Meu artigo no último As Artes entre as Letras:
O sonho da vida eterna é tão antigo como a humanidade. Culturas antigas falam da busca da imortalidade: por exemplo, o alquimista chinês Xu Fu, que viveu no século III a.C., empreendeu uma expedição ao chamado «Monte dos Imortais». O espanhol Juan Ponce de Léon, que descobriu a Florida, reportou uma fonte de juventude no Novo Continente, que se tonou lendária: a «fonte da eterna juventude». Os alquimistas ocidentais procuraram durante muito tempo o «elixir da longa vida» (a apalavra «elixir» deriva do nome árabe para substâncias milagrosas, «al iksir»). Mas a morte faz parte da vida: para que a evolução das espécies prossiga, é necessário que a vida dos organismos individuais se extinga. Os processos de envelhecimento são naturais e inevitáveis.
Ponce de Leon morreu com 61 anos, acima da média da época. O ser humano mais idoso comprovado até hoje foi a francesa Jeanne Calment (1857-1997), que morreu com 122 anos na localidade de Arles, no sul da França (as mulheres vivem, em médias, uns seis anos mais do que os homens). Por curiosidade, a portuguesa mais velha de sempre foi Maria de Jesus (1893-2009), nascida em Ourém e falecida em Tomar, que, quando morreu com 116 anos, era, embora há pouco tempo, a pessoa mais velha do mundo. A longevidade humana tem aumentado extraordinariamente graças aos continuados avanços na higiene, na nutrição e na medicina. Hoje sabe-se que, entre os fatores que contribuem para a longevidade, só cerca de 35% são genéticos. Os outros 65% são ambientais, estando relacionados com o estilo de vida. Conhece-se a correlação entre a longevidade e a geografia: foram identificadas as chamadas «zonas azuis» do planeta, onde as comunidades humanas têm em geral uma vida bastante mais longa do que a média mundial: elas vão do Japão (Okinawa) à Costa Rica (Nicoya) e Califórnia (Loma Linda), passando pela Itália (Sardenha) e pela Grécia (Icaria). França e Portugal são também países de grande longevidade.
A biologia ensina-nos muito sobre a longevidade. Sabe-se que o animal mais velho do mundo é uma tartaruga gigante das Seychelles, que tem 190 anos, e os biólogos tentam compreender porquê. O ritmo cardíaco está relacionado com a esperança de vida: animais pequenas como os ratos têm grande ritmo cardíaco, mas animais grandes como os elefantes e as baleias têm grande esperança de vida (os seres humanos fogem um pouco a esta regra, pois vivem mais tempo do que o previsto por esta simples regra biológica). Para viver mais, o tamanho 9mporta!
O jovem biólogo molecular dinamarquês Nicklas Brendborg discute estas questões e outras aparentadas num livro sugestivamente intitulado «As medusas envelhecem ao contrário» e subintitulado «Aprenda os segredos da longevidade com a Natureza», que a editora Contraponto acaba de publicar. Esse livro, apesar de ter conhecido algumas rejeições de editoras no país natal do autor (era o seu primeiro livro a solo, depois de ter colaborado na obra Supertrends: 50 things you need to know about the future, acabou, na sua versão em inglês, por alcançar um grande êxito, tendo sido traduzido, para além do português, em várias outras línguas. Foi mesmo nomeado finalista do prémio do melhor livro pela Royal Society de Londres, que é a maior distinção mundial para livros de divulgação científica.
Brendborgh escreve ao mesmo tempo com leveza e profundidade. Conta histórias, que prendem o leitor. Na parte I apresenta alguns dos animais mais longevos, como o tubarão da Gronelândia e as baleias também da Gronelândia, chama a atenção para a relação entre tamanho e longevidade (as mulheres têm o tamanho inferir aos homens: Calment era muito pequena). Aponta o curioso caso de pequenas medusas, com o nome científico de Turritopsis, que dá o título ao livro: nelas há por vezes um recuo do processo do envelhecimento . Temos de aprender com elas, se estamos interessados no «elixir da eterna juventude». Brendborgh escreve: «A Turritopsis pode muito bem ser um exemplo do santo graal da investigação sobre o envelhecimento – a imortalidade biológica.» Transmite a ideia, comum mas errada, da sobrevalorização da componente genética, enfatizando a importância do estilo de vida, isto é, das nossas escolhas: ele próprio se deslocou à Costa Rica para ver com os seus próprios olhos como funciona essa «zona azul».
Na parte II relata algumas «descobertas dos cientistas», com títulos atraentes como «células zombies e como nos livrarmos delas», «atrasar o relógio biológico» e «fio dental para a longevidade.» Analisa alguns dos segredos da longevidade, olhando para o mundo microscópico: as células e mesmo as moléculas da vida. Não se esquece de falar dos telómeros, as extremidades dos cromossomas cujo desgaste é um indicador da idade biológico. E também dedica algum espaço à doença de Alzheimer, uma das doenças associadas ao envelhecimento que está a crescer no mundo à medida que a esperança de vida aumenta. Sobre ela são cada vez mais os trabalhos de investigação, mas ainda não se conhece nenhum remédio suficientemente eficaz.
Na terceira e última parte, «Bons conselhos», o autor deixa algumas recomendações úteis, como «não comer para obter energia», «nutrição do culto da carga» e «o que pode ser medido pode ser controlado». Aí fala das vantagens para a longa vida da restrição calórica, presente no hoje popular jejum intermitente. Refere a pseudociência presente em muitas dietas da moda («culto da carga» é o nome que o físico Richard Feynman deu à imitação, sem qualquer êxito, de práticas para aterragem de aviões, que habitantes de certas ilhas do Pacífico fizeram no final da Segunda Guerra Mundial, quando os aviões militares deixaram de aterrar trazendo as suas cargas). E destaca a relevância para a longevidade de dois órgãos humanos, cujos danos podem acarretar a morte: o coração e o cérebro. Este é um livro para ler por quem queira viver muitos anos. Isto é, todos nós.
quarta-feira, 19 de junho de 2024
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