Na sequência dos textos do Nuno Crato e do Desidério, publicados neste blog, sobre a falácia que podem ser as “Tecnologias da Informação e da Comunicação” na escola, se não se integrarem num plano de ensino adequado, e a propósito do Plano Tecnológico da Educação, recentemente aprovado em Conselho de Ministros, o Carlos Fiolhais republicou um artigo com dez anos, onde sugere que seria interessante não esquecermos alguns métodos antigos, como “estudar nos livros” e “pensar um pouco – para os quais propôs as siglas ENL e PUP – “a ver se um se algum pedagogo lhes pega”.
Face ao desafio, pedi a Isabel Festas para explicar, à luz da investigação da Psicologia da Educação, por que é que “estudar pelos livros” e “pensar um pouco” podem ser métodos activos, desde que bem utilizados pelo professor, independentemente de se estudar/pensar a partir de textos, do quadro de giz, do papel e lápis, do computador, do quadro interactivo…
Vejamos, então, a sua análise acerca do assunto.
Estando na ordem do dia o apelo à adopção de métodos activos, como suporte de uma aprendizagem que não se limite à reprodução de conhecimentos, parece-nos de toda a pertinência chamar a atenção para o papel que a leitura e o estudo de textos podem desempenhar neste contexto.
Afastando-nos de uma perspectiva que considera como activos aqueles métodos centrados na iniciativa dos alunos, nas suas capacidades de procura e na sua motivação intrínseca para aprender, consideramos que uma aprendizagem activa depende, essencialmente, da actividade cognitiva de quem aprende. Desenvolver esta actividade de modo a que se atinjam objectivos ligados à transferência e não apenas à reprodução dos conhecimentos parece-nos ser o verdadeiro problema em educação
Tomando como referência os modelos de processamento de informação e algumas das principais teorias acerca da compreensão de textos, podemos encontrar respostas para este problema. Para que haja uma aprendizagem significativa e não meramente reprodutiva, é necessário que, na memória de trabalho, a informação seja, não só organizada, mas também integrada nos conhecimentos prévios do sujeito (Mayer, 1999). Se pensarmos no estudo a partir de textos escritos, um dos principais meios de aprendizagem, é fácil enquadrá-lo nestes modelos.
O que significa compreender um texto?
A compreensão de um texto envolve vários níveis que se reportam, essencialmente, às suas palavras e às relações linguísticas entre elas - nível de superfície -, à sua estrutura semântica - base do texto - e às situações nele descritas - modelo de situação (van Dijk & Kintsch, 1983; Festas, 1998). Partindo deste modelo teórico, torna-se fácil explicar os diferentes níveis de aprendizagem que podem decorrer da leitura de textos. De acordo com Kintsch (1994, 1998), podemos distinguir aquilo que ele designa de memória da aprendizagem de textos. A memória resulta de uma compreensão aos níveis da superfície e da base e a aprendizagem exige a construção de um modelo de situação. Enquanto que a primeira dá conta da informação que conseguimos reter de um texto, após a sua leitura, a segunda implica que o sujeito seja capaz de usar essa informação de uma forma diferente e nova.
Numa época em que existe um consenso relativamente à ideia de que o conhecimento depende da actividade e da participação do aluno na sua construção, não há, no entanto, uma unanimidade quanto àquilo que se entende por métodos activos. Se seguirmos as teses construtivistas mais divulgadas e aceites nos meios pedagógicos, por método activo entende-se todo aquele, como o de descoberta e de investigação, em que é o aluno que procura e pesquisa o conhecimento (Brooks & Brooks, 1993). Trata-se de métodos que aparecem como uma alternativa a outros mais directivos e a sua especificidade parece depender precisamente desta demarcação que é feita relativamente àqueles em que há algum sinal de directividade, quer por parte do professor, quer por parte de material de estudo mais estruturado (cf., entre outros, Bidarra & Festas, 2005; Fosnot, 1996; Steffe & Gale, 1995).
Partindo da concepção de compreensão acima mencionada, e tomando, ainda, como referência algumas teorias cognitivistas, pensamos que há uma outra forma de encarar os métodos activos. Estes incluirão todos aqueles métodos em que o sujeito se implica e se empenha cognitivamente numa tarefa, independentemente de coexistirem com uma certa directividade e estruturação dos materiais (cf. Mayer, 1999). Tratando-se de tarefas relacionadas com a leitura e estudo de textos, interessa-nos saber como é que os alunos podem desenvolver as suas competências de compreensão, de modo a que daí resulte não apenas uma reprodução do que se estudou (memória do texto), mas, igualmente, uma capacidade para usar e transferir a informação lida a novas situações (aprendizagem do texto). Parece-nos ser esta a chave de uma aprendizagem verdadeiramente activa.
A aprendizagem activa é cognitiva
Assim, entendemos por aprendizagem activa aquela em que o sujeito participa, mentalmente, nos diferentes momentos da transformação da informação até que ela possa ser armazenada sob a forma de conhecimento ou utilizada na resposta a um problema ou a uma tarefa de natureza cognitiva (Mayer, 1999). De acordo com os modelos de processamento de informação, considera-se que o conhecimento, antes de ser adquirido, passa por toda uma série de transformações, resultantes da actividade cognitiva do sujeito (Atkinson & Shiffrin, 1968). A informação vinda do exterior, sob a forma visual ou auditiva, é seleccionada e enviada para a memória de trabalho ou a curto prazo. Aqui, ela tem que ser trabalhada, de modo a ser transferida para a memória a longo prazo, onde permanecerá até ser necessária a sua recuperação.
Adoptando estes modelos como referência, podemos entender a construção do conhecimento como decorrendo de uma actividade cognitiva, não necessariamente comportamental (procurar ou pesquisar informação, por exemplo). Trata-se de uma abordagem que se adequa muito bem à leitura e ao estudo de textos. Estes fazem-se, normalmente, de uma forma pouco activa do ponto de vista comportamental, embora exijam um grau elevado de participação cognitiva. Vejamos, de forma mais pormenorizada, como se exerce a actividade do sujeito numa situação de aprendizagem.
Desde o início, logo no momento do confronto com a informação, torna-se necessária a sua selecção da memória sensorial para a memória a curto prazo. Se não houver selecção de informação não haverá qualquer tipo de aprendizagem. No entanto, não basta que se escolha aleatoriamente. Sabendo que muitos dos estímulos que nos chegam, num determinado momento, se perdem, não sendo conduzidos para o sistema seguinte, é fundamental que o aluno esteja atento aos que são mais importantes. Se assim for, será a informação mais pertinente que passará para a memória de trabalho, sistema vital na sua transformação. Segundo alguns autores, é precisamente neste sistema que se efectua a parte mais substancial do trabalho cognitivo e, logo, a parte mais significativa da actividade do aluno (Mayer, 1999). Com efeito, tendo em vista uma aprendizagem activa, é necessário que a informação que chega à memória de trabalho seja organizada numa representação mental coerente.
Para isso, o aluno precisa de estabelecer relações de causa-efeito, de subordinação, ou outras, entre as diferentes partes do material com que é confrontado. A organização deste material é condição imprescindível para que o aluno seja, futuramente, capaz de o utilizar e aplicar em situações novas. Se este trabalho não for feito, a aprendizagem será meramente mecânica, isto é, o aluno será capaz de reproduzir mas não de aplicar e transferir o que aprendeu (Mayer, 1999).
A aprendizagem não será completa se aos processos de selecção e de organização não se juntar a integração dos novos conhecimentos nos já existentes na memória a longo prazo. A intervenção dos conhecimentos anteriores é fundamental para que a nova informação ganhe significado e seja solidamente aprendida. Feito todo este trabalho, o conhecimento pode ser, então, armazenado na memória a longo prazo, isto é, pode ser adquirido. Aí permanecerá até que a sua recuperação seja oportuna para uma nova aprendizagem, ou para a resolução de uma tarefa ou problema cognitivo.
Em suma
Encarando a aprendizagem deste modo, torna-se claro que a principal preocupação do ensino e da instrução deve estar centrada nos meios que ajudem os alunos a ser cognitivamente activos. Se eles souberem seleccionar, organizar, integrar, armazenar e recuperar o conhecimento, temos as condições para uma aprendizagem eficaz. A utilização destas estratégias será um grande contributo, não apenas para a aquisição, mas também para a transferência da informação lida e estudada e será, igualmente, quanto a nós, a garantia do envolvimento activo dos alunos na sua aprendizagem e na construção dos seus conhecimentos.
Referências bibliográficas:
Atkinson, R. & Shiffrin, R. (1968). Human memory: A proposed system and its control processes. In K. Spence, & J. Spence (Eds.), The psychology of learning and motivation (Vol. 2, pp. 89-195). New York: Academic Press.
Bidarra, G. & Festas, I. (2005). Construtivismo(s): Implicações e interpretações educativas. Revista Portuguesa de Pedagogia, 39 (2), 175-195.
Brooks, J. & Brooks, M. (1993). In search of understanding: The case for constructivist classrooms. Alexandria, VA.: Association for the Supervision and Curriculum Development.
Festas, I. (1998). A compreensão da leitura: A construção de um modelo mental do texto. Revista Portuguesa de Pedagogia, 32 (1), 81-98.
Fosnot, C. (1996). Constructivism: Theory, perspectives and practice. Columbia: Teachers College.
Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning. American Psychologist, 49 (4), 294-303.
Kintsch, W. (1998). Comprehension: A paradigm for cognition. Cambridge: Cambridge University Press.
Mayer, R. (1999). Designing instruction for constructivist learning. In C. Reigeluth (Ed.), Instructional-design theories and models: A new paradigm of instructional theory (vol. 2; pp. 141-159). Mahwah: Lawrence Erlbaum.
Steffe, L. & Gale, J. (Eds.) (1995). Constructivism in education. Hillsdale: NJ.: Lawrence Erlbaum.
van Dijk, T. & Kintsch, W. (1983). Strategies of discourse comprehension. New York: Academic Press.
Isabel Festas
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18 comentários:
Caras Isabel e Helena
Entendo a mensagem, mas gostaria de saber se pode conjecturar a possibilidade de que a aprendizagem possa não ser activa e cognitiva em simultaneo. Ainda que esta se traduza em termos comportamentais, tem que haver sempre uma aquisição prévia de normas, regras, etc.
E depois também há uma coisa que nunca percebi: para que serve os miúdos entupirem-se de recolha de informação na net, se depois não se lhes ensina a seleccionar e a organizar a dita informação em ordem a uma efectiva aprendizagem. A nova Área curricular não disciplianr - Área de Projecto, só lhes dá competência de "nadar" em informação recolhida à custa do "choque tecnológico", porque resultados nas aprendizagens dos alunos ou nas ditas competências transversias, nem por sombras. Os putos estão fartos e entupidos de tecnologia pedagógica que é como uma "nóz vazia", para utilizar a expressão de Quintana Cabanas.
Talvez, de tanta actividade que se queira imprimir à actividade pedagógica é que ela está no estado em que está - estafada de tanto correr e não chega à meta, neste caso aos objectivos educacionais.
Com os melhores cumprimentos.
Fátima
Há já muito tempo (desde o primeiro ano do curso na ESE) que coloco a seguinte pergunta: "Porque é que o construtivismo é a melhor teoria psicológica para servir de base à educação?"
Tentei fazer a pergunta a vários professores, mas nunca obtive um resposta clara. Parece que esta ideia vem, desde há alguns anos a ser transmitida como verdade última e inquestionável nos cursos de formação de professores. Ora, como é que se ensina um aluno a pensar pela sua própria cabeça, se nas durante a formação de base isso não acontece?
Também a Fátima põe uma questão que eu acho ser muito importante, e que se configura – talvez – como uma antinomia da educação:
Os alunos têm de ser os construtores do seu próprio conhecimento; mas se essa construção deve ser sólida, tem de partir ela própria de algum conhecimento prévio. Se é esse o caso, o conhecimento tem de ser transmitido primeiro, sob pena de se trocar o conhecimento sólido, pelo conhecimento avulso - de café se quiserem. Logo terá de existir alguma transmissão; talvez não possamos ser radicalmente cognitivistas!; talvez essa construção exija bases sólidas que só propostas como as do Prof. Carlos Fiolhais permitam.
Cumprimentos a todos,
José Manuel Oliveira.
A aprendizagem, pelo menos nos livros de pedagogia, não é um processo rápido.
Aristóteles tem boa frase a respeito disso, diz ele algo como que não é o professor que há-de colher os frutos do que o pedagogo ensina, mas sim o aluno, como indivíduo, com "centro" , uma vez que não me parece correcto que um jovem de 13, 14, 15 anos de idade não seja para ele próprio um "centro".
Discutir pedagogia e políticas educativas de modo pouco profissional não me parece bem, "cada macaco no seu galho", embora quanto à pedagogia, seja qual for o galho ou área de especialização do professor, a pedagogia terá de ser aplicada aos alunos e melhor, quanto mais novo for o aluno.
No fundo, que interessa se o quadro é electrónico ou de ardósia,se a campainha da escola é luxuosa, ou se a escola é alcatifada e com piscina ? Agora é que eu não compreendo, porque, apesar do programa oficial de ensino ser igual para todos, é habitual eu ler aqui que , por exemplo, são poucas as pessoas "importantes" que não têm os filhos em colégios particulares.
Sinceramente, acho os pontos de vista habitualmente expresssos neste espaço incorrectos, mesmo "eticamente ".
Não vejo nenhuma pertinencia na argumentação, nem sequer na que diz que o "governo" compactua com empresas informáticas.
Esta política já está "programada" há muito tempo;os passos tem sido lentos e não rápidos como se possa julgar.
Este post traz-nos aqui um conjunto de ideias que nos podem fazer reflectir sobre os mecanismos de aprendizagem e a importância de conhecermos esses mecanismos para a construção de processos didácticos realmente eficazes.
Existe hoje um movimento à escala mundial que visa dotar os alunos de “competências em literacia da informação”, as quais são consideradas, pelos que procuram impor esta agenda, mas também por analistas como o Manuel Castells, fundamentais na sociedade actual e futura, profundamente enervada pelos processos tecnológicos de troca e utilização de informação. A maior parte dos que defendem esse movimento, associam à aquisição das ditas competências o “aprender a aprender”, a aprendizagem para toda a vida e as metodologias activas de aprendizagem, tais como a aprendizagem por resolução de problemas, a aprendizagem por inquérito, etc., as quais são também consideradas por muitos autores como a base das teorias construtivistas e das teorias cognitivas do sentido.
Um dos aspectos que considerei mais importante no texto apresentado neste post, tem a ver com o facto de a autora procurar mostrar que a aprendizagem activa não tem necessariamente que passar pelas metodologias acima referidas. Pelo contrário, e também o considero, embora as metodologias activas sejam fundamentais para desenvolver certas competências e para a verdadeira aquisição de conhecimentos (e não a mera repetição), elas exigem da parte do aluno um verdadeiro domínio do texto, ou seja, a capacidade de ler com significado e de se transformar o que se lê em conhecimento. Fazer isso não implica, obviamente, o recurso às novas tecnologias da informação e comunicação, mas implica o recurso à leitura de textos directamente relacionados com os conteúdos cognitivos que se estão a trabalhar. Lamento dizer, mas já seria hoje um passo muito importante, se em muitas salas de aula se lessem, efectivamente, textos e se dessem aos alunos a oportunidade de os mesmos lerem e assimilarem as informações que o professor traz para a aula, de modo a que as transformem em conhecimento, ou seja, em ideias aplicáveis de modo inteligente e não meramente repetidas de forma avulsa. Assim, esta competência de ler e de assimilar o texto, defendida pelas teorias construtivistas, é fundamental para a leitura de qualquer texto, seja em que suporte for.
Em vários posts e comentários deste blogue se associa com frequência, embora sem a devida argumentação justificativa, as teorias construtivistas da aprendizagem ao “eduquês” e a uma ideia (a meu ver falsa) de que organizar um plano de aula segundo uma teoria construtivista significa pôr os alunos à deriva a descobrir o mundo por si. Escusado será dizer que fazer isso é levar os alunos a lado nenhum. Aliás, pegando no comentário da Fátima, é isso que é feito em muitas “áreas de projecto” e em muitos trabalhos solicitados pelos professores. Dizer que o conhecimento para ser assimilado deve ser compreendido pelos alunos o que implica a sua integração nas suas estruturas cognitivas, não significa deixar os alunos à deriva em processos de auto-descoberta. Não significa, por exemplo, dar um texto aos alunos e perguntar “o que é que entendeste?”. Se o assunto é novo para o aluno, se o domínio linguístico é baixo, o aluno não entendeu nada e, em todo o caso, é sempre uma pergunta que mais denota a preguiça ou incapacidade do professor de fazer uma bom guião de análise de texto. E, como o aluno não entendeu nada, então o professor debita a matéria, com a falsa sensação de que as teorias construtivistas não funcionam. Aprender a aprender, aprender a pensar, aprender a pensar de modo crítico, desenvolver estratégias de auto compreensão da informação para a transformar em conhecimento, etc. significa criar nas aulas espaços equilibrados de transmissão de informação (na qual, como refere a Isabel Festas, a organização coerente da informação é absolutamente fundamental), muitas vezes sob a forma da velha e tradicional exposição oral, como espaços de trabalho autónomo, mas orientado, dos alunos, os quais, nomeadamente sobre textos, devem aplicar, sistematizar, reorganizar a informação, devem fazer inferências, justificar conclusões, etc. Claro que tudo isto pode ser feito sem outro recuso que não as antigas tecnologias da comunicação ou até sem nenhuma.
Isso não significa que devamos retirar da escola, e da sala de aula, as novas tecnologias da informação e comunicação. Só para que fique registado, uma das componentes fundamentais da reestruturação do ensino na Finlândia foi, exactamente, a introdução nas escolas de um programa de ensino em literacia da informação.
Em meu entender, o problema não está na sua introdução, mas na forma como se introduz. Inicialmente pensava que a criação de uma disciplina de TIC obrigatória no 9º e 10º anos de escolaridade era um disparate. Depois de observar o impacto positivo que os poucos anos de vida da disciplina trouxeram para os alunos que entretanto me passaram pelas mãos, mudei de ideias. No entanto, também pude observar, que as mudanças mais significativas e com impactos mais positivos na aprendizagem dos alunos não derivou da disciplina em si, mas dos professores que os alunos tiveram e da capacidade que tiveram de lhes mostrar que não são os instrumentos que interessam, mas o uso que deles se faz para a construção sólida de conhecimento de qualidade. Ou seja, não interessa que o powerpoint seja muito “bonito”, o que interessa é o rigor, a pertinência, a qualidade da informação recolhida, a sua organização, a capacidade de fazer inferência com e a partir dela, de assumir e justificar posições, etc.
E isto, mais uma vez, leva-me ao comentário da Fátima e outras ideias que têm sido apresentadas em comentários de outros posts. Nem tudo o que está errado nas escolas resulta das ideias delirantes do ME. Posso conceder que sendo os professores humanos (e, já agora, portugueses) se desmotivem com mudanças sucessivas das regras do jogo, com a alteração profunda das regras da carreira (o que tem gerado injustiças inaceitáveis), etc. Mas, cada escola tem a autonomia suficiente para fazer bem ou mal. Infelizmente, acho que muitas escolas fazem mal, porque da autonomia das escolas têm estado arredadas componentes fundamentais que são a responsabilidade dos actos e a responsabilidade social do usufruto de recursos sociais para os quais todos contribuímos sob a forma de impostos. Assim, o problema das disciplinas de área de projecto e de estudo acompanhado não está nas disciplinas em si, mas na total incapacidade de as escolas se terem organizado para realmente atingirem os objectivos que foram propostos para as disciplinas. Para isso, basta ler os projectos educativos e os projectos curriculares de escola disponíveis on-line. Em parte, essa incapacidade resultou, mais uma vez, do lançamento de duas disciplinas que estavam completamente arredadas das práticas pedagógicas da maioria dos professores (podemos falar muito em construtivismo, mas a maior parte das aulas são behavioristas e os métodos meramente orais e expositivos) e da cultura de escola dominante que é profundamente individualista. Faltou formação e faltou preparação do terreno. Mas, francamente, os professores não querem ser considerados meros trabalhadores da administração pública. Querem ser considerados pelo seu valor intelectual. Então, trabalhem para isso. Em lugar de estarem sempre à espera que um formador iluminado lhes diga o que fazer e como fazer, procurem formação, leiam, projectem, trabalhem, avaliem, etc. Ou seja, exijam a si próprios o que pretendem exigir aos alunos. Assim, há escolas com boas práticas e que conseguem desenvolver boas dinâmicas de trabalho e há escolas (infelizmente muitas) péssimas.
Por isso, quando a Fátima comenta que os alunos estão fartos de aprender a navegar na net e entupidos de informação, dir-lhe-ei: isso não é nada, isso é a pior interpretação do que é a área de projecto e está a perder-se uma oportunidade fundamental de ensinar os alunos a desenvolver as competências que refere: localizar a informação pertinente, avaliá-la segundo critérios de qualidade bem definidos, selecciona-la, organizá-la, apresentá-la, avaliar o processo desenvolvido, etc. Mas, poder-se-á objectar, como poderá o aluno saber qual é a informação pertinente se não tiver conhecimentos anteriores, por exemplo? Bom, é por isso que: a) o aluno trabalha sempre sob a orientação do professor que tem de o ajudar nesse processo até que a competência seja interiorizada e automatizada; b) o trabalho da escola não pode estar fechado dentro da sala de aula individual porque a área de projecto só funciona se tiver conteúdos reais, isto é, da física, da química, da história, das ciências da vida, do português e assim sucessivamente. Os projectos desenvolvidos pelos alunos devem estar relacionados com as matérias curriculares, devem fazer sentido e devem mesmo enriquecer os alunos. Se o aluno quiser investigar sobre parapente, nada tenho contra isso, mas deve fazê-lo fora do tempo de escola, a menos que a investigação sobre o parapente lhe permita aplicar conhecimentos fundamentais de física e de matemática. Isto é difícil de fazer, dá muito trabalho, implica dizer não aos alunos, impor limites e nem sempre aparecer como o professor “fixe”? Claro que sim. Mas também já tenho anos de experiência suficientes para recolher dados empíricos que me permitem observar que quando os alunos trabalharam adequadamente na área de projecto e trabalharam, efectivamente, competências básicas de apreensão e construção de sentido, têm uma capacidade de aprendizagem e uma motivação para aprender muitíssimo mais desenvolvida do que aqueles que aprenderam apenas a recorrer a estratégias de memorização e repetição. Nestes alunos, não são só as estratégias pessoais de aprendizagem que são ineficazes, mas realmente, não aprendem nada, porque não atribuem valor intrínseco a nenhum dos conhecimentos que lhes são apresentados.
Maria Rodrigues
cara Fátima
Obrigada pelo comentário. Na verdade, quando falamos em aprendizagem activa não a entendemos no sentido mais ususal, isto é, como aquela que implica uma não directividade e em que se atribui ao aluno uma motivação intrínseca para aprender que o levaria a procurar, a pesquisar, etc. O nosso entendimento de aprendizagem activa prende-se com a própria noção de trabalho cognitivo que é perfeitamente compatível com directividade e materiais estruturados. Não nos referimos a uma actividade do ponto de vista comportamental, mas sim a uma actividade cognitiva que se pode concretizar através da leitura e estudo de textos, por exemplo.Como diz e muito bem, o mais importante não é "os miúdos entupirem-se de recolha de informação na net"...o mais importante é que os alunos aprendam a seleccionar, organizar e a trabalhar o conhecimento.
caro José Oliveira
Talvez não tenhamos sido bem explícitas, mas a ideia é precisamente a de que a trasmissão de conhecimentos não tem nada de errado e de que é fundamental em qualquer processo de aprendizagem. A leitura e estudo de textos é uma das formas mais importantes de transmissão de conhecimentos. A nossa preocupação é mostrar que a aprendizagem e os métodos activos não têm que ser necessariamente construtivistas no sentido mais literal do termo. Ou seja, a aprendizagem activa depende do tipo de trabalho que se faz e isso pode exigir um grau elevado de directividade e de estudo.
Boa tarde Isabel:
Antes de mais, muito obrigado pelas suas respostas e pela disponibilidade em responder às questões.
Diz que "a leitura e estudo de textos é uma das formas mais importantes de transmissão de conhecimentos." Concordo absolutamente. Só através da transmissão da cultura acumulada ao longo dos séculos, poderemos aspirar a caminhar no sentido de uma melhoria. Uma educação que não aspire a uma melhoria não é educação!
Mas a questão que eu coloco é, penso eu, mais profunda. Tem a ver com Filosofia da Ciência e Epistemologia. Tem a ver com os paradigmas ou com as linhas orientadoras do ensino, que, pelo menos na minha experiência como aluno de uma ESE, nunca vi esclarecida de forma clara.
Desde o primeiro dia, do primeiro ano de aulas na dita escola, sempre nos foi ensinado o que era o construtivismo, e que teria de servir de base às nossas aulas. Eu não digo que isso seja errado, gostaria simplesmente de ver a questão mais esclarecida na formação de professores, sob pena de serem transmitidos como dogmas mortos, como diria John Stuart Mill . É só isso. Acho que todos ganhamos a discutir as coisas abertamente, o que muitas vezes não acontece durante as formações de professores.
Um abraço e um grande obrigado,
José Manuel Oliveira.
Cara Cristina
Todos estamos de acordo que os alunos devem ser o centro do processo educativo, independentemente do seu nível de escolaridade. A educação, o ensino só fazem sentido se estiverem centrados no aluno. Por outro lado, é, para mim bem claro, que a igualdade de oportundades tem que ser real e que, apesar das relações complexas entre a sociedade e a escola, esta última pode ser um meio de democratização e de mobilidade social. A questão está em saber qual a forma mais eficaz de colocar o aluno no centro do processo educativo e de, consequentemente, possibilitar uma escola para todos. Hoje sabe-se que métodos mais directivos podem beneficiar os alunos das classes mais desfavorecidas, contrariamente aos métodos ditos mais activos que vão de encontro aos alunos das classes médias/altas. Assim, estar no centro do processo educativo não implica que se deva centrar a aprendizagem na iniciativa e motivação do aluno, pois isso, perigosamente, pode beneficiar apenas os que têm mais motivação e iniciativa....
Cara Maria
Obrigada por ter completado o meu texto. Numa coisa deste género ficam tantas coisas por dizer, algumas delas fundamentais. Acho que tem o mérito de ter pegado em muitas delas...
Caro José Oliveira
Eu é que agradeço o seu interesse. Põe uma questão fundamental. É pena que se tenha tomado o construtivismo como a "teoria" oficial, sem sequer se discutirem muitas das questões e problemas que isso levanta. Sou co-autora de um trabalho, feito em colaboração com a Graça Bidarra, em que colocamos algumas dessas questões. Uma das mais importantes diz respeito ao facto de o construtivismo ser uma teoria do conhecimento e não da instrução o que pode levantar sérias dificuldades à sua extrapolação ao campo educativo; por outro lado, chamamos, também, a atenção para a diversidade de "doutrinas" que se inscrevem no dito construtivismo, o que está na origem da ausência de um corpo uniforme de estratégias pedagógicas e, assim, de inúmeros mal- entendidos.
Acresce, ainda, dizer que é pena que se ignorem outras teorias e, sobretudo, os resultados de investigações feitas no domínio pedagógico e que nos mostram que muitas das práticas construtivistas não são eficazes, nem servem os propósitos que dizem alcançar.
Ainda bem que posso contribuir para a discussão!
Já agora, estou a ler um texto que trata de algumas destas questões. Vem daqui:
http://journals.sfu.ca/paideusis/index.php/paideusis/article/viewFile/39/2
Se quiser aceder e não conseguir, eu posso enviar por e-mail.
Bom trabalho e bom fim-de-semana,
José Manuel Oliveira.
Cara autora do post, Sra Isabel Festas,
Com toda a minha simplicidade , embora todo o conhecimento seja uma construção do sujeito, na aprendizagem, mesmo em licenciaturas, os alunos vão é adquirir um corpo de conhecimentos que terão de integrar, assimilar e equilibrar, depois de adquirido o conhecimento necessário é que poderão" pensar" por eles próprios ,desenvolver o conhecimento e, mesmo em teses de doutoramento, precisam de uma direcção, caso contrário, não eram precisas universidades, nem escolas, nem sequer pais em casa.
Se, "simplesmente" se trata discutir os métodos pedagógicos e o corpo de conhecimentos a transmitir ( que é tão vasto, que não sei que há quem se queixe ), será uma coisa, mas, mais uma vez, continuo a achar incorrecta a separação hipotética entre classes sociais, partindo do princípio que as estruturas cognitivas humanas têm capacidades semelhantes e podem ser apenas afectadas em casos muito graves como uma criança fechada numa capoeira .
De qualquer maneira, suponho que o Ministério da Educação contrata equipas de psicólogos capazes de avaliar o ensino, por isso, eu dizia " cada macaco em seu galho".
Tão simples como isso.
De resto, eu não posso aprofundar a discussão, reconheço que não tenho competências para tal.
Agradeço as palavras dirigidas.
Obrigada a todos pelos comentários, particularmente à autora do post pela gentileza da resposta.
Quando me referi ao exemplo da AP e das metodologias não directivas que normalmente aí são utilizadas nesse espaço é com conhecimento de causa uma vez que investiguei nessa área, particularmente porque me interessava, não a área em si, mas sim o contributo dessa área para compreensão da transversalidade do currículo. A verdade é que os professores reconhecem algumas vantagens da área, mas não estão munidos de competências para trabalhar nela. A motivação dos professores é outro problema; a colegialidade outro, e por aí fora…
Em abono da verdade, todos os professores, de qualquer área do conhecimento, deve dominar vários métodos e estratégias de ensino. E deve recorrer a um ou a outro consoante o que melhores resultados produzir na situação em causa. Pedro d’Orey da Cunha explica muito bem isso em relação às lacunas deixadas pela lei no que respeita à relativização dos valores. Na ausência de modelos para atingir objectivos educacionais desta natureza, de transmissão de valores de índole moral, ele propõe alguns métodos que aqui só vou enunciar: (1) Método da narrativa; (2) Método da clarificação dos valores; (3) Método da discussão de dilemas; (4) Método da problematização.
Acresce dizer que os vários métodos apresentados, não seguem uma única linha orientadora. Temos métodos mais próximos de uma linha humanista e temos métodos mais próximos de uma linha naturalista.
Há autores que consideram que uma educação humanista se opõe a uma educação naturalista. Discordo em parte. Talvez não seja assim tão estanque que tenhamos que enveredar por uma via de ensino ou por outra via (em termos de exclusividade). Em certas situações e com certos alunos pode dar mais resultado um método, em outras situações e/ou com outros alunos os mesmos métodos podem ser um perfeito fracasso. O professor deve ser suficientemente inteligente para prever situações complexas e se for o caso mudar de métodos quando uns não estão a resultar. Acho que neste campo há umas ponte por construir… mas como diz uma amiga, investigar ajuda!
Quanto à Organização e Gestão de Projectos de Escola, naturalmente que este é outra chaga da educação. Enquanto se produzirem projectos para cumprir normativas burocráticas, para “inglês ver”, neste caso para a Inspecção ver… e não por necessidade, não estaremos a contribuir para o esbatimento das clivagens sociais (Steiner e Ladjali, 2005); o mesmo é dizer, estamos longe da concretização dos princípios organizativos do sistema educativo previstos na actual LBSE (2005)«igualdade de oportunidades para ambos os sexos»; «assegurar o direito à diferença»; o «combate às assimetrias locais e regionais»; «descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas»... (Cf. artº 3, alíneas a) a l).
O professor João Barroso a propósito dos discursos eloquentes que têm atravessado as duas últimas décadas governativas, no âmbito da educação, mais propriamente em relação ao tema autonomia das escolas fala de “uma ficção necessária”. Um tema que merece ser explorado. Para finalizar que já me alonguei, com maior ou menor intervenção da Tutela, caberá sempre à escola, no seu quadro de autonomia, fazer essa gestão adequada, tornando-se deste modo responsável pela qualidade de ensino prestado à sua comunidade, contribuindo assim para um maior sucesso das aprendizagens dos alunos, e uma maior eficácia da instituição educativa.
A propósito da compreensão (ou não) dos textos, aqui fica uma crónica que, de vez em quando, desenterro e acompanho com uma imagem da autoria de Scott Adams
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OS NOSSOS ELBONIANOS
A PRINCIPAL PREOCUPAÇÃO de quem escreve - nomeadamente crónicas e artigos de opinião - é a de ser claro, para que não possa haver dúvidas sobre o que diz ou quer dizer.
Ora, para ser bem sucedido, tem de ter em atenção o expectável universo dos seus leitores, pois o mesmo texto poderá não ter a mesma receptividade (e compreensão) por parte dos do «Jornal de Letras», do «Correio da Manhã» ou dos que só lêem jornais desportivos.
A Internet (em geral) e a blogosfera (em particular), porém, tornaram de pouca valia tais cuidados, pois qualquer pessoa pode aceder a qualquer texto - o que, em si mesmo não teria mal nenhum se não se desse o caso de, por vezes, dar origem a mal-entendidos desagradáveis.
Assim, a solução (e a tentação...) pode ser a de nivelar por baixo a qualidade dos textos, procurando uma espécie de máximo divisor comum embora, eventualmente, em detrimento da qualidade literária.
Mesmo assim, há casos perdidos: é possível escrever alhos (recorrendo à linguagem mais chã) e vir alguém esgrimir contra bugalhos. E a experiência mostra que de pouco adianta argumentar com esse alguém, pois, se não percebeu o texto inicial, também dificilmente entenderá os argumentos em sua defesa - mesmo que esteja de boa-fé.
Aliás, Scott Adams (o genial criador de Dilbert) já abordou esse problema (pois também ele, amiúde, se depara com leitores idiotas ou semi-analfabetos) recorrendo aos elbonianos, umas personagens que criou para esse e outros efeitos:
Numa tira, que ficou famosa, um desses imbecis diz para outro que tal:
-Já aprendemos a escrever. Agora, vamos aprender a ler!
Professora Isabel:
Não me poderia indicar, por favor, o título do trabalho que mencionou. Gostaria muito de o ler.
Obrigado,
José Manuel Oliveira.
Caro José Oliveira
Refere-se a que trabalho? Ao que tenho com a Graça Bidarra? Foi publicado na Revista Portuguesa de Pedagogia, 2005, nº39(2). Se me enviar o seu email, terei todo o gosto em lho mandar. Um abraço
Olá professora!
Obrigado pela resposta.
O meu E-mail é: zemaneloliveira@gmail.com.
Além disso estou a ler um trabalho de uma revista Canadiana de Filosofia da Educação que questiona alguns pressupostos básicos do Construtivismo. Se quiser, eu envio.
Mais uma vez muito obrigado pela sua atenção.
Um grande abraço,
José Oliveira.
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