quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A confidencialidade da informação recolhida pelas escolas

Li várias versões da notícia, e um dado parece-me seguro: recentemente, a Polícia de Segurança Pública, no âmbito duma investigação, terá pedido a escolas que lhes indicassem os alunos duma certa etnia que as frequentam e se alguns estão referenciados «pela prática de ilícitos» (circula na internet o que se afirma ser cópia do Fax onde contam estas duas solicitações).

Entendeu o director duma das escolas que não devia fornecer esses dados e pedir esclarecimento a instância superior, a Direcção Regional de Educação a que pertence. A resposta dessa Direcção Regional é de recusa, mas, ainda assim, preocupante, quando nela se refere que a escola "não dispõe de registos que permitam identificar os alunos por etnias".

Fica a dúvida, se a escola tivesse registos que permitissem identificar os alunos por etnias deveria facultá-los, de imediato, a entidade exterior que as solicitasse?

Não, não deveria, pois o princípio não é a escola inibir-se de disponibilizar informações sobre alunos (professores, funcionários ou outros profissionais) por não as ter, mas sim por não dever disponibilizá-las, a menos que se trate de casos muito concretos, em circunstâncias muito especiais e mediante autorização superior.

A regra deontológica a que a escola está obrigada é não dar uso diferente da informação que recolhe para fim distinto daquele que desencadeou a recolha. E isto independentemente de se tratar de um sujeito ou de um grupo com características consideradas mais ou menos especiais.

5 comentários:

Cisfranco disse...

No fundo estamos perante um assunto em que está toda a gente cheia de pruridos que não levam a lado nenhum. Encarar as coisas como elas são, em minha opinião, será o melhor caminho.
O que a Polícia está a fazer é ou não é importante? Então porquê negar colaboração? Em último caso pode o Tribunal ordenar que essas informações sejam dadas.
Por outro lado, porquê enterrar a cabeça na areia e dizer que não há etnias? A escola não conhece quais são os alunos de etnia cigana? Estamos todos tão cheios de salamaleques que nem falamos no nome dessas mesmas etnias - há ciganos, há negros/pretos sim senhor. E qual é o problema? Parece que com tanto empenho de não sermos racistas, nem dizemos as palavras que têm que ser ditas para nos referirmos a esta ou àquela etnia. A meu ver complicando as coisas.

O racismo não está nas palavras, mas no conteúdo racista que lhe possa ser atribuído. A atitude que tomamos como sociedade que quase não fala nas suas etnias (designadas por palavras quase proibidas)só revela falsidade e torna complicado o que é por natureza simples.

Anónimo disse...

A questão também se coloca ao nível da falta de figuras de autoridade. O problema é que a Escola numa suposta tentativa de promover a Igualdade poderá acabar por instalar o inverso. Não é preciso ser bruxo para ver que esforços intensos em fazer com que seja a Escola a compensar os desiquilíbrios instalados na vida social (famílias e mundo do trabalho) acabará por gerar uma cultura de propaganda, homogeneizada e artificial, cultura essa sem consistência que gerará por si comportamentos de intolerância crescentes, até porque basta para isso que as pessoas se sintam mal, tristes, traídas. Em última linha, o Mundo é feito por indivíduos, não por instituições. Os indivíduos não são iguais e nunca percebi a lógica de se perder tanto tempo a promover a Igualdade quando já somos tão diferentes entre nós. Deus criou-nos iguais para que pudessemos ter a liberdade e riqueza de ser diferentes. Basicamente é para isso que existe o Estado, para anular esse potencial. Lamento ter que o admitir, é a realidade.



joão viegas disse...

Ola,

Compreendo a perplexidade da Helena Damião, mas francamente não me parece que a resposta da Direcção esteja errada. Em principio cabe à administração prestar informações pedidas pela autoridade policial quando esta actua no âmbito das suas actividades de policia judiciaria, o que implica normalmente que ela actua sob a supervisão e o controlo de magistrados, os quais constituem em principio uma garantia de que a actuação da policia se enquadra no pleno respeito da legalidade. Portanto não me parece que exista uma legitimidade de principio para negar a colaboração com a autoridade judicial (ou com a policia judiciaria).

No entanto, neste caso concreto, a administração pode obviamente invocar que não tem a informação requerida, até porque lhe é absolutamente vedado recolher e armazenar esse tipo de informação, podendo até questionar-se se o facto de recolher informação como essa não poderia ter uma qualificação penal...

A lei impõe-se a todos, e muito especialmente às autoridades encarregues de serviços de policia judiciaria. O facto de uma autoridade publica infringir a lei deve mesmo ser sancionado com especial severidade, na medida em que caracteriza um abuso de funções. Isto, como é obvio, aplica-se também à policia judiciaria e aos proprios magistrados...

Não vejo nada que possa justificar o tipo de pergunta relatado na noticia. Se existem elementos objectivos recolhidos durante um inquérito, que permitem procurar o paradeiro de um ou varios individuos potencialmente envolvidos na pratica de um crime, isso deve ser feito de forma objectiva e com base em dados concretos (a pessoa era, alta, magra, tinha cabelo escuro, vestia impermeavel, etc.).

Como é obvio, a pergunta relatada esta muito longe de obedecer a estes requisitos. Vejo alias, na noticia, que um inquérito esta em curso para apurar responsabilidades e para agir, pelo menos no plano disciplinar. E' o minimo que se pode exigir.

Surpreende-me que, num blogue como o De Rerum Natura, se possam ler comentarios que mostram que isso não é liquido para alguns.

Mas talvez isso seja o indicio de que o blogue é lido por pessoas mortas ha varias décadas, ou que viveram sem contacto com a realidade politica social e juridica nos ultimos 50 anos (ou mais...).

Boas

joão viegas disse...

Addendum sobre a questão colocada pela Helena Damião,

E' claro que, a existir informação recolhida sob sigilo profissional, como devemos admitir que possa ser o caso numa escola (desde logo a informação recolhida pelos serviços de medicina escolar, mas não apenas) põe-se o problema de saber em que medida o sigilo é oponivel à autoridade judicial. Problema classico, que normalmente consegue resolver-se de forma satisfatoria, salvo em casos muito excepcionais que existem essencialmente para dar matéria a filmes do Hitchcock.

Mas neste caso concreto, o problema não é este. Em primeiro lugar a escola pura e simplesmente não podia ter a informação pedida. Em segundo lugar não é concebivel que esse tipo de informação possa ser relevante em matéria de inquérito policial...

Boas

Anónimo disse...

A questão principal coloca-se dentro dos parâmetros porque se rege qualquer sociedade de direito. Como muitas outras actividades das sociedades, a recolha de dados pessoais encontra-se enquadrada legalmente na lei de protecção de dados, existindo uma Comissão Nacional de Protecção de Dados crida no âmbito desta lei, que se debruça e autoriza os diferentes mecanismos de recolha de dados. No caso das escolas os dados recolhidos dos alunos, para mais se se encontram em bases de dados informáticos foram recolhidos visando um determinado fim e só podem ser utilizados para esse fim, visando com isso proteger os dados de cada um. Sobre determinadas circunstâncias estes dados podem ser acedidos pelas autoridades após parecer de Juiz.
O mesmo problema se coloca com a recolha de imagens pela TV. Estas imagens foram recolhidas para um determinado fim e só para esse fim podem ser utilizadas. O estranho é a policia saber desta informação e estar a utilizar mecanismos ilicitos, como seja o uso da autoridade, para aceder a estas bases de dados. Configura no minimo um estado ditatorial que o fim justifica os meios...ou o uso e abuso destas medidas visem ou determinem uma sociedade tolerante com estas práticas!

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