sexta-feira, 27 de novembro de 2015

CARTA ABERTA A EUGÉNIO LISBOA

Meu Caro Eugénio: Voltei à minha meninice quando me prometiam algo que eu esperava ansioso. Assim aconteceu quando, finalmente, a campainha soou à minha porta e o carteiro me entregou o teu derradeiro volume de memórias, autografado,  que me tinhas anunciado: “Acta Est Fabula”: Memórias – V- Regresso a Portugal: (1995-2015)”.

Como dizia Eça, “em Portugal não se lê, folheia-se”. No meu entusiasmo, fiz-me prosélito queirosiano: folheei-o, quase diria sofregamente, dando de caras com o mau momento, felizmente ultrapassado,  que passaste, anos atrás,  com a tua saúde. E, em consequência(?), reporto-me à contracapa do teu livro: "Chego ao fim: sinto-me, um pouco, numa sala de espera. Aguardando o quê? Talvez tudo. Talvez nada. Mais provavelmente, alguma coisa. Sou ainda capaz de surpreender-me. O assombro mantém-me de pé".

Referias-te à finitude da vida humana? E ao rasto que vamos deixando desta "vida descontente" que muito nos apoquenta a todos (pelo receio do desconhecido), nem que seja só sob o ponto de vista filosófico, quando no outono da vida? Na maior parte das vezes no anonimato, mas no teu caso numa vida riquíssima sob o ponto de vista cultural, profissional, familiar e, last but not least, de cidadania que tens cumprido no mais nobre sentido da palavra.~

Aliás, S. Tomás d'Aquino pouco nos sossega, a este respeito,  remetendo-nos para uma questão de fé: "Para os que têm fé numa explicação é necessária; para os que não têm fé nenhuma explicação é possível”.

O que resta, portanto, para aqueles que se debatem entre dúvidas e certezas confortantes ou desconfortantes sobre o seu destino? O reconforto que nos deixa Henri Poincaré: “O Homem representa um pálido clarão na tempestade da vida, mas esse clarão é tudo”?

Como vês, faço perguntas para as quais não encontro respostas. Aquelas respostas, que a minha fé em Cristo, e na sua pregação sobre um mundo novo de “amai-vos uns aos outros”, começa a ruir no romper deste milénio que prenuncia, pelo contrário, odiai-vos uns aos outros.

Recebe um abraço deste teu dedicado amigo de saudosos tempos da nossa cosmopolita e cultural  Lourenço Marques, hoje Maputo.

Coimbra, 27 de Novembro de 2015.


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