sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Efeméride: nascimento da teoria quântica

Mais uma contribuição de Luís Alcácer, a assinalar os 107 anos do nascimento da mecânica quântica, tão maltratada em anos mais recentes por pseudo-ciências e banhas da cobra sortidas.


O dia 14 de Dezembro de 1900, em que Max Planck formulou publicamente, pela primeira vez, a hipótese dos "quanta", marca o nascimento da mecânica quântica. Foi a ideia de que a luz era emitida (e absorvida) em quantidades discretas — os quanta — que, nas quase três décadas que se seguiram, levaram à criação de uma das teorias mais fecundas da história da ciência.

Vejamos em que consistiu a ideia de Planck.

Nesse dia, Max Planck deu uma conferência na Sociedade Alemã de Física em Berlim, na qual apresentou uma dedução teórica da fórmula que descreve a chamada "radiação do corpo negro". O "corpo negro" é um objecto ideal que absorve toda a radiação (luz) que sobre ele incide — não reflecte nenhuma radiação, parecendo portanto perfeitamente negro. Todos já observámos que um pedaço de carvão a alta temperatura emite luz (embora o carvão seja um corpo negro imperfeito). A intensidade da luz emitida pelo corpo negro e os seus comprimentos de onda são caracterísiticos da sua temperatura. Planck propôs que essa luz era emitida em quantidades discretas, ou seja, aos bocados. Planck não ousou ir ao ponto de dizer que a luz era um feixe de partículas, como Newton já tinha sugerido.

Na sua teoria, Planck partiu do princípio que a energia (sob a forma de luz) contida no corpo negro e que dele imanava, era formada por algo que vibrava como se fossem pequenas molas (osciladores) e assim conseguiu chegar a uma fórmula matemática que contém essas quantidades discretas, que agora se chamam quanta [i] e que são proporcionais à frequência da radiação que representam, sendo a constante de proporcionalidade designada hoje por constante de Planck [ii].

Não se pense que a ideia de Planck lhe surgiu de repente, caída do céu. Numa carta a Robert Williams Wood de 7 de Outubro de 1931, mais de trinta anos depois, Planck recordava: "posso caracterizar todo o processo (de dedução da fórmula inovadora) como um acto de desespero, uma vez que por natureza, sou uma pessoa calma e adversa a aventuras. Lutei durante 6 anos (desde 1894) com o problema do equilíbrio entre a radiação e a matéria sem chegar a nenhum resultado satisfatório. Estava consciente de que esse era um problema de importância fundamental e conhecia a fórmula que descrevia os resultados experimentais; portanto a interpretação teórica teria de ser encontrada a todo o custo." Note-se que Planck baseou a dedução da sua fórmula na suposição de que a radiação podia ser tratada como ondas electromagnéticas clássicas.

Em 1905, Einstein, no mais revolucionário dos seus cinco artigos desse mesmo ano, sugeriu que, pelo menos alguns tipos de radiação tinham propriedades de partículas materiais, admitindo a hipótese a que chamou "dos quanta de luz".

Essa hipótese explicava vários fenómenos, especialmente o efeito fotoeléctrico, que consiste em arrancar electrões de uma superfície metálica fazendo incidir sobre ela uma luz ultravioleta. Só se compreendia que os electrões (então apenas considerados como partículas), fossem arrancados do metal com a velocidade observada, se a luz fosse formada por partículas que colidiam com eles, arrancando-os do metal, sendo precisa uma energia mínima para os arrancar pois estavam ligados ao metal. Apesar das muitas aplicações, a maioria dos físicos não acreditava na hipótese dos quanta de luz. O próprio Planck, juntamente com outros físicos, escreveu em 1913, quando da proposta para Einstein leccionar na Universidade de Berlim "que ele tinha por vezes falhado o alvo nas suas especulações, como por exemplo, na história dos quanta de luz".

Durante a década seguinte, praticamente ninguém levou os quanta de luz a sério, pelo menos até Dezembro de 1922, altura em que surgiram os resultados da experiência de Arthur Compton, que implicavam inevitavelmente a interpretação de que, na interacção com os electrões, a radiação se comportava como se fosse um feixe de quanta, discretos, com energia e momento (ou quantidade de movimento) bem definidos, isto é, como partículas. O nome fotão para esse tipo de partículas foi sugerido por Gilbert Lewis em 1926.

Curiosamente, em 1924, em Paris, Louis de Broglie completava a sua tese de doutoramento, na qual demonstrava, com base na teoria da relatividade, que uma partícula material (com massa em repouso não nula), como o electrão, tinha comportamento de onda quando em movimento.

Uma das ideias fundamentais, senão a ideia mais fundamental, da teoria quântica é a de que quer a luz, quer as partículas materiais, como os electrões, se propagam como ondas, mas têm comportamento de partículas quando interactuam com outras. Essa ideia pode talvez ser melhor entendida com a ajuda do exemplo seguinte. Um quantum de luz, proveniente de um "laser", pode ser detectado numa placa fotográfica, onde é absorvido por um átomo de prata, desencadeando um processso que dá origem a um ponto negro. No processo de absorção, o "quantum" de luz comporta-se como uma partícula com energia e momento linear (produto da velocidade pela massa) bem definidos, que transfere para o átomo, o qual recua. Entre a fonte onde é emitido (como partícula) e o alvo onde é absorvido, o quantum de luz propaga-se como uma onda.

Também as partículas de matéria, como os electrões e os átomos, têm este comportamento dual — propagam-se como ondas, mas, quando interactuam com outras, têm o comportamento típico de partículas. Esta dualidade, perfeitamente assente e confirmada, tem várias consequências, algumas das quais são desconcertantes. Por exemplo, uma partícula não pode estar simultaneamente em dois lugares. Mas uma onda pode! Uma onda do mar pode virar vários barcos ao mesmo tempo.

O comportamento ondulatório das partículas em movimento é evidenciado pelos fenómenos de interferência, característicos das ondas. De facto, na mecânica quântica, como na óptica, quando uma onda pode seguir dois percursos diferentes (por exemplo, passando por duas fendas), a sua intensidade varia de lugar para lugar e mostra máximos e mínimos (riscas alternadamente claras e escuras, no caso da luz), cuja existência constitui o fenómeno de interferência. Basicamente, esse fenómeno é devido à sobreposição das amplitudes das ondas que seguiram os diferentes percursos. Sempre que deixamos que uma partícula (por ex., um electrão) passe livremente por duas fendas, observamos que ao passar simultaneamente pelas duas fendas, interfere consigo própria.

Claramente, é incorrecta a nossa descrição da realidade ao considerar o movimento de partículas como pontos materiais que descrevem trajectórias bem definidas de acordo com a lei de Newton, ou, por outro lado, considerar a propagação da luz como um fenómeno puramente ondulatório, de acordo com a teoria de Maxwell. A realidade é aparentemente mais complexa.

Que um electrão passe por duas fendas ao mesmo tempo, vá que não vá. Para mim, o electrão é algo estranho; é uma particula pontual (sem dimensões) e talvez não me choque que se comporte como onda, mas que moléculas relativamente grandes, com 60 ou mais átomos de carbono, sejam difractadas sem se decompor (equivalente a passar por duas fendas ao mesmo tempo) é certamente chocante. No entanto, vários resultados experimentais confirmam que assim é [iii].

Luís Alcácer
[i] Do latim: "quanta" é o plural de "quantum".
[ii] A constante de Planck é representada pela letra h e tem o valor h = 6,6260693 x10−34 J s.
[iii] Nature 409, 680 (1999). Para moléculas ainda maiores: http://physicsworld.com/cws/article/print/21590

8 comentários:

Anónimo disse...

Está muito bom. Gostaria de pedir, se poder ser, para falarem um pouco sobre o paradoxo EPR, as variáveis escondidas, o determinismo (ou falta dele) de que tanto gostava Einstein e já agora sobre a experiência de Bell.

Anónimo disse...

E já agora que estamos em pedidos natalicios até poderia indicar alguns livros de divulgação científica sobre o assunto. Ou até escrever um. Asseguro-lhe que compro um exemplar.

Anónimo disse...

Caro António,

gostaria de lhe deixar a recomendação de um bom livro que cobre não só a mecânica quântica, mas outros interessantes assuntos da física.
O livro é de facto muito interessante, e esté muitíssimo bem escrito, é fácil de entender mesmo para quem pouco ou nada sabe de física. O livro começa por explicar a relatividade restrita, passa pela mecância quantica, depois vai até à relatividade geral, e depois extende-se pels teoria de cordas, geometria quântica e unificação.
É de facto muito interessante não só pelos inúmeros temas que cobre, mas a sua interligação, está muito bem estruturado.

A versão que tenho é inglêsa e chama-se "The Elegant Universe" do Brian Greene. Brian Green estudou em Harvard e Oxford, e actualmente (1999) é professor de física e matemática no estado da Columbia. O livro recebeu também o "Aventis Science book Prize". A minha versão custou-me 9£, uma autentica "pechincha". Contudo a versão portuguesa, que sei que existe, publicada pela Gradica, se não estou em erro, custa muito mais, algo por volta dos 35€. Não sei se é tudo pelo trabalho de tradução...

Anónimo disse...

Onde está "Gradica" deveria estar "Gradiva", peço desculpa.

Anónimo disse...

Gostaria de lhe dizer, também, António, que o Carlos Fiolhais, publicou à algum tempo atrás um livro que ofereci à minha irmã mais nova, intitulado "Nova física divertida", que se não me engano aborda o tema da mecânica quântica. Eu já sou do tempo do livro "Física divertida", que na altura em que o li me deixou super entusiasmado... A minha mãe é que não gostava muito quando insistentemente me chamava para a mesa, e eu só respondia: estou quase a acabar o capítulo...foi um dos livros que mais me marcou na minha adolescência e certamente me influenciou na minha escolha, pelo curso que estou a tirar.

Por isso, mesmo não tendo lido, e não sendo eu adepto de recomendar livros sem os ler... mesmo assim, arrisco a recomendá-lo pela experiência dos livros que li do mesmo autor.

Fernando Gouveia disse...

Só uma correcção (pouquíssimo importante): Brian Greene é professor na Universidade da Columbia (que fica em plena cidade de Nova Iorque), não no estado da Columbia, que não existe (existe o Distrito da Columbia -- onde fica a cidade de Washington -- e a província da Columbia Britânica, no Canadá, mas não o estado da Columbia).

Já agora (também pouco importante, porque uma gralha óbvia): no artigo remetem duas vezes para a nota [iii] (a primeira é obviamente para [ii]).

Anónimo disse...

Obrigado pelas sugestões, João.

Anónimo disse...

É de facto verdade desculpem a minha enorme gralha e confusão, pois estava a pensar na British columbia, que não é um estado (mas sim provincia), nem fica nos USA, mas sim no Canadá!

Obrigado Fernado.

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