sábado, 16 de junho de 2018

Há ciência fora do laboratório


Trabalho do curso de jornalismo na Universidade de Coimbra da autoria de Carolina Cardoso, no qual colaborei:


São comunicadores de ciência. Mas nem todos são cientistas. Têm o dom de comunicar e fazem-no com paixão. Sobem a palcos, saem à rua, escrevem para jornais, blogs, fazem vídeos para o Youtube, dão aulas, palestras ou workshops. Desde que se queira aprender, há para todos os gostos.

Em Portugal, o termo «comunicação de ciência» usou-se pela primeira vez em 1995, quando Mariano Gago foi ministro da Ciência e Tecnologia. Até essa altura, havia pessoas a praticá-la, mas nunca tinha sido valorizada.

Deve ser simples, sem ser simplista. Mas o que é ser simplista para uma criança de quatro anos? O diretor do Exploratório – Centro Ciência Viva, Paulo Trincão, explica que “falar de ciência para uma criança de quatro anos é ensinar-lhe que todas as ações têm consequências”. Isto pode ser Física, mas também pode ser Ética.

Como explicar o que é um ribossoma? David Marçal esclarece: “são as fábricas de proteína das células”. “Se as proteínas fossem monovolumes, o ribossoma seria a AutoEuropa”, brinca. Bioquímico de formação, o humor é a característica principal da sua forma de comunicar.

“A ciência é da sociedade, não é dos cientistas”, declara o diretor do Rómulo - Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais. É para isso que ela existe – para ser partilhada. E é isso que se tenta fazer neste que é um centro diferente da maioria. É um lugar de encontro. É um sítio para se estar. Enquanto que os outros centros Ciência Viva se baseiam na interatividade, através de experiências fáceis, informativas e divertidas, o Rómulo é uma biblioteca. Há mesas redondas, há janelas grandes, há livros de todos os saberes, há filmes, há colóquios, há informação.

A química do amor, a procura do elixir da juventude, o porquê das autópsias e o papel da ciência na investigação criminal são alguns dos temas apresentados por cientistas no ciclo de palestras que acontece no Rómul

Em muitos casos, nestes “ciclos de conversas” que acontecem tanto no Rómulo como no Exploratório, interligam-se as ciências exatas às ciências sociais. É uma forma de esbater esta fronteira, mas também de passar a mensagem de que a ciência está em todo o lado. O que significa o conceito de “sistema” para um sociólogo, um engenheiro informático ou um biólogo? De certo têm significados diferentes, mas há algo de comum entre eles.

“Se não compreendermos a realidade, ficamos mais suscetíveis a ser cidadãos passivos. A comunicação de ciência serve para vivermos em democracia”, considera o diretor do Exploratório. Já fez ciência pura, já foi diretor do Jardim Botânico e do Museu Nacional da Ciência e da Técnica. Hoje, comunica ciência no centro com mais experiências interativas de Coimbra.

 “Um bom comunicador de ciência não deve esmagar os outros com o seu conhecimento”, explica Paulo Trincão. Trata-se de uma relação bilateral. Assim, é suposto que a comunicação seja mais interrogativa do que informativa, de modo a que o público possa tentar encontrar as respostas por si próprio. E é neste momento que o comunicador “deve ser imensamente condescendente com o seu interlocutor”, sublinha o diretor do Exploratório, pois isso significa que o valoriza.

E como os cientistas não são todos loucos nem introvertidos, eles também sobem ao palco. Na companhia de teatro Marionet, as peças sobre ciência surgiram por um acaso, mas hoje são uma referência. A perfeição e a exatidão científica são dispensáveis, uma vez que os guiões são escritos por artistas e, como tal, há muita imaginação.

Em 2017, a companhia estreou uma peça dedicada aos sistemas corporais internos do ser humano: o respiratório, o digestivo, o reprodutor, etc. Desta forma, ensinaram ciência e fizeram arte. Em junho de 2018, vão estrear uma peça sobre os sistemas externos ao indivíduo, onde ele se inclui e se relaciona: o sistema político, o sistema económico, a propaganda, etc. Mais uma vez, os cientistas das Exatas e das Sociais juntam-se e, desta vez, através do teatro.

O diretor artístico, Mário Montenegro, conta que “o foco do teatro é falar de coisas que mexam com a vida das pessoas e a ciência mexe com a vida das pessoas”.

António Piedade, comunicador no projeto Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva, considera que o seu trabalho “é quase como transmitir uma boa-nova”. De facto, esta iniciativa pretende que os jornais regionais tenham disponíveis, numa plataforma na internet, conteúdos de comunicação de ciência, que possam publicar sem custos. Esta é uma forma de democratizar a ciência, de a fazer chegar a todos.

O jornalismo de ciência, a pseudociência e os riscos de uma má comunicação
“Nem todos os cientistas são bons comunicadores”, desabafa a coordenadora da Associação Viver a Ciência, Joana Barros, que considera este trabalho um “dever cívico”.
Por falta de jeito ou de gosto, nem todos os investigadores estão dispostos a isso. Então, essa tarefa acaba por cair sobre os jornalistas, que também têm o dever de anunciar as novidades científicas. O que acontece, porém, é que a maioria dos jornalistas não estudou nem biologia nem física nem química.

O jornalista de ciência tem que ser capaz de simplificar a linguagem científica sem lhe tirar o rigor. Para isso, tem que perceber muito bem do que vai falar.

O diretor do Exploratório lança a questão: “para se falar de ciência tem que se ser cientista, para se falar de loucura tem que se ser louco e para se falar da morte tem que se estar morto?”.

O coordenador do mestrado em Comunicação de Ciência da Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, António Granado, garante que “não é a formação cientifica que dá às pessoas a competência para escrever sobre ciência, mas sim a capacidade que elas têm de se interrogar”.

David Marçal escreve e faz as locuções para o programa «Um minuto de ciência por dia não sabes o bem que te fazia», transmitido na Antena 1 e na rádio Zig Zag. O comunicador considera a “pseudociência, isto é, as coisas apresentadas no espaço público como sendo científicas, não o sendo”, como um dos grandes problemas da comunicação de ciência.

“Escrever artigos citando apenas um estudo faz com que as pessoas não desenvolvam uma atitude crítica”, afirma António Piedade, que aponta este como outro dos erros do jornalismo de ciência.

Notícias como “o chocolate negro emagrece” ou “o tango é a melhor dança para o coração” são curiosidades “delirantes”, sublinha David Marçal. Este tipo de notícias engraçadas pode levar à propagação de mitos e mal-entendidos, consequência de uma falha no conteúdo transmitido.

Mas quando a falha é a forma, isto é, a comunicação mesmo, então, ela pode fazer com que as pessoas se afastem da ciência. Pode fazer com que elas não se fascinem e se aborreçam. Pode até fazer com que as pessoas coloquem os avanços científicos em segundo plano.

Para António Granado, há muitos meios de comunicação social portugueses que não abordam corretamente a ciência. “Não há nenhum estudo no mundo que prove que as vacinas são más, mas a RTP fez um Prós e Contras sobre «vacinas: sim ou não». Isto é um absurdo.”, afirma.

Uma má comunicação de ciência pode fazer com que o público perca a confiança e o interesse que tem na ciência. Sílvio Mendes, ex-jornalista generalista, tirou o mestrado em Comunicação de Ciência da FCSH-UNL e alerta para um dos perigos desse desinteresse: o desinvestimento. “Fazer má comunicação de ciência pode criar uma sociedade sem espírito científico, sem capacidade de questionar o mundo que a rodeia de uma forma curiosa e lógica”, acrescenta.

Um serviço que não chega a todos
Neste momento, “para além das escolas e das famílias, estamos todos a pregar aos convertidos”, lamenta a coordenadora da Associação Viver a Ciência. De facto, a maioria dos comunicadores de ciência admite que quem vem às palestras, quem compra os livros, quem ouve os programas e quem visita os centros Ciência Viva são as pessoas que já estão a priori interessadas em ciência e tecnologia. De resto, as crianças continuam a ser o público mais privilegiado.

No entanto, o diretor do Exploratório salienta que, se há uns anos 95 por cento do seu público era escolar, hoje é apenas 55 por centro. Há atividades para adultos e para seniores. No entanto, lamenta a rara adesão dos estudantes universitários às iniciativas do centro. “Criámos um ciclo de conversas sobre ciência chamado Science Beer Talks, em que a cerveja é gratuita e mesmo assim não vêm. Os estudantes só vêm se contar para a nota”, lamenta. Da mesma opinião é António Piedade, que considera “os jovens adultos com ideias pré-concebidas” o público a quem é mais complicado chegar.

“É difícil que a ciência chegue às pessoas que não têm essa predisposição. Daí serem muito importantes os órgãos de comunicação social, como a televisão - nos canais de maior audiência e às horas de maior audiência”, conclui David Marçal.

Uma questão de democracia
“Uma pessoa, ao saber que que tem mais bactérias no seu corpo do que células suas não pode ficar indiferente”, afirma Alexandre Aibéo, comunicador de ciência que faz apresentações em escolas. O papel do comunicador é esse: não deixar as pessoas indiferentes e atingir as suas certezas mais absolutas. Emocioná-las.

A comunicação de ciência deve ser revolucionária. Para o comunicador, “se uma pessoa sair de uma palestra a sentir-se a mesma, sem pensar em coisas que nunca tinha pensado, não foi comunicação de ciência. Foi entretenimento”.

A ciência não se limita a leis e métodos. Estes e outros comunicadores espalhados pelo país e pelo mundo fazem serviço público. Dedicam-se a partilhar conhecimento. A desmitificar teorias. A apresentar novidades. A esclarecer a população. E a fascinar pessoas.

Fazem-no porque sabem que as sociedades que dão valor ao saber científico são mais evoluídas. São mais democráticas. E são mais felizes.


Carolina Cardoso

1 comentário:

Anónimo disse...

“Para ensinar há uma formalidade a cumprir - saber.”
Eça de Queiroz

A formação mais adequada para divulgar ciência não é, definitivamente, a jornalística!
O grande mérito dos maiores divulgadores de ciência é saber construir pontes entre o conhecimento puro e o senso comum da maioria do Povo. O jornalista, quando não tem formação de base científica, não pode ir muito mais além do que, através de entrevistas, procurar aprender com os especialistas os traços mais simples e gerais das relações, muitas vezes imprevistas, entre o conhecimento científico e a vida quotidiana do cidadão comum.
Esta divulgação científica destinada ao público geral é de enorme importância, mas para o país andar realmente para a frente é essencial que A Ciência, que se aprende nas escolas e universidades, entre em força nas fábricas de televisões, frigoríficos, computadores, aviões, foguetões, automóveis e demais bens transacionáveis que incorporam alto valor acrescentado!

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