terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Na Terra está provado que não há


Entrevista telefónica, ligeiramente editada, que dei à revista "Vice" sobre assuntos espaciais e não só (foi uma entrevista "light" a pedido expresso do jornalista Ricardo Amorim), que está on-line:

"Suspeita: é um dos cientistas do mundo mais apaixonados a falar do seu ofício. Facto: é o cientista português com o artigo mais citado em todo o mundo. Na televisão já disse que a pulseira do equilíbrio “é uma treta” e só por isso merece respeito, mas merece mais. Carlos Fiolhais, físico, divulgador de ciência, pai do Centro de Física Computacional, merecia a voltinha no espaço que tanto deseja. Ao cuidado da Virgin Galactic.

VICE: Em que parte da sua vida percebeu que ser cientista podia ser fixe?
Carlos Fiolhais: Não há um momento mágico em que uma pessoa diz “agora, vou ser cientista”, faz um golpe de magia e passa a ser cientista. Demora muito tempo. Entre a entrada na escola, que é aos seis anos, e a saída da escola, que, no meu caso, foi o doutoramento, aos 26 anos, mediaram 20 anos. Demorei 20 anos para ser cientista.

VICE: Mas em que ano decidiu que ia ser cientista?
Talvez a meio, nos 16. E foi a idade em que entrei no curso de física. Não havia muitos alunos nesse curso — acabámos quatro. As pessoas perguntavam: “Física para quê?”

VICE: E pergunto eu: no seu caso, física para quê?
CF: Tinha lido uns livros sobre a estrutura do átomo e do núcleo, aquelas histórias do Rómulo de Carvalho… Cheguei à física através dos livros de divulgação científica, não foi tanto pelas disciplinas científicas que frequentava — há pessoas que as consideram um pouco aborrecidas e era também essa a minha opinião. Mas, de facto, havia ali uma aventura, havia um mistério escondido nos livros, que procurei decifrar. Pensei: “Há aqui qualquer coisa que parece interessante, mas estão a esconder-me o interesse. Vou procurá-la.” Descobri depois a aventura que consiste em saber de que são feitas as coisas. Estava a tentar entrar nessa aventura, que não aparecia na escola. A aventura estava escondida. Era um sótão e a porta estava fechada.

VICE: Há quanto tempo é que nós, humanos, metemos na cabeça que devíamos explorar o espaço?
CF: Desde que a humanidade existe que há o sonho de voar. Aquele mito de Ícaro, de subir mais alto, vem dos gregos. A ideia de ir ao espaço, ao que há lá para cima, é quase tão antiga como a humanidade. Claro que demorou muito tempo a poder concretizar-se. Muito antes de poder concretizar-se, na época da revolução científica, Johannes Kepler escreveu um livro  sobre uma viagem à Lua. Foi talvez a primeira obra de ficção científica. Era um conto, intitulado Somnium — Sonho. A partir daí foi o que se viu: começámos a perceber como funcionava o céu e, no século XX, começámos a fazer foguetes que nos proporcionaram a concretização da primeira viagem ao céu. Houve pioneiros da exploração espacial, como o russo Konstantin Tsiokolvski. Ele dizia que a humanidade tem um berço, mas que ninguém fica eternamente nele. A humanidade demorou muito tempo a sair do berço mas saiu.

VICE: Nada nos vai convencer a estar quietos?
CF: É quase genético. O Carl Sagan dizia que o nosso destino são as estrelas e que, mais tarde ou mais cedo, chegaremos às estrelas. Parece impossível, mas o que parecia impossível ontem hoje é realidade — as naves Voyager já saíram do sistema solar. Mais tarde ou mais cedo, os planetas extra-solares vão ser, não apenas pontinhos no telescópio, mas sítios onde se chega. Há um problema tecnológico que não é fácil de resolver, porque as distâncias no espaço são quase impossíveis de imaginar. São anos-luz, será preciso congelar a vida para lá chegar. Mas o sonho é que alimenta a vida e, se o sonho era o mote do Kepler, o sonho continua nos dias de hoje. O que foi realizado entretanto, como ir à Lua, já deixou de ser sonho e há novos sonhos.

VICE. Consegue convencer o meu amigo céptico, anti-americano e conspirativo de que houve um homem na Lua?
CF: [Risos] O Neil Armstrong e os seus colegas deixaram lá um espelho. Se quisermos “viajar” rapidamente até à Lua, enviamos luz para a Lua e ela reflecte-a através do espelho. Não há nenhum espelho natural na Lua!

VICE Tinha 13 anos quando Neil Armstrong pousou os pés na Lua. Foi isso que o fez pensar “vai ser mesmo fixe ser cientista”?
CF Talvez não,  faltavam três para os 16 anos, ainda era demasiado novo. E há uma distância entre uma proeza tecnológica e uma proeza científica. Não fazia ideia nenhuma na altura dos conhecimentos científicos que permitem aquilo. Há um "pacote" imenso de ciência que permite toda aquela tecnologia: é necessário todso um concentrado de ciência para fazer o foguetão, a nave, as comunicações, etc.. A missão foi um desafio que o Presidente Kennedy colocou ao seu país, no fundo foi um acto de nacionalismo contra os soviéticos. Ele disse: “Antes do final desta década, estaremos na Lua.” E cumpriu. É do tempo em que os políticos cumpriam promessas... Imagine agora o nosso primeiro-ministro a dizer que antes do fim da década teremos pago a dívida. Seria mais fácil voltar à Lua!

VICE Ou seja, sem Guerra Fria, não se passaria nada.
CF Sem Guerra Fria não haveria corrida espacial. Havia uma motivação de querer ser o primeiro na corrida espacial. Os russos tinham começado, e para os americanos eles tinham de ser ultrapassados. Hoje essa motivação não existe. Os russos e os americanos colaboram aliás na Estação Espacial Internacional. A questão é a seguinte: estarão eles dispostos a pagar para voltar á Lua? Como dividirão os louros da pesquisa? E tem de haver um objectivo, não bastará repetir a proeza para confirmar que está lá o espelho… É fazer mais, é conhecer melhor a Lua. Fala-se hoje do regresso à Lua, mas…

VICE E quem irá lá?
CF Há quem diga que os próximos astronautas na Lua serão chineses — talvez tenham o dinheiro, talvez tenham a vontade de subir, de chegar primeiro que os outros, de mostrar que o seu país é uma grande potência. Mas o interesse principal é mais pôr um pé humano em Marte, a Lua pode ser uma escala, um entreposto. Compare com os descobrimentos portugueses: para ir à Índia ou ao Brasil, parar um bocadinho na Madeira para descansar e pôr uns mantimentos a bordo pode dar jeito. Espero que o Alberto João Jardim me desculpe a analogia… Ele é um bocado lunático, mas estou a compará-lo a um habitante lunar…

VICE E quando é que chegaremos a Marte?
CF Espero que não demore mais de 30 anos. Estou convencido de que é o próximo sonho a cumprir no domínio espacial.

VICE Via-se como turista espacial ou isso é coisa só de ricos?
CF Ir dar uma volta lá em cima? Por que não? Qualquer dia é possível a low cost…

VICE E a Marte?
CF Não, Marte é demasiado longe: seis meses para lá, seis para cá, talvez seis meses lá para não vir logo embora. É muito tempo para os meus anos de vida e a minha condição física.... A Lua também  é longe: uma semana para cá, outra para lá. Mas só uma voltinha lá em cima,, uma rapidinha,  por cima da atmosfera, dominar a Terra lá do alto… Uma pessoa curiosa como eu não se importa.

VICE Que conselho daria a um tipo português de 16 anos que queira ser astronauta?
CF Dezasseis anos é um bocadito novo. Tem de estudar primeiro. Não há ainda um astronauta português, mas vai haver. Candidatos não faltam. Conheço indivíduos quase astronautas que estiveram nas provas de selecção até à última hora. Mas são vários países a candidatar-se e o dinheiro da Agência Espacial Europeia  recompensa mais os que pagam mais.

VICE: Carlos, é possível ser feliz no espaço?
CF É possível ser feliz em qualquer sítio — até na Terra.

VICE: Mas os prazeres — isto é, a comida e o sexo — estão amplamente limitados.
CF: Mas há outros prazeres que podem compensar a ausência desses. Ver a Terra ao longe é um prazer inaudito. Ver o nascer da Terra em vez do nascer da Lua. Ver a Terra a suficiente distância pode ser um prazer extraordinário.

VICE: E as limitações devem estar a ser ultrapassadas pelos cientistas, que não querem passar mal no espaço.
CF: Os desconfortos das viagens espaciais podem ser diminuídos, mas será a sensação de aventura  que ultrapassará o desconforto. Até na Terra, as pessoas querem ir à Antárctida, que é frio, ao Evereste, que é frio e onde não há ar, encontram prazer que ultrapassa o desprazer de estar em sítios difíceis, muito frios ou sem ar. Perguntaram ao primeiro fulano que subiu ao topo do Evereste por que é que ele lá foi e ele respondeu: “Porque o monte estava lá.” Por que é que as pessoas foram à Lua? Porque está lá. Por que é que queremos ir a Marte? Porque está lá. Vamos aos sítios porque eles estão lá. Toda a gente tem a aspiração de ir a sítios que estão lá e onde os outros nunca estiveram. Ser o primeiro é uma coisa muito humana.

VICE: Qual é a sua anedota preferida sobre a teoria da relatividade?
CF: A melhor anedota sobre o Einstein que conheço é verídica. Quando ele era já mundialmente famoso, alguém lhe pediu para fazer uma conta. Resposta dele, embaraçado por não a saber fazer: “Julgam que eu sou algum Einstein?”

VICE:  Aquela teoria de que um povo num outro planeta a milhares de anos-luz pode, através de um telescópio superpotente, ver a Terra como ela era há milhares de anos, faz algum sentido ou é só conversa?
CF: Acho isso muito esquisito. Aquilo que se observa no telescópio é, de facto, o passado, e por isso eles — os tais extraterrestres — até poderão ver a Terra como era antes, mas quando nos disserem já vamos saber depois.  Para saber o nosso passado é melhor fazer arqueologia.

VICE: Acho que percebi. Acho. Vou reflectir sobre isto. Para aligeirar: o Messi é mesmo um extraterrestre?
CF: Não sei, às vezes parece. Mas estou convencido que não. Ele imita muito bem capacidades extra-humanas em algumas jogadas que faz, mas também falha. E falhar é algo de muito humano.

VICE: Se calhar, os extraterrestres também falham.
CF: A gente pensa em seres perfeitos, super-humanos, melhores do que nós e, se calhar, os extraterrestres serão bactérias, umas formas primitivas de vida, que não chegam a falar. Nem a falhar.

VICE: E existe vida fora deste planeta?
CF: Existe vida quase de certeza — bem, não tenho a certeza. Vida inteligente? Deve haver vida inteligente algures no vasto Universo. Na Terra está provado que não há."

3 comentários:

Francisco Domingues disse...

Embora leve, a entrevista está agradável. O Universo é apaixonante e será realmente o grande desafio que o Homem do futuro terá de enfrentar, não por curiosidade, mas para sobreviver ao holocausto certo da morte do Sol, e com ele a Terra, daqui a uns 4 mil milhões de anos! (Na era em que tanto ouvimos falar de milhares de milhões, infelizmente de dívidas ou de falcatruas como a do BPN, este Nº vem a propósito...) Mas não posso deixar de propor um pensamento filosófico: se pensarmos "cosmicamente", vemos que o Homem (cada um de nós!) é um pequeno ponto temporário, na Terra; a Terra, um médio planeta do Sistema Solar; o Sol uma média estrela entre milhares de milhões de outras que compõem a galáxia Via Láctea; a N/ galáxia, um ponto entre milhares de milhões de outros que povoam o Universo conhecido, ignorando nós completamente o que se passa para além dele, nas categorias de Tempo e de Espaço. Então, perguntaria: "O que é o Homem? Quem somos nós? Para que afinal existimos?" Ou, mais contundentemente: "Porque perdemos a curta vida que nos foi dado viver, com tantas mesquinhices, vigarices, corrupções?!!!" Que falta de inteligência!!!

José Batista disse...

Isso é que é ter esperança, caro Francisco Domingues.

A Terra não tem mais que 4600 milhões de anos. A vida na Terra não terá surgido senão centenas de milhões de anos depois, sob formas muito simples. A espécie humana é recentíssima na história geológica da Terra. E nenhuma espécie é imutável e todas têm uma longevidade maior ou menor, sendo que nenhuma das conhecidas (extintas ou existentes) vai além das centenas de milhões de anos. Isto admitindo que não é o próprio ser humano a criar e a acelerar as condições que o podem conduzir à extinção. Extinção dele, claro, e de espécies de complexidade fisiológica "semelhante", porque com ou sem seres humanos a vida na Terra continuará a evoluir, mesmo que as condições se alterem significativamente. E, como diz o "Mestre" Galopim de Carvalho, tempo é o que não faltará para que essa evolução se processe...

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Artifício vulgar. Diria de outro pretexto e nem do princípio que sustentara, tola divergância. Notadamente da entrevista realista, por excelência a universidade conibricensi tivera por elite do conhecimento, digo científico. Parabéns professor Carlos Fiolhais e perdão da palavra posto que Coimbra, exemplo.

NO AUGE DA CRISE

Por A. Galopim de Carvalho Julgo ser evidente que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas...