quinta-feira, 22 de março de 2007

A teoria errada de Darwin


O que distingue a ciência de outras formas de conhecimento e de descrição da natureza é o teste dessas ideias através da observação controlada ou da experimentação. Alguns ataques dirigidos por sectores criacionistas, mas não só à teoria da evolução e ao darwinismo passam por considerar que os cientistas, seus defensores, são tão dogmáticos quanto os seus detractores. Tal não é verdade.

As teorias científicas têm uma vida mais ou menos longa conforme constituem melhores ou piores explicações da realidade de que fazemos parte. Darwin formulou uma teoria errada que acabou por ser posta de lado e abandonada pela ciência: a teoria de hereditariedade que designou por Pangénese.

O autor da ‘Origem das Espécies’ necessitava que as características dos organismos fossem herdáveis para que pudessem ser seleccionadas pela selecção natural e mantidas nos organismos. Como afirma na ‘Origem’, “Any variation which is not inherited is unimportant for us”. Contudo, a realidade é de uma enorme complexidade. Há organismos, como as planárias ou grande parte das plantas, que se conseguem formar a partir de uma pequena parte de tecido. Na época não havia uma teoria da informação e não era fácil imaginar como se poderia manter a informação necessária para produzir um organismo em cada parte, em cada órgão, em cada célula. A revolução molecular estava a um século de distância.

Assim, Darwin formulou uma teoria, da pangénese, herdeira de uma tradição com dois mil anos - já que Aristóteles teria formulado algo semelhante - que considerava a formação de pequenas unidades ou gémulas em todas as partes do organismo, ao longo da sua vida, que se dispersavam pelo corpo e eram enviadas também para os órgãos reprodutores. Animais com falta de membros poderiam ser explicados pela falta de algumas dessas gémulas nos tecidos reprodutivos. Imerso numa quantidade impressionante de exemplos complexos e difíceis de explicar à época, misturando genética, embriologia, com fisiologia (o facto de certas fêmeas de aves, quando castradas desenvolverem características masculinas, entrava na categoria das regressões de características hereditárias), Darwin não conseguiu encontrar uma explicação acertada para essa variação.

Darwin não foi tão ousado para a considerar uma teoria e chamou-lhe a sua hipótese na obra “Variation of animals and Plants under domestication” (1868). Esta teoria da hereditariedade veio a revelar-se errada. A teoria correcta foi formulada por Mendel, na mesma altura (1866), embora Darwin não tenha tido conhecimento dela.

A teoria da pangénese foi abandonada porque não era uma boa explicação da realidade. A teoria de Mendel é aceite porque explica bem essa realidade. Milhares de experiências realizadas suportam-na, são concordantes com as previsões da teoria. A teoria da selecção natural goza do mesmo estatuto: tem sido sucessivamente comprovada pelos factos e pelas experiências. Se quisermos um exemplo bem dramático e actual podemos lembrar a evolução do vírus da SIDA!

O que determina se uma teoria é científica ou não é se ela pode ser testada. Quantas ideias não aguentam um simples teste?

14 comentários:

Cristina Melo disse...

Em suponho sempre que na ciência existem valores "espirituais", a procura isenta da verdade. Mas, tristemente, há pessoas a "praticar" ciência sem saber o que é, sem honestidade intelectual. Ainda estou por descobrir os seus porquês ...

Zyriab disse...

A proposito do comentário de "cristina melo", sugiro outra reflexão, sobre algo semelhante.
O que dizer de algumas ciencias onde se encontram "debitadores" de ideias, quase dogmáticos, que o tempo insiste em provar o quão errados estão. Sem indicar nomes. A teoria de construção de blocos de apartamento perpendicularmente às ruas, surgiu de um sociologo francês que achava que assim se aumentava a integração em bairro das diversas etnias e culturas. A unica coisa que serviu foi para aumentar o tamanho dos "campos de batalha" e a insegurança nessas ruas cheias de esconderijos, além de outros problemas.
Os "dogmas" da economia por exemplo, até fazem escola. Como explicar que sobre o mesmo assunto, a mesma ciência tenha visões antagónicas?

Rui M disse...

os criacionistas nunca devem ter ouvido falado da Pangénese senão já tinham espalhado por todo o lado coisas como: " se ele se enganou uma vez, quem é que vos garante que ele não está enganado em relação à evolução?"

Nuno J. Silva (aka NJSG) disse...

Sempre me irritou foi a persistência que algumas pessoas, e algumas seitas, têm em refutar teorias simplesmente porque querem. Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, e muitos outros, incluindo, obviamente, Charles Darwin. Foram todos eles apontados a dedo como se tivessem morto alguém.

Uma verdadeira evolução da espécie humana seria garantir que todos os indivíduos soubessem analisar as ideias e teorias apenas tendo em conta o seu próprio conteúdo, não interessando a identidade do seu autor, nem aquilo em que se acredita.

Até porque sem bons contra-argumentos não se pode discutir, investigar e chegar a um consenso que corresponda o melhor possível à realidade.

Paulo Gama Mota disse...

A melhor forma de comprovar uma hipótese ou teoria - por interposta hipótese - é através de uma análise experimental. Nas ciências humanas são raríssimos os casos em que se pode experimentar, controlando variáveis de uma forma mais exacta. O resultado é que as inferências, feitas a partir de correlações ou construção de modelos que não podem ser testados experimentalmente, são menos sólidas. Erra-se com mais frequência.

Depois, há os maus cientistas.

Paulo Fassina disse...

O que não pode ser provado racionalmente então não pode ser verdadeiro?

Eurydice disse...

Samambaia, poderá ser verdadeiro, mas não será científico... diria eu!... :)
Sobre as ciências humanas, lembro-me sempre de quando nos prometiam a civilização do LAZER, que vinha aí graças às automatizações... e que teríamos de educar as crianças para essa mesma mudança... Esses simpáticos visionários esqueceram que teríamos de continuar a ganhar o pãozinho integral de cada dia!...
Confesso que não sei que pensar de quem inventou e defendeu com unhas e dentes tal coisa! ;)

Helena Serrão disse...

também já aconteceu, numa aula, ensinar a teoria de Darwin e, posteriormente ter tido problemas com os pais de uma aluna (testemunhas de Jeová) que se insurgiram contra a veracidade do que se estava a ensinar defendendo veementemente que DEus era criador e único responsável! Penso que a Ciência faz mais sentido que os dogmas da religião, e de modo nenhum a religião pode ou deve interferir na evolução da ciência.

Anónimo disse...

Caro Paulo Gama

Tenho um pequeno texto no meu blog
http://www.filosofodiletante.blogspot.com/

sobre este problema que tão bem coloca. É uma abordagem filosófica do problema e, julgo, bem sustentada. Ficava-lhe no entanto grato se me pudesse dar a sua opinião.

Saudações

Fred

Anónimo disse...

Só agora é que li isto:

«A melhor forma de comprovar uma hipótese ou teoria - por interposta hipótese - é através de uma análise experimental. Nas ciências humanas são raríssimos os casos em que se pode experimentar, controlando variáveis de uma forma mais exacta. O resultado é que as inferências, feitas a partir de correlações ou construção de modelos que não podem ser testados experimentalmente, são menos sólidas. Erra-se com mais frequência»

Foi escrito pelo autor do artigo e parece-me claramente falso. Primeiro, as ciências (ditas humanas, com carácter de humanidades?) seguem cada vez mais uma metodologia experimental, trabalhando-se com dados precisos, estatísticas, etc. Segundo, as ciências (ditas exactas) tem montes de hipóteses que não são “experimentáveis”. Terceiro, a ideia de que o que não é experimentável tem maiores hipóteses de ser falso é falsa. O que se pode dizer é que não se pode detectar se é verdadeiro ou falso, mas daí não se segue que seja falso.

E depois não podemos confundir o falso com o implausível. Os cientistas (exactos, da hard-science) mais distraídos, ou dogmáticos, têm a grave mania de confundir o verdadeiro com o plausível e o falso com o implausível. Tal confusão tem de ser desfeita. A ciência (exacta) não apresenta necessariamente resultados verdadeiros, mas sim resultados muito plausíveis e pragmaticamente eficientes. Mas daí não se segue a Verdade. Até pode seguir-se, mas não como pretendem. É preciso mais qualquer coisa: tipo, um sistema que seja auto-imune aos dogmatismos científicos e que avalie a partir do exterior do núcleo duro da ciência o próprio método e resultados científicos.

Mas não estou a ver o núcleo duro a tornar-se mole a estes argumentos ou a pressões vindas do exterior :). Há certamente feudos no interior do pensamento científico que pensam, também por certo, que quem não é cientista não tem competências para avaliar o método e os resultados da ciência (experimental). Acho que isto é um erro. Não preciso de ser-se canalizador para verificar se um cano está a funcionar bem.

Saudações

Fernando Martins disse...

Fred Solon:

Conhece o livro "O Discurso Pós-Moderno contra a Ciência", de António Manuel Batista...? Leia-o e depois venha para aqui falar da diferença entre algumas ciências...

Anónimo disse...

Fernando Martins:

Conheço sim senhor. E daí? Já agora, já leu a condição Pós-moderna do JF Lyotard? Então leia e depois venha falar-me na infalibilidade e supeioridade da ciência. E também lhe fazia bem ler umas coisas do thomas Kuhn e do Thomas Nagel...

Camarelli disse...

fred sólon:

como é que, tendo lido bem a citação que expõe, ao ponto de reescrever a «ideia de que o que não é experimentável tem maiores hipóteses de ser falso», conclui que o autor confunde «o falso com o implausível»?
«implausível» é assim tão diferente de «tem maiores hipóteses de ser falso»?

Anónimo disse...

matarbustos:

Não concluí tal coisa, parece-me. Tirei foi isto «a ideia de que o que não é experimentável tem maiores hipóteses de ser falso é falsa» disto «O que se pode dizer é que não se pode detectar se é verdadeiro ou falso, mas daí não se segue que seja falso». Deveria se calhar ter formulado melhor a ideia, dizendo: O que se pode dizer é que não se pode detectar se é verdadeiro ou falso *usando o método experimental*.

E depois acrescentei que «Os cientistas (exactos, da hard-science) mais distraídos, ou dogmáticos, têm a grave mania de confundir o verdadeiro com o plausível e o falso com o implausível». E isto é correcto, pois os cientistas mais fechados na "concha" da sua metodologia, e mais deslumbrados com os resultados plausíveis que obtêm, assumem logo que estão na posse da Verdade. E "Verdade" significa neste caso um conhecimento absoluto ou irrevisível. Esquecem-se que a própria natureza e metodologia da ciência manda evitar estas atitudes. Mas isto já é outra parte da discussão.

Saudações

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