sábado, 25 de agosto de 2007

Saúde pública e aptidão física


Complemento ao último post de Rui Baptista pelo próprio:

Sem exercício físico quotidiano apropriado é difícil mantermo-nos de boa saúde”.
Schopenhaeur (filósofo alemão, 1788-1860)

Ao contrário do anunciado por Roland Barthes de que “existe uma erótica do novo, o antigo é sempre suspeito”, definitivamente, neste país não vinga este princípio. Portugal atrasa-se décadas, por uso e costume, relativamente a países desenvolvidos, ou até em vias de desenvolvimento, perante esse erotismo, e quando o importa importa-o mal e a más horas dando razão à crítica mordaz de Eça: “Portugal é um país traduzido do francês em calão”.
Dou como mero exemplo (mais adiante se verá, porquê) a campanha promovida por Iona Campagnola, antiga ministra de Estado de "Fitness" (que à míngua de melhor, se pode traduzir por aptidão física) e do Desporto do Canadá, no decurso da década 70 do século passado, há quatro décadas, portanto, com o seguinte fundamento: "Despendem-se neste país milhões de dólares com a assistência médica e nós sabemos que 40% destas despesas resultam totalmente inúteis. Vamos gastar parte desse dinheiro na motivação das pessoas para que participem em qualquer actividade física”.

Nem de propósito, no pretérito dia 21 de Agosto deste ano, ou seja, dois dias depois da publicação do meu post neste blogue, intitulado “Gerontomotricidade, saúde e boa forma física”, é dada a conhecer publicamente uma acção(zita), com contornos que se assemelham aos dos canadenses, a desenvolver pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) que, como quem descobre a pólvora, brinda os lusitanos cidadãos com uma simples, e eu diria mesmo inócua, circular:

"A actividade física e o desporto são essenciais para saúde e bem-estar da população e devem, por isso, ser promovidos pelos serviços de saúde como um dos pilares para um estilo de vida saudável, a par de uma alimentação saudável, vida sem tabaco e o evitar de outras substâncias nocivas para a saúde. Dados os benefícios comprovados da actividade física, intervir sobre estas determinantes surge como uma estratégia de saúde fundamental que permitirá obter, a médio prazo, ganhos significativos em termos de redução da prevalência de doenças crónicas e dos custos económicos individuais e sociais que lhe estão associados. Neste sentido, a DGS incentiva os serviços de saúde a desencadearem acções de promoção, através de equipas multidisciplinares, adequados às comunidades em que estão inseridos, utilizando os diferentes meios ao dispor ao nível da comunidade local, nomeadamente através de parcerias com as autarquias, sociedade civil, meios de comunicação social, entre outras”.


Numa espécie de cereja em cima de um bolo que quase diria fúnebre, elenca logo a seguir esta direcção geral um extenso rol de padecimentos motivados pela ausência ou pouco uso da actividade física, ou seja, doenças civilizacionais, provocadas por um estilo de vida em que o indivíduo passa horas e horas em frente do ecrã da televisão ou se escraviza a uma navegação pelos mares aliciantes e sempre novos do monitor da Internet. Com um certo exagero (nestas coisas talvez seja preferível pecar por excesso) há quem preveja até que o homem seja obrigado a regressar num futuro distante a uma origem quadrupedante, por ausência de um suporte muscular que lhe mantenha a posição bípede actual.

Anos atrás, ainda mesmo antes do aparecimento do exército numeroso de cibernautas - reforçado agora em Portugal pelo recrutamento dos alunos do 10.º ano a quem vai ser vendido ao preço da uva mijona, passe o plebeísmo, um computador portátil -, Alexander Berg (doutorado em Matemática pela Universidade da Califórnia) publicava os seguintes dados: “A força muscular do homem e dos animais domésticos produz 1% de toda a energia produzida e consumida na Terra, quando, em meados do século XIX, produzia 94%”. Preocupante, na verdade. Ainda que sem a assunção do ingrato papel de profeta da desgraça, decerto, estes dados são tanto ou mais preocupantes se tivermos em devida conta os factores civilizacionais do nosso tempo apontados acima e que prenunciam um “décalage” ainda maior para os nossos dias em que mesmo esse 1% corre o risco de se tornar em zero por cento. Anos atrás, em 72, para ser mais preciso, lancei um alerta para este preocupante “statu quo” ao proferir na Sociedade de Estudos de Moçambique uma conferência (publicada no respectivo boletim) sobre esta precisa temática e em que apresentei no final um decálogo sobre os benefícios do exercício físico nas doenças hipocinéticas (assim havidas por terem como etiologia o pouco movimento): “1.Obtenção e manutenção de uma correcta postura corporal. 2. Estimulação do crescimento do sistema ósseo na juventude e respectivo fortalecimento no combate à osteoporose adultícia. 3. Aumento e manutenção da elasticidade em ligamentos e amplitudes articulares 4. Melhoria da força muscular pelo espessamento das fibras musculares, através, essencialmente, de exercícios de resistências progressivas (v.g., levantamento de pesos). 5. Melhoria do sistema respiratório por um maior rendimento da mecânica ventilatória e trocas gasosas a nível celular. 6. Contributo para o combate ao stress com repercussões positivas no aparelho cardiovascular. 7. Prevenção no aparecimento de desvios da coluna e de discopatias. 8. Retardamento do processo de envelhecimento pela exercitação das funções orgânicas. 9. Regulação do sistema endócrino e sua acção na manutenção de um correcto peso corporal. 10. Promoção de hábitos de vida saudável e vigorosa por um adequado regime alimentar compatível com um esforço físico acrescentado.

Uma campanha destas de amplitude e interesse nacionais em Portugal tido, pela Ramalhal figura, como “um país de magricelas, de derreados, de espinhelas caídas”, não pode ficar circunscrita a uma simples circular da DGS e, muito menos, estar a sua orientação entregue de mão beijada, e em exclusividade, a profissionais vocacionados para a terapia das doenças mais do que para a respectiva prevenção através do exercício físico. Por esse facto, nela deve estar empenhada, num esforço conjunto, a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), através das respectivas Faculdades de Desporto e Educação Física, com destaque merecido para a Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa e a Faculdade do Desporto do Porto, as mais antigas e com mais valiosos trabalhos científicos e de investigação realizados neste domínio. Julgo importante que ambos os organismos (DGS e DGES) estejam sob a tutela de uma entidade coordenadora: uma secretaria de Estado a criar para o efeito, por exemplo.

Tenha-se em atenção que no Canadá esta campanha pelo interesse nacional de que se revestiu foi entregue em mãos ministeriais e que nos Estados Unidos, mesmo já em 1960, a que viria ser, um ano depois, a sua voz mais autorizada, John Kennedy, subscreve, na revista “Sports Illustrated”, sob o sugestivo título “The Soft American” (“O americano mole”), uma artigo que mereceu à “The American National Recreation Association”, o prestigiante prémio do respectivo ano e em que afirmava: “A aptidão física não é apenas uma das mais importantes chaves para se ter um organismo sadio, é a base da actividade intelectual criativa e dinâmica. A relação entre a saúde do corpo e as actividades da mente é subtil e complexa. Ainda falta muito para ser entendida. Os gregos, porém, ensinaram-nos que a inteligência e a habilidade só podem funcionar no auge da sua capacidade se o corpo estiver sadio e forte; que os espíritos fortes e as mentes confiantes geralmente habitam corpos sadios” (Rui Baptista, “Os pesos e halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Cooper”, edição do autor, Lourenço Marques 1973).

Só é de temer que apareça “um amigo da onça” que ponha em causa os benefícios da corrida e da marcha apressada como meio de aumentar a longevidade com o argumento de que a preguiçosa tartaruga gigante das Ilhas Galápagos vive entre 100-200 anos e o pachorrento elefante de 100 a 120 primaveras, vidas bem mais longas que a de qualquer atleta, mesmo sem a utilização de matérias dopantes que conduzem a um envelhecimento precoce e a uma morte prematura. Mas há sempre o recurso ao argumento do comediante Groucho Marx: “Estes são os meus princípios, e se não gostarem deles…bem, tenho outros!”

2 comentários:

Anónimo disse...

Talvez seja material que lhes interesse, sobretudo devido ao uso da falacia de uma estatística.
Um movimento religioso tenta relacionar a mastrubação e o numero de crimes

http://www.truechristian.com/masturbation.html

Palmira F. da Silva disse...

CS:

Isto é um site satírico, certo? Não acredito que mesmo os mais desvairados fanáticos americanos uma guerra total à masturbação que passe por vender pepinos cortados às fatias, testes de urina e afins :-)

A parte de obrigar toda a gente a tomar Prozac para inibir a líbido mostra que só pode ser mesmo um site satírico...

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