José María Romera, professor, articulista espanhol publicou ontem, dia 7, no Diário de Navarra (aqui) um texto que traduzimos e que, a seguir, reproduzimos. É um bom conselho. Dirá o leitor caso seja professor: impossível de acolher! A pressão do departamento, da escola, do ministério, da União Europeia, da OCDE... para cumprir, para cumprir, para cumprir... Pois é, mas, paremos e pensemos: o que é que realmente importa na educação escolar pública? O que é que um professor deve fazer para perseguir os fins que guiam (ou deveriam guiar) essa educação? Isaltina Martins e Maria Helena Damião
Caro amigo professor
que neste mês de setembro inicia um novo ano, receba, junto com a minha sincera solidariedade, um conselho que é, ao mesmo tempo, um desejo fervoroso: dirija todos os seus esforços para cultivar a atenção e a concentração dos alunos.
Se for necessário, esqueça os programas, salte partes do currículo, ignore os cantos de sereia das novas pedagogias e das antigas receitas dos professores e ria-se dos relatórios do Pisa.
Cada minuto de atenção que obtiver de seus alunos será um triunfo educativo sobre as pressões dos média e da vertiginosa dispersão mental dos videogames. Nenhuma aprendizagem é possível quando o avassalador mercado da distração proporciona aos alunos recursos ilimitados para abandonarem tarefas, passarem incessantemente de uma coisa para outra, viverem na impaciência, seguirem os ditames dos impulsos e serem escravos dos estímulos imediatos.
Não é fácil enfrentar tudo isso.
Neste mundo louco existem muitos profissionais que ganham dinheiro enfraquecendo a nossa capacidade de atenção. Ao ler estas linhas, há legiões de especialistas dedicados de corpo e alma à criação de ferramentas poderosas para reduzir ainda mais a já muito diminuída atenção das pessoas, para que se tornem mais vulneráveis às mensagens publicitárias, políticas ou recreativas das empresas para as quais trabalham. Esta perda, que geralmente consideramos um tributo inevitável do novo bem-estar tecnológico é, na verdade, uma luta feroz para dominar os nossos cérebros.
Quero dizer que se o [amigo professor] se dedicar na sala de aula a fortalecer a atenção dos meninos e das meninas que estão ao seu cuidado, não estará apenas a ajudá-los a dominar a matemática e a expressão escrita. Estará a construir pessoas livres, cidadãos conscientes, espíritos críticos.
Para isso não consigo pensar em arma melhor do que a leitura. Não desperdice a sua energia a lutar contra as telas omnipresentes, coloque as páginas nos seus devidos lugares. O ecrã do telemóvel proporciona superficialidade, imediatismo, distração, informação fragmentada, dispersão; a página de um livro é profundidade, concentração, coerência, profundidade, reflexão. Vale a pena tentar.
Tenha um ano feliz.
2 comentários:
De uma vez por todas, é necessário libertar a instituição pública Escola dos discursos opinativos casuísticos, ou, pelo contrário, demasiado generalizadores, que têm direito de existir e não há como evitar, mas que, infelizmente, são como ventoinhas numa superfície de pó, ou seja, não apanham o pó, nem contribuem para ver melhor o pó e o que ele cobre. São uma espécie de dissipadores de obscuridade e de poluição. Numa altura em que poucos são os que não passaram pela escola, poucos são os que não têm uma ideia ou representações do que ela é, ou do que deve ser. Cada um tenderá, naturalmente, a manifestar o que pensa sobre uma realidade que, legitimamente e por experiência direta, conheceu. Mas as experiências individuais e as conclusões que cada um pode tirar delas, têm o valor que têm, são subjetivas e muito parcelares acerca de uma realidade dificilmente abarcável, mesmo recorrendo aos métodos e técnicas científicos mais avançados para conhecer a Escola.
A dificuldade de conhecer a Escola é notória e é imensa. A Escola não é, nem de longe nem de perto, a minha escola, ou a tua escola, ou a escola deles. N inguém se atreve a fazer uma espécie de anatomia, fisiologia e neurologia da Escola, em geral, como instituição pública e particular. No entanto, como sempre acontece quando não sabemos o que as coisas são, toda a gente está à vontade para dizer o que as Escolas devem ser, o que as coisas devem ser.
Este é um tema que me é muito caro em cada abordagem que faço de qualquer assunto.
Se antes de lermos um texto tivéssemos alguma maneira de saber o que ele diz, isso evitaria que o lêssemos caso não nos interessasse.
Há uma dependência arcaica, tendencialmente diferenciadora e exclusivista, dos discursos linguísticos e da linguagem simbólica, da cultura livresca, focada no significado e no suposto valor da linguagem, que não deve ser promovido pela Escola, nem como sua principal razão de ser, nem como sua função primordial, nem como seu horizonte preferencial.
A Escola estaria condenada ao fracasso se fosse tão basicamente organizada à volta e por causa das aprendizagens especificamente dirigidas ao sucesso académico tal como ele é entendido num dado momento.
Aliás, é necessário libertar a Escola do academismo pernicioso em que alguns académicos bem sucedidos não devem ser apresentados como prova da sua bondade nem como justificação da sua eficiência. Julgo que todos sabemos que não é para isto, ou só para isto, que a Escola pública deve ser desenhada.
De qualquer modo, não me parece que a Escola alguma vez, fosse com que meios e recursos fosse, tivesse capacidade para realizar mais ou diferente do que aquilo que a realidade indivídual, social e cultural proporciona e permite operar.
Não há como dispensar os contributos das ciências humanas e sociais, nomeadamente as psicologias, as neurociências, as ciências da educação, a sociologia, e outras, não apenas para saber educar mas também como ensinar. E este requisito não é de somenos importância porque ao professor não basta ser especialista ou ter habilitações numa disciplina, ou área disciplinar, é necessário que, além dessa formação, seja professor. E ninguém é professor por defeito.
É preciso resistir!
Hoje, o senhor Ministro da Educação anunciou que vai acabar com o projeto Maia.
Viva Portugal!
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