Por A. Galopim de Carvalho
Foi muita a curiosidade que sempre tive por uma grande panóplia de assuntos. Na profissão, como docente do Departamento de Mineralogia e Geologia da Faculdade de Ciências de Lisboa, pertenci à última geração dos docentes que tinham de ministrar o ensino de quase todas a “cadeiras” (disciplinas) do Departamento, da Cristalografia à Paleontologia, passando pela Mineralogia, Geologia, Estratigrafia, Geomorfologia e outras. No doutoramento (que fiz nesta Universidade, em 1968), para além da dissertação a defender perante um júri, alargado a todos os professores catedráticos da Faculdade, o doutorando era interrogado sobre dois temas de entre todos os incluídos no universo científico e pedagógico do Departamento.
Como investigador, uma actividade complementar (eu diria obrigatória) da docência, a tempo inteiro, enveredei pela dualidade Geomorfologia apoiada pela Sedimentologia, um mundo que me abriu as portas à Geografia e me alargou os horizontes de uma ciência milenária. Foi assim ao longo de décadas, numa dedicação exclusiva, por vezes obsessiva, pelo que pouco tempo tive para sondar e, muito menos, enveredar por outros saberes.
Na sequência da jubilação, aos 70 anos, o Estado fez aquilo que é costume: atribuiu-me uma pensão e, como já escrevi, colocou-me na prateleira dos pensionistas, corria o ano de 2003. Só que eu não quis lá ficar. A meu pedido, ainda tive autorização para continuar por mais dois anos na direcção do Museu Nacional de História Natural, mas, depois, rua!
Há 21 anos que sou senhor do meu tempo e entendi continuar a servir o meu país e é público que o tenho feito em duas vertentes:
1. valorização e defesa do nosso património geológico, numa árdua “luta” contra a insensibilidade e desinteresse (leia-se ignorância) das administrações (há excepções, claro). Com o avançar da idade e as limitações físicas decorrentes, tenho diminuído consideravelmente esta “luta”, que felizmente não esmorece porque há continuadores;
2. divulgação científica pela palavra falada e escrita. Por decisão consciente, tendo em mente o que entendi ser um meu dever cívico, afastei-me da especialização que foi a minha, no meio académico (um saber que, com o passar dos anos, se foi naturalmente desactualizando) e enveredei pelo caminho da divulgação. Como divulgador que me assumo, direi que sou um generalista curioso de muitas “artes”.
Fazendo humor, lembro um dito, cuja autoria desconheço: «O especialista é aquele que sabe cada vez mais de um tema cada vez mais restrito, até saber tudo acerca de quase nada”. No campo oposto “o generalista é aquele que pouco ou quase nada sabe acerca de quase tudo».
“São muitos os leitores que comentam simpaticamente a diversidade de temas que encontram nesta minha página do Facebook.”
A propósito destes saborosos comentários sinto o dever de deixar aqui um esclarecimento.
Começo por dizer que uma coisa é “estar a léguas de possuir um conhecimento enciclopédico”, o que é o meu caso, outra coisa é ter uma curiosidade, quase obsessiva, por muitos domínios do saber, sejam eles: eruditos (como filosofia, história de tudo ou quase tudo e artes das mais diversas, sociologia, política) ou vulgares e, aqui, há uma “infinidade” de tecnologias, ofícios e artesanais que, desde sempre, estiveram na mira dessa curiosidade.
Como é natural, ao “meter a foice em seara alheia”, sempre que ouso falar de um assunto que não seja aquele em que fiquei profissionalmente rotulado, sujeito-me a reparos por parte dos cultores desse assunto. Neste aspecto devo esclarecer que a imensa maioria dos saberes sobre os quais gosto de escrever, está nos livros, noutros documentos ao meu alcance e na Internet que, criteriosamente, sei consultar. A experiência de quarenta e três anos a estudar para poder ensinar, habilita-me e encoraja-me neste caminhar que tem sido o meu, para quem, fins-de-semana, feriados ou dias de férias deixaram de fazer sentido como tal.
A minha sabedoria é, pois, a que fui adquirindo ao longo da vida, mais toda a que tenho acesso, numa infinidade de fontes ao dispor de qualquer um.
Posso, assim, escrever sobre tudo o que me der prazer.
A. Galopim de Carvalho
1 comentário:
Este post é, obviamente muito pertinente. Tanto especialistas como divulgadores (ou generalistas como são aqui chamados) têm um papel muito relevante para o progresso da ciência. Papéis diferentes, mas ambos absolutamente essenciais. Ainda assim, confesso não gostar de «O especialista é aquele que sabe cada vez mais de um tema cada vez mais restrito, até saber tudo acerca de quase nada” nem de “o generalista é aquele que pouco ou quase nada sabe acerca de quase tudo». Há casos na história da ciência (muito raros) em que aquele que sabe muito de «quase nada» foi o único do planeta que compreendeu algo vital. E, nesses casos, houve paradigmas a mudar. Tem sempre de haver alguém a tentar conquistar o «quase nada». Pode não parecer apelativo ou poético, mas é importante que seja feito. Por outro lado, «aquele que pouco ou quase nada sabe acerca de quase tudo» é uma afirmação recheada de uma humildade que não parece ser muito adequada. O bom divulgador é aquele que sabe com alguma profundidade muitas coisas sobre muitos assuntos; dessa maneira consegue relacionar, cativar e fazer analogias sem perder rigor de forma grosseira. É claro que não chega à profundidade do especialista que compreende o «quase nada» (expressão má de se dizer e escrever..). Mas, sem chegar a essa profundidade, dado ter uma visão muito abrangente e fundamentada, consegue explicar coisas para público geral com um grau de detalhe muito satisfatório. Sem abordar pormenores muito técnicos, consegue transmitir ideias certeiras. Em suma, a parte do texto de que falo parece algo redutora. Tudo o resto, como é óbvio, dado ao autor do post ser quem é, parece excelente (e, é claro, eu sou apenas um anónimo patético a dizer umas coisas; penso que o blog serve para isso).
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