Pinto Pedro, na Hugin). Pois acaba de sair na Escolar Editora (a editora ligada à grande livraria do mesmo nome, de forte cariz científico, situada nos Jardins do Campo Grande, em Lisboa) mais um volume da mesma autora que pode ser classificado na história das ciências, embora também o possa ser na divulgação científica.
O título “O Legado de Nobel” é parecido com o anterior “O Legado de Prometeu”, mas o subtítulo é agora “Perfis da Ciência do Século XX (1900-1959)” em vez de “Uma Viagem na História das Ciências”. O subtítulo é mais esclarecedor do que o título. O foco é agora a primeira metade do século XX (um pouco mais de metade, desde a atribuição do primeiro Nobel até à polémica das "duas culturas") e a metodologia é a apresentação biográfica de alguns nomes da história da ciência escolhidos usando um critério pessoal. Só alguns deles receberam o Prémio Nobel: de facto, dos 18 nomes que motivaram os 18 capítulos, só sete beneficiaram dos favores da glória outorgada pela Academia Sueca (os médicos Karl Landsteiner, descobridor dos grupos sanguíneos, e Thomas Morgan, descobridor dos genes, os químicos Linus Pauling, teórico da ligação química, Dorothy Hodgkin, descobridora das estruturas do colesterol, penicilina e vitamina B12, e Willard Libby, inventor da datação por carbono14, e os físicos John Bardeen, inventor do transístor e teórico da supercondutividade, e Charles Townes, inventor do maser); os outros bem poderiam ter tido o Nobel, mas por uma a razão ou por outra (por exemplo, por a respectiva área não ter direito a prémio) não o tiveram (os químicos Leo Baekeland, inventor do plástico, e Wallace Carothers, inventor do nylon, o geólogo Alfred Wegener, descobridor da deriva dos continentes, o antropólogo Raymond Dart, descobridor do “Australopithecus”, o astrofísico Georges Lemaître, teórico do “Big Bang”, a física Lise Meitner, teórica da cisão nuclear, e o físico Frank Oppenheimer, “pai” das primeiras bombas atómicas, o engenheiro Konrad Zuse, pioneiro da computação, a química Rosalind Franklin, pioneira da estrutura do DNA, o médico Jonas Salk, descobridor da vacina da poliomelite, e o físico e escritor Charles Snow, autor da tese das “duas culturas”).
Embora dispostas por ordem cronológica, o leitor pode ler, com proveito, estas histórias de vida, que são ao mesmo tempo histórias de ciência, na ordem que quiser. O estilo da autora é simples e bastante inteligível, como deve ser a boa prosa de divulgação. Só talvez pecará por algum excesso no estilo enciclopédico, que é de certa forma acentuado pelo grafismo do livro, que é na minha opinião demasiado formal, com “bolds” e itálicos que fazem lembrar um manual. Para dar ao leitor um sabor da escrita apelativa de Raquel Gonçalves-Maia (que assinou, na maioria dos livros anteriores, só Raquel Gonçalves) deixei no "post" anterior dois pedaços da sua prosa extraídos do capítulo dedicado a Linus Pauling, o primeiro apresentando sumariamente o personagem e o segundo discutindo o erro que é indissociável à sua biografia relativa aos eventuais benefícios da vitamina C em excesso. Pauling foi o único laureado Nobel que recebeu o prémio sozinho em duas áreas diferentes, a Química e a Paz. A famosíssima Madame Curie recebeu o prémio na Física e na Química, mas nas duas vezes fê-lo acompanhada. E o mesmo aconteceu com John Bardeen, que recebeu dois prémios Nobel da Física acompanhado. E ainda o mesmo ocorreu com Frederick Sanger, que recebeu dois prémios Nobel da Química, o primeiro sozinho e o segundo acompanhado (é o único prémio Nobel vivo que obteve a dupla distinção!).
Estou certo que o leitor interessado pela ciência descobrirá nas histórias da história da ciência contadas por Raquel Gonçalves-Maia muitos aspectos interessantes que desconhecia, pelo que dará por bem empregue o tempo de leitura.
- Raquel Gonçalves-Maia, “O Legado de Nobel. Perfis da Ciência do Século XX (1900-1959)”, Escolar Editora, Lisboa, 2008, prefácio de Hernâni Maia.
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3 comentários:
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Tanto Raquel Gonçalves-Maia como Hernâni Maia, já foram oradores convidados do Café Scientifique Braga.
www.csbraga.blogspot.com
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