Numa escola de excelência, orientada para os conteúdos cognitivos centrais, os estudantes adquirirão um conjunto de valores que não são explicitamente leccionados, nem sub-repticiamente “sugeridos”, mas que são constitutivos da própria actividade cognitiva de excelência. Esses valores são os seguintes:
1) Espírito crítico: valorização das provas e da argumentação, distinguindo-as cuidadosamente da tradição e da autoridade.
2) Valorização do estudo cuidadoso, informado, imparcial e objectivo, distinguindo-o da opinião avulsa, desinformada, parcial e aleatória.
3) Honestidade intelectual.
4) Aceitação das regras da discussão racional de ideias.
5) Amor pela verdade e pela precisão.
6) Curiosidade intelectual.
7) Criatividade.
Estes são valores constitutivos da actividade cognitiva de excelência. Mas não são valores desta ou daquela perspectiva — não são valores como a ecologia ou o respeito pelas minorias. São valores fundamentais, mais básicos. Valores cuja observância permite descobrir os outros valores, se pensarmos e estudarmos correctamente. É por isso algo irónico que uma escola que pretenda preparar para a cidadania tenha como primeiras vítimas estes mesmos valores fundamentais, ao abandonar a orientação fundamentalmente cognitiva do ensino, transformando-o em doutrinação — ainda que bem intencionada.
Quando a escola falha, são os próprios professores que não pautam a sua actuação profissional por estes valores, e portanto não os transmitem implicitamente aos estudantes. Quando alguns dos seus estudantes se tornarem por sua vez professores, gera-se um círculo vicioso deletério, com efeitos gravíssimos para a solidez cognitiva de uma sociedade. Será difícil romper este círculo, mas não impossível.
sábado, 21 de abril de 2007
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13 comentários:
Ao longo de trinta anos, ensinaram-me (ou tentaram, pelo menos) que pode haver desenvolvimento de competências, mesmo sem o estudo dos conteúdos. "Não é importante saber. Importante é ter o telefone de quem sabe" e outras expressões deste tipo. Muitos de nós quase esquecemos que pode não haver linha. Os Alunos usam maquinetas para somar e subtrair. Tudo seria legítimo, se eles conseguissem construir uma máquina de calcular em menor tempo do que leva resolver a operação. "Aprender pelo coração" é outra treta, motivação externa é uma tretíssima, etc., etc..
A avaliação tropeçou num amontoado de parâmetros imprestáveis, (dificílimos de fazer entender aos Alunos e aos Pais) aos quais (parâmetros) foram sistematicamente atribuídos pesos pavorosos, como, por exemplo, 30 por cento para a componente não cognitiva, apenas com o intuito de tentar reduzir a proliferação da indisciplina, quer dentro das salas de aula, quer dentro das cabeças dos aprendentes. A palavra "ensinar" quase desapareceu. Hoje ninguém "ensina" nada, ou poruqe realmente não sabe, ou porque pedagogos conceituadíssimos acharam a palavra um desprimor. Por mim, quando começo a frequentar uma acção de formação e o formador cai naquela de nos dizer que não vem ali ensinar nada, tenho tendência para acreditar e nunca mais lá vou, ainda que tenha absoluta necessidade dos créditos. Quando, no final da formação pergunto aos resistentes o que foi que lucraram, eles respondem invariavelmente: 2 créditos. Fiz bem em sair a tempo.
Como professor o ano passado numa escola com imensas dificuldades e fortes lacunas de base e instigado a não chumbar 90% dos alunos por lacunas que traziam dos anos transactos e irreversíveis, fui encorajado e praticamente obrigado a fazer um programa de estímulo à sua criatividade e a valorizar as suas competências e a sua experiência e a maneira de contornarem e resolverem os problemas. «O ideal é eles "desenrascarem-se" e não propriamente debitar informação que eles depois esquecerão e nunca mais usarão na vida.»
Acho que o ideal seria uma mistura de ambos. Dar a informação base e depois ensinar a pensar e articular o conhecimento adquirido para que este se torne útil para a vida prática daquelas crianças.
De que me serve ensinar-lhes a ler uma pauta se eles nunca tocarem na vida? Mas também que me serve pô-los a tocar de ouvido sem eles saberem ler uma pauta? É este o dilema que tem de ser resolvido. Nem uma coisa nem outra.
P.S. Especialmente para o Dr. esidério, gostaria de ler um artigo sobre o recente "abolimento do limbo" na igreja católica. Faz-me certa confusão como certas instituições tão "dogmáticas" possam mudar os "dogmas" quando mais lhes convém. Não percebo de teologia e fiquei a nadar nestes critérios. Afinal se o limbo era desnecessário para que foi criado? ou fez sentido estes séculos todos e agora já não faz porquê? Ou foi um erro de interpretação dos dogmas estes séculos todos... há muitas questões curiosas do ponto de vista metodológico/teológico/filosófico para mim no ar que gostaria que fossem afloradas.
Olá Desidério!
Penso que o grande problema das competências passa, principalmente por se ter subordinado tudo a elas. Diz a literatura do Ministério que as competências envolvem conteúdos cognitivos, éticos, morais, comunicacionais, entre outros, que são postos em acção.
Ora esquecem-se que qualquer saber, para que seja posto em acção tem de ser adquirido. Não vale a pena tentar começar a casa pelo telhado: isso só causa ainda mais confusão.
Além disso, concordo consigo quando diz que a escola deve fornecer um conjunto de valores que permitam a aquisição consciente e crítica de todos os outros. Resta é saber se os pais e os alunos encaram estes valores como importantes. Caso contrário estamos aqui a pregar aos peixes.
Cumprimentos,
José Oliveira.
Tristemente, este círculo vicioso de que fala o Desidério a propósito do ensino, estende-se a praticamente todos os domínios da vida pública do nosso país. A tendência para a mediocridade, apenas tem gerado mais mediocridade.
As empresas portuguesas são claramente das mais mal geridas do mundo (note-se a propósito o ciclo interminável de crises económicas nos últimos 30 anos, face ao mesmo período em Espanha). O corolário lógico está à vista: incapacidade de modernizar, desemprego, fuga às obrigações fiscais, crimes de colarinho branco, congelamento de salários, falências em massa, entre muitos outros inúmeros exemplos.
A administração pública (vulgo estado) é claramente a mais incompetente da União Europeia.
A administração fiscal além de cara e injusta, tem demonstrado nos 2 últimos anos a dimensão da sua incapacidade e incompetência, quando anuncia como um (pseudo) sucesso a cobrança record de dívidas fiscais atrasadas. Então onde estava ela no momento em que esses impostos eram devidos?
Em todos estes sectores, historicamente se têm feito dezenas de diagnósticos e gasto rios de dinheiro em consultorias várias, que invariavelmente desaguam na necessidade de reformas. Mas de uma forma frustrante, essas acabam sempre por não ser realizadas, porque necessitam de investimentos e recursos de que o sector, ou o país nunca dispõe.
Pergunto-me se essas reformas críticas e há muito diagnosticadas, serão menos importantes do que a construção de um novo aeroporto, que pelo que se tem lido não serve para nada, ou até do que a construção de um outro provisório, até que aquele fique concluído? É que neste caso(s) parece que a falta de dinheiro não é obstáculo, para o desígnio "maior" de deixar obra feita.
Claro que não é por acaso que estas coisas acontecem. O falhanço do ensino diagnosticado pelo Desidério é muito provavlemente na história mais recente do país, a maior e mais importante causa, de todos estes ciclos viciosos ameaçarem continuar "ad eternum".
Mas a grande questão é saber como interromper o ciclo vicioso? Tomando o caso do ensino, como ponto de partida adequado para que dentro de 2 gerações possamos ter cidadãos de direito e responsáveis. Como intervir/agir agora, para interromper um ciclo vicioso e transformá-lo numa espiral ascendente?
Outra questão que me ocorre complementar daquela, é onde exactamente intervir/agir no ensino, para obter os melhores resultados (e não necessariamente os mais rápidos)?
"o que nasce torto jamais se endireita" o meu avo ensinou-me isso.
para mim, é um facto cientifico que nunca vi negado pela expriencia.
se souber como romper o ciclo avise sff
Esqueci-me de pôr um link no post para a proposta de solução do problema:
http://dererummundi.blogspot.com/2007/04/uma-escola-de-excelncia.html
Viva,
João Miranda,
disse umas verdades, de forma coerente, realista e frontal. Creio que é importante assumir a realidade e possuir consciência firme dela. Todos possuímos experiências hilariantes nas acções de formação. No ano passado frequentei uma que foi uma vergonha, apesar de muitos colegas acharem a experiência muito boa. Sem qualquer rigor, foi uma espécie de grupo de alcoólicos anónimos. Chamava-se "ensino de adultos", mas o que andamos a fazer foi qualquer coisa como terapia de profes desamparados pelo sistema, todos sentados em circulo a contar a experiência das suas vidas, qualquer coisa como um desabafo de angústias, uma coisa mística. Senti-me verdadeiramente ridículo! Afinal para que me serve uma coisa daquelas para ser melhor professor?? Bem, começei a pensar que o melhor mesmo é estudar e tornar-me eu próprio, formador.
Um aspecto igualmente curioso é que numa grande maioria de reuniões de avaliação os professores estão cerca de uma ou duas horas a discutir as questões psicológicas e comportamentais dos alunos, com efeito, essa parte merece 20 ou 30% da sua avaliação final (pelo menos no secundário), ou seja, estamos todo o tempo a discutir um terço da avaliação. Depois (já sei que vou levar umas "porradas" por dizer isto, muitos professores limitam-se a organizar o trabalho cumprindo as formalidades devidas e investindo pouco na sua formação pessoal. Há pouca iniciativa. Tal como se comentou aqui, este é um mal que se manifesta em todos os sectores sociais e que se reproduz à velocidade de um tornado.
Não há aí um Eça de Queiroz para nos iluminar mais um pouco?
Abraço
Rolando Almeida
Como sou razoávelmente optimista acredito que ainda deve haver quem não se tenha esquecido que, apesar da palavra "ensinar" estar um pouco fora de moda, continuam e existir alunos que querem aprender. Por vezes e movidos por uma forte curiosidade, aparecem os que querem aprender de tudo e isso pode virar-se contra eles, ou seja entre outras coisas o sistema de ensino está preparado para aos 14 anos, numa idade em que o mundo lhes está a entrar pela vida dentro, os alunos já terem decidido se preferem a área de humanidades ou a de ciências, até porque (nivelando por baixo) se espera que tenham dificuldades a uma delas. Caso tal não aconteça, correm o risco de se enganarem à primeira. No meu caso e depois de assumido o erro (o que não foi fácil) só me restou uma possibilidade, depois de terminada a área de humanísticas (contra tudo e contra todos), voltar para trás e fazer a de ciências. Devo dizer que nunca me arrependi muito pelo contrário, e que na minha opinião a palavra "irreversível" é que devia ser eliminada do sistema de ensino. Fica também provado que o que nasce torto também se pode endireitar, ou não esteja eu a comentar o post de um filósofo quando filosofia foi a única disciplina a que "chumbei" na vida.
guida martins
PS: Abstenho-me de propósito de dar a minha opinião em relação aos variadíssimos professores que fui encontrando, incluindo os universitários, digo apenas que também existem os bons.
Guida, é precisamente por casos como o seu e por outros motivos que sou contra a ideia de fazer os estudantes fazer escolhas desde cedo -- tanto em termos de vias de ciências/humanidades como em termos de vias académicas/profissionais. Quem defende isso não conhece a realidade e acredita num determinismo falso: as pessoas mudam, pura e simplesmente.
Só para dizer que quando digo que não me arrependo de ter voltado para trás, quero dizer que se fosse hoje voltava a fazer as duas áreas e não apenas a de ciências.
guida martins
Exactamente, professor Desidério, as pessoas mudam e por isso tenho esperança que os professores também mudem a opinião que por vezes parecem ter de si próprios (infelizes e perdidos num mundo em que ninguém os compreende) e dos seus alunos (infelizes e com um único propósito, o de lhes complicar a vida). Felizmente também há muitos que não precisam de mudar coisa nenhuma.
guida martins
Guida: eis outro dado importante. A Guida teve a vantagem de poder fazer as duas áreas e hoje acha as duas importantes. Eu também acho. Considero ridículo começar a especializar-se os estudantes, fazendo-os abandonar disciplinas centrais só porque vão para uma ou outra via. Considero que deviam manter-se sempre as disciplinas centrais -- história, literatura, línguas, matemática, ciências da natureza, economia, filosofia, geografia -- podendo então o estudante ter outras disciplinas mais especializadas consoante os seus interesses.
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