domingo, 8 de setembro de 2024

MELANCOLIA

Por A. Galopim de Carvalho
 
Melancolia é o nome desta extraordinária escultura do romeno Albert György (nascido em 1949), que vi ontem, na página de Luís Osório. Eu diria que esta obra me esmagou e me atirou para trás, na cadeira onde, todos os dias, me sento aqui, frente ao monitor e revivi o estado de alma que a medicina diagnostica como depressão. Senti o terror (sim, terror é a palavra certa) de que ela pudesse um dia voltar. Recuei quarenta anos. Era então um homem na pujança física da vida e, de um dia para o outro.
 
Grande melancolia, eu gosto mais de dizer amargura. Incapacidade de sentir alegria e prazer sem saber porquê. Apatia e desinteresse por tudo ou quase tudo. Por tudo e, por nada, vontade de chorar. Incapacidade de estar onde quer que esteja. Falta de ânimo Ter de sair sem saber para onde. Incapacidade de conviver, de ler, de ver televisão e de ouvir música. Incapacidade de ser, no sentido de estar consigo próprio, Incapacidade de estar acordado, de estar vivo.

Não sou médico, mas sei o que é esta penosa e angustiante enfermidade. Sendo do foro psíquico, nas suas manifestações, penso que tem causas em distúrbios nos equilíbrios químicos que regem o comportamento cerebral. Não há psicologia ou psicanálise que lhe valha. O tratamento ou, melhor, as tentativas de tratamento fazem-se com químicos, isto é, com fármacos. Aí, pelo que me foi dado vivenciar, o psiquiatra que, julgo não tem maneira de saber quais são os químicos em desequilíbrio, actua por aproximações. Começa por ensaiar, no doente, um lote de dois ou três fármacos e aguarda o resultado. Grande sorte seria acertar à primeira tentativa. Mas não, os ensaios repetem-se, por assim dizer, ao sabor do acaso, até que um dia, eureka! Os últimos fármacos experimentados tinham reposto o equilíbrio químico até então perturbado. E, aí, de um dia para o outro, foi-se a tristeza, o desânimo, a apatia e o pessimismo. Voltou o ânimo, a alegria e o prazer esfuziante de conviver, de estar vivo.

Foi um tempo difícil de viver. Nunca deixei de trabalhar. Do mal o menos, estar ocupado por obrigação desviava-me da incapacidade de estar a sós comigo próprio. Cerca de um ano depois da primeira consulta, concluídas muitas experiências com doses de psicofármacos, todos eles nunca gastos até ao fim, ia eu ao volante, na estrada, a caminho de Sesimbra, senti prazer ao olhar aqueles grandes e frondosos pinheiros mansos que aqui e ali ladeiam a estrada. Dei por mim dentro do meu corpo e sorri, creio que pela primeira vez, nesse doloroso período. Dei por mim a gostar de ver o imenso mar que se nos depara na Ponta de Argéis.

1 comentário:

Anónimo disse...

Professor Galopim, prezo muito essa sua capacidade de ser gente, de confessar não uma proeza, mas um momento de desalento. Como dizia Álvaro de Campos: “Arre! Estou farto de semideuses!” Quanto mais humano e simples, mais admirável.

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