quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

GRANDES IDEIAS IMPOSSÍVEIS DE PROVAR

A expressão “terceira cultura” tem sido muito publicitada pelo empresário cultural e literário norte-americano John Brockman. De facto, a expressão remonta a Lord Snow, o homem de “As duas culturas”, que numa edição posterior do livro com esse título, preconizou o desenvolvimento de uma terceira cultura, que conseguisse precisamente cruzar as culturas literárias e científicas. Mas John Brockman pegou na ideia em 1991. Foi ele quem disse que "Os intelectuais tradicionais norte-americanos são, num certo sentido, cada vez mais reaccionários, e muito frequentemente orgulhosamente (e perversamente) ignorantes de muitas das realizações intelectuais verdadeiramente significativas dos nossos dias”. De então para cá, através da edição de vários livros e de um sítio na Web (“Edge”, activo há mais de dez anos), tem procurado que a voz de vários cientistas contemporâneos – porta-vozes da tal “terceira cultura” - se espalhe, contribuindo para o debate público. Embora perceba e ache louvável a sua intenção – tirar o pensamento científico do “guetto” em que possa estar - tenho alguma dificuldade em concordar com a filosofia desse projecto de uma "terceira via" reservada quase só a cientistas. Estou em crer que cultura há só uma e que, quanto mais diversificada e cruzada ela for, incluindo naturalmente as contribuições da ciência, mais rica e fértil será. Mas é sempre bom ler o resultado dos esforços de Brockman de congregar pensadores de várias disciplinas em volta de temas actuais e de questões desafiadoras.

Com a autoria ou a coordenação de John Brokman foram publicados nos Estados Unidos livros comoBy the Late John Brockman”, Doing Science: The Reality Club”, “Digerati: Encounters with the Cyber Elite”, “The New Humanists: Science at the Edge”, Intelligent Thought: Science Versus the Intelligent Design Movement” e What is your Dangerous Idea?” (este último saído no ano passado). Já tínhamos traduzidos em português europeu “A Terceira Cultura” (um livro seminal do movimento com o mesmo nome, publicado pela Temas e Debates), “Espíritos Curiosos” (na Gradiva, sobre a iniciação na ciência feita por grandes cientistas) e “Os Próximos 50 Anos” (na Esfera do Caos, antecipações do futuro cientificamente fundamentadas), embora haja outros em português do Brasil. Saiu agora em português, numa cuidada edição da Tinta da China, um outro livro coordenado por John Brockman dando mais uma vez voz a cientistas de várias áreas, que aparecem como os “novos intelectuais” portadores das “novas ideias” (receio que haja alguma arrogância aqui, correndo o risco de se manter a ciência no “guetto”). O livro é muito curioso: Brockman pôs cientistas, que andam em geral à procura de provas, a assumir e a falar das suas crenças, precisamente aquilo que aceitam sem provas. A questão concreta, lançada em 2005 pela “Edge” foi:

Por vezes, grandes mentes podem adivinhar a verdade antes de term as provas ou os argumentos para sustentá-la. (Diderot chamava a isso possuior o ‘esprit de divination’). O que é que acredita ser verdade, mesmo sem poder prová-lo?”

Responderam, entre muitos outros, cientistas como o astrónomo real britânico Sir Martin Rees (só há vida inteligente na Terra, mas ela expandir-se-á para longe), o biólogo inglês Richard Dawkins (a evolução funciona aqui e em todo o Universo), o geneticista e empresário norte-americano Craig Venter (a vida é omnipresente no Universo e chegou à Terra vinda de fora), o escritor inglês e prefaciador da obra Ian McEwan (nenhuma parte da consciência sobrevive à morte) e o filósofo norte-americano Daniel Dennett (não há consciência sem linguagem). No post seguinte incluem-se, em discurso directo, outras afirmações de cientistas tão “thought-provoking” como estas.

Do mosaico muito variado de respostas resulta a ideia de uma ciência plural e confrontada com as suas dúvidas e as suas limitações. As dúvidas e os limites sempre foram características da ciência, percebidas e aceites pelos próprios cientistas, mas talvez não sejam marcas bem claras para o grande público. Livros como este ajudam a a interiorizar essas marcas no seio da sociedade. E ajudam a fazer cultura científica, isto é, no meu ponto de vista, a tornar a ciência uma parte cada vez mais relevante da vasta cultura humana. Não interessa tanto que se fale de uma “segunda” ou “terceira” cultura”, mas sim que se fale de cultura.

- John Brockman (coordenação), “Grandes ideias impossíveis de provar”, Tinta da China, Lisboa.

3 comentários:

Paulo disse...

O endereço do sítio está errado.
O correcto é edge.org.
Parabéns pelo blogue.

Carlos Fiolhais disse...

Ja emendei, obrigado
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

Eu sou J. Louiz Nascimento (Brasília - DF / Brasil)
Nobres senhores, detectei o engano (term = terem) no trecho abaixo:
"“Por vezes, grandes mentes podem adivinhar a verdade antes de terEm as provas ou os argumentos para sustentá-la. (Diderot chamava a isso possuior o ‘esprit de divination’). O que é que acredita ser verdade, mesmo sem poder prová-lo?”
Eu procurava alguma informação sobre esse livro antes de comprá-lo.
Muito lhes sou grato.

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