domingo, 16 de julho de 2023

UM DIÁLOGO ENTRE EINSTEIN E FREUD QUE DEVERIA ESTAR NA MENTE DOS EDUCADORES

Finda a Primeira Grande Guerra, foi criada, em 1919, a Liga (ou Sociedade) das Nações, para que, por via da cooperação entre os povos, "nunca mais" acontecesse uma tão grande tragédia. Entenderam os seus membros que os intelectuais poderiam contribuir para tal propósito e, assim, constituíram, em 1922, a Comissão Internacional de Cooperação Intelectual e, nesse contexto, em 1925, em Paris, o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (IIIC).

Fotografia de uma reunião plenária do IIIC em 1920, ao fundo está Albert Einstein (aqui)

Em 1931, o IIIC convidou Albert Einstein para dialogar com quem entendesse sobre a possibilidade da paz. Escolheu Sigmund Freud, não porque estivesse rendido à psicanálise mas porque via o médico como o melhor interlocutor para abordar o mistério da natureza humana. A carta que escreveu a Freud e a carta que este lhe retribuiu foram publicadas em 1933 num pequeno livro que saiu em alemão, inglês e francês.

As cartas podem ser lidas, em inglês, no sítio oficial da UNESCO, sucessora das ditas organizações, a partir das ligações disponibilizadas.

Em Portugal foram divulgadas em pelos menos três livros, que integra, a par, outras peças de grande interesse: um, de 2007, é das Publicações Europa-América; outro, de 2018, é da Edições 70; e outro, de 2017, é da Cultura Editora. Deixei este para último porque é o que aqui sigo. 

Felipe Pathé Duarte, Licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, especialista em geopolítica e segurança internacional, seguindo a estrutura das peças de teatro, faz preceder as missivas de um ensaio com o sugestivo título: "A natureza da guerra em três atos". 

Contextualiza e explica os textos; recua e avança tanto no tempo como no espaço, justificando a sua universalidade e intemporalidade; deixa referências bibliográficas centrais para quem queira saber mais. Em suma, torna vivo um diálogo que poderia sair da escrita de duas outras personagens da mesma craveira.

Deixo, de seguida, um breve apontamento sobre as ditas cartas.

Em 30 de Junho de 1932, Einstein perguntou muito directamente a Freud “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra? (...). Será possível controlar a evolução mental do homem de forma a torná-lo imune às psicoses do ódio e da destruição?”.

Desafia o interlocutor a explicar, tendo em conta o seu conhecimento da mente humana, se se pode afastar dela os piores sentimentos, sempre ligados à vontade de poder, aqueles que incompreensivelmente conduzem ao sacrifício da própria vida. Não se limitando à questão, avança uma proposta: criar uma instância internacional capaz de gerir os conflitos que surjam entre países e regiões.

A longa resposta de Freud, em Setembro de 1932, é que os homens, tal como os outros animais, tendem a resolver os conflitos por via da violência. São os elementos civilizacionais que podem estabelecer uma ordem alternativa. Explica que no ser humano se debatem duas tensões: as de morte e destruição e as de vida e preservação. É nestas últimas que a sociedade precisa de se concentrar, reforçando as relações humanas, valorizando a cultura.

Einstein põe a tónica na construção de uma maneira de viver "simples e calma", pois é ela que "traz mais felicidade do que a procura do sucesso num desassossego constante"; Freud afirma que "tudo o que promove o desenvolvimento da cultura também trabalha contra a guerra". Ambos põem a tónica no reforço e promoção daquilo que, como espécie, conseguimos construir de melhor.

Como se sabe, o mundo cairia em breve na Segunda Guerra Mundial e também a seguir a ela se afirmou "nunca mais". As organizações acima mencionadas reformularam-se dando origem a outras; intelectuais foram desafiados a resolver o enigma: como é possível o pior do ser humano despontar onde a cultura é mais refinada? Valerá ela de alguma coisa no propósito de pacificação? Feitas as contas, nas quais se inclui a realidade presente, seremos tentados a dizer que não. Ainda assim, precisamos de ter em mente o repto de Einstein e de Freud: não deixar de perguntar e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para "trabalhar contra a guerra".

Tal como eles, continuo a pensar que a educação é uma possibilidade poderosa, ainda que não seja a única. Por isso, o diálogo que travaram deveria ser lido e ponderado pelos educadores.

7 comentários:

Luís Fernandes disse...

É por estas e por outras que continuo a visitar este Blogue.
Muito obrigado.

Luís Henrique Fernandes

Anónimo disse...

Em Portugal, acredita-se que um forte investimento político-social na "recuperação das aprendizagens essenciais", primeiro passo rumo ao sucesso escolar e profissional de toda a população que se encontra debaixo do guarda-chuva da escolaridade obrigatória, redundará num estado de felicidade nacional que, por simples efeito de imitação, acabará por se espalhar e chegar aos confins da Terra, que assim se verá livre para sempre do flagelo das guerras. Conseguir uma "recuperação das aprendizagens essenciais" bem feita, e em tempo útil, poderá ser mais difícil do que parece à primeira vista, mas, uma vez vencida a inércia inicial, nada nos fará parar!
Infelizmente, há muitos estrangeiros q

Anónimo disse...

ue não querem saber das crenças dos educadores portugueses. Se nem a religião do amor entre todos os homens vingou, não acreditam que a "recuperação das aprendizagens essenciais", em Portugal, mesmo que um dia se venha a concretizar no terreno, traga a paz ao mundo.

Mário R. Gonçalves disse...

Concordo. Pode ser que a 'polémica' traga frutos.

Carlos Ricardo Soares disse...

Não estamos condenados às guerras. Algumas considerações sobre razões para esperarmos que as guerras acabem.
Abrir a ligação: https://carlosricardosoares.blogspot.com/2023/07/a-esperanca-de-acabar-com-as-guerras.html

Anónimo disse...

Estará Vossa Excelência pensar na redenção da Humanidade através da difusão da Filosofia do Ubuntu pelos quatro cantos da Terra?
Só posso aceitar as razões da sua esperança no estrito campo das hipóteses académicas. A realidade físico-química é feita de bombas de fragmentação que são boas enquanto só matam os maus!

Carlos Ricardo Soares disse...

A filosofia ubuntu, de que conheço apenas “eu sou porque tu és”, soa-me bem e parece-me empática e muito verdadeira, com uma carga positiva de sentido de gratidão e de reconhecimento dos valores da solidariedade. Já me soa mal e tem uma carga de hostilidade e de arrogância injustificável, uma certa ideologia, com tiques de mandamento novo, “tu és porque eu sou”, que grassa sem pudor nem vergonha, como erva daninha, que dá imenso trabalho a limpar.
No primeiro caso temos o sentido da solidariedade e do reconhecimento do tu em nós próprios. No segundo, uma incapacidade cultural, uma mentalidade preconceituosa erigida sobre pretensiosismos de superioridade. Temos que nos precaver contra a tentação de decidirmos que os bons são os amigos e os maus são os inimigos, ainda que uma larga maioria nao seja uma coisa nem outra. Por esse critério, no dia em que as bombas inteligentes souberem matar apenas os maus, talvez não sobreviva ninguém.
A religião cristã baseou-se na doutrina de que só a morte pode libertar e na crença de que, quem desfaz as cadeias, é o redentor. Sejam as que prendem pés, as que agrilhoam a cabeça sejam outras, por exemplo, obsessões perigosas, paixões que escravizam, situações de miséria, determinados códigos de honra. Também já ouvi expressões saídas do léxico da bruxaria, como “estar amarrado”, “ser vítima de mau olhado”, “excomungado”, “possesso”, “enjeitado”, “touro sem marca que não se sabe a que manada pertence”, “ovelha tresmalhada é presa fácil do lobo”, entre imensas outras que, em variadas situações, ajudam a interpretar e a verbalizar problemas individuais e sociais, de integração, de pertença, dignidade e respeito e de igualdade, ou a sua falta.
Redenção tem a ver com uma libertação humanamente impossível, não com a libertação da escravatura, que ocorria por vezes e era intensamente desejada, num mundo em que o mercado de escravos também podia ser uma oportunidade para o escravo, se fosse vendido e a troca de amo, de senhor, fosse vantajosa. Neste mundo, a libertação reduzia-se praticamente a ser comprado por um amo a outro.
Para os cristãos, estava claro e assumido que não havia esperança de liberdade, nem de paz, nem de justiça, em vida. Não podiam ser mais realistas e mais pessimistas. Sem este realismo e este pessimismo seria mais difícil fazer o cimento da crença na redenção divina.
Eu não sou tão pessimista e o meu realismo, que me dá esperança, é que o homem, que foi capaz de criar Deus, também há-de ser capaz de fazer justiça divina.

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 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...