quarta-feira, 1 de agosto de 2007

A PRIMEIRA FÍSICA

O Rerum Natura já tem falado de mulheres cientistas e também de ciência no século XVIII. Vou agora juntar os dois temas e apresentar a quem a não conheça - e receio bem que ela seja pouco conhecida - uma grande cientista do século das luzes.

Chama-se Laura Maria Caterina Bassi (1711-1778) foi a primeira física a ensinar numa universidade. Ensinou a física newtoniana com extraordinário sucesso, tendo introduzido as ideias de Newton em Itália. Nascida em Bolonha de uma família abastada (o pai era advogado) beneficiou do ambiente na bela cidade cor-de-tijolo que se orgulha de ter a Universidade mais antiga do mundo. E, na divulgação do seu inegável valor, beneficiou de três ajudas importantes. Em primeiro lugar, o médico da sua família e professor de medicina em Bolonha Gaetano Tacconi, que a ensinou durante a adolescência em ambiente doméstico. Depois o bispo de Bolonha, cardeal Prospero Lambertini, que mais tarde chegou a Papa com o nome de Bento XIV (só houve, portanto, um outro Bento entre ele e o actual), incitou-a a participar num debate público com Tacconi e outros sábios. A jovem italiana brilhou entre os doutores. Com 21 anos foi então nomeada professora de anatomia da Universidade de Bolonha (ainda hoje no centro de Bolonha, se pode ver o teatro anatómico da época) e, mais tarde, professora de filosofia (natural, entenda-se). O terceiro homem que contribuiu para a sua promoção foi o professor Giuseppe Veratti, um seu colega com quem se casou aos 27 anos. Dele teve oito filhos, dos quais cinco sobreviveram até à maioridade. A partir da data do casamento podia dar aulas regularmente em sua casa (até aí as suas aulas eram só "quando o rei fazia anos"). Em face do seu talento e da sua popularidade, a Universidade passou a pagar-lhe um salário de 1200 liras, mais do que a qualquer outro professor, o que lhe permitiu instalar em casa um laboratório, no qual a investigadora fazia e mostrava aos seus alunos experiências de mecânica e electricidade, algumas das quais bem perigosas. Velhos tempos em que a professora tinha de comprar o equipamento e de receber a turma em casa!

Maior glória havia ainda de chegar. Em 1745, quando ela tinha apenas 34 anos, o papa Bento XIV criou em Roma um colégio de 25 sábios, que ele próprio escolheu a dedo. Eram, por isso, chamados, os Benedettini. Pois adivinhem quem foi, depois de alguma controvérsia, a 25ª: pois a doutora Bassi, escolhida pelo próprio Papa. Ora aqui está um pontífice nada misógino...

Mais ainda: Em 1776, quando Bassi tinha 65 anos, o Instituto de Itália, em Roma, nomeou-a Professora de Física Experimental, a primeira mulher a ocupar em todo o mundo uma cátedra de Física. O marido teve de se resignar a ser seu assistente. Bassi foi não só uma excelente professora (ensinou o jezuíta Spallanzani, de quem já aqui se falou a propósito dos ultra-sons dos morcegos, e também Alessandro Volta, que ganhou a disputa com Galvani sobre a electricidade) como também uma boa investigadora (deixou-nos quase trinta artigos científicos, embora não tenha escrito nenhum livro). Morreu dois anos depois da subida à cátedra de Física. O marido foi o seu sucessor e a 25ª cadeira dos Beneditinos essa ficou vaga durante uns tempos.

Bassi não foi caso único na Itália do século XVIII. O mesmo cardeal Lambertini ajudou uma matemática prodigiosa, a milanesa Maria Agnesi, a tornar-se a segunda professora da Universidade de Bolonha, no ano de 1750. A Bassi e Agnesi seguiram-se outras mulheres... Na Itália como em Portugal há hoje uma boa proporção de mulheres cientistas (ver gráfico de baixo sobre a percentagem de mulheres cientistas na Física em todo o mundo, onde a Itália e Portugal ocupam lugares cimeiros, a Itália em sexto e nós em segundo, só perdendo para a Hungria). Mas nós não tivemos no nosso século XVIII ninguém como as italianas Bassi ou Agnesi. A primeira mulher que foi professora de ciências em Coimbra tardaria muito a surgir...




Sem comentários:

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...