No meu post, “O Deputado Paulo
Rangel, Canudos e Desemprego” (22/04/2012), foi-me feita, no
próprio dia da sua publicação, uma pergunta pelo leitor Armando Inocentes, que transcrevo na
íntegra: “Quem foi professor em Moçambique ou em Angola tem uma noção diferente
de ensino e educação. E quem foi aluno por lá também…por que será”?
Numa altura em que tantos se fala de educação e se discute possíveis soluções
para a melhorar, como se ela se cumprisse (e não cumpre), ainda que parcialmente, com a
instrução que lhe compete,
creio que o grande mal de que sofre este país é de falta de “uma percepção
nítida de valores” que, para além do
papel que cabe aos pais transmitir com o seu exemplo (mas nem sempre exercido
ou mal exercido com os seus maus exemplos), devia preocupar (e não preocupa) a escola como transmissora de valores sobre a forma de os
alunos conviverem civilizadamente na escola e em sociedade, lutando contra com o laxismo disciplinar
permitido (ou mesmo sancionado) pelos poderes públicos em que crianças e
adolescentes provocam desacatos permanentes com agressões aos próprios
professores, correndo na adultícia o risco de encherem as cadeias, quando se
tenta remediar, tarde e a más horas, e com pouco sucesso, o que devia ter sido prevenido no local próprio.
Exemplos de falta de civismo deparam-se-nos amiúde, por exemplo, nos
parques de estacionamento das grandes superfícies comerciais. Lugares marcados
para idosos são ocupados por jovens, lugares para deficientes físicos são ocupados por atletas, lugares para
grávidas são ocupados por raparigas com silhuetas de modelos de
passarela e o mais espantoso de tudo isto é quando estacionam nesses mesmos lugares
para grávidas jovens de barba rija sem reclamaram
o papel de se terem tornado cobaias de gravidezes masculinas…
Isto a propósito, da pergunta que me foi formulada acima e a que tento
responder com a minha experiência, de 18 anos de ensino na Escola Industrial
Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques que criou cidadãos completos, no
amplo sentido intelectual, físico e moral.Cidadãos que sabem estar agradecidos à Escola que os
formou para serem úteis à sociedade. Isso comprova-se pela sua entrega ao trabalho,
a sua valorização escolar e humana não poucas vezes complementada por cursos
superiores, pelo seu esprit du corps que se manifestou enquanto escolares numa emulação saudável de quererem ser eles
próprios sem se colarem ao ensino liceal de então, que dava aceso ao ensino
superior e, principalmente, pelo
respeito que sempre lhe mereceram, e continuam a merecer, a sua Escola, os seus
professores e os seus colegas na senda do legado de Alfred Montapert:“Nem todos
podem ter um curso superior. Mas todos podem ter respeito, alta escala de
valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer
pessoa”.
Embora sabendo correr o risco de ser mal interpretado no orgulho que sinto pela
amizade desses meus alunos, transcrevo (para isso autorizado) a mensagem que
recebi de um dos três organizadores do último almoço de confraternização da
“malta”da Indústria - em que me incluo com honra minha - o Godinho Antunes, o Carlos António,
o Carlos Silva, realizado
em Tomar no passado dia 14 de Abril deste ano. Escreveu-me o engenheiro Godinho Antunes, passados dois dias:
“Caríssimo Professor e bom Amigo:
As falhas na organização do nosso almoço de confraternização, do passado
sábado, julgo poderem ser atenuadas (e mesmo perdoadas) se confrontadas com a
enorme satisfação que todos nós sentimos em mais este festivo reencontro.
Embora o meu papel de 'pai da noiva', na 'assistência' e atenção que a todos
deveria ter sido dispensada, poder não ter sido a melhor, foi, todavia, bonito sentir aquela atmosfera de grande camaradagem e amizade entre todos
e ver o estimado Professor rodeado de tantos alunos que me iam confidenciando
que o meu Amigo está impecável parecendo não passarem os anos por si.
Muito me agradou poder estar na organização deste encontro, de ver e sentir
referências ao nosso passado de rapazes, um passado em que pontifica o meu
AMIGO. Muito gostei de ver a inicial aproximação de uns quantos que tentavam,
sem grande sucesso inicial, identificarem-se uns aos outros pela voz, ouvirem
um nome…para mitigarem a nostalgia do passado. Muito prazer senti em ver uns tantos 'atarantados' interrogando-se sobre' quem era quem' no ansioso desejo em restabelecer velhas
ligações ao passado, de reavivar a camaradagem dos velhos tempos…e, finalmente,
voltar aos anos de adolescência em que frequentaram a nossa saudosa Escola Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques.
Fiquei felicíssimo pela alegria contagiante que reinava naquela sala repleta de
jovens de outro tempo. Foi, na verdade, bonito e emocionante verificar como a
amizade que nos une, e de que o Senhor é um grande 'culpado', foi reactivada…Mais
uma vez o meu obrigado Dr. Rui Baptista por tudo o que foi e continua a ser
para todos nós, agradecimento este que irei também transmitir a todos aqueles 'bons malandros' que tornaram possível os bons momentos que vivemos em Tomar.
Um grande e afectuoso abraço,
Godinho Antunes".
“Por que será?” (esta a difícil pergunta formulada no comentário do leitor
Armando Inocentes). Será o que escrevi (pela minha gratificante experiência docente acompanhada pela “cábula” da mensagem sobre o último almoço de
confraternização da Escola Industrial de Lourenço Marques) bastante como
resposta difícil a uma pergunta difícil? Para mim, pelo menos, é!
6 comentários:
Professor Rui Baptista;
Em primeiro lugar quero dizer-lhe que estão todos de parabéns, professor e alunos pela vossa AMIZADE.
Podemos observar, pelo relato, que o ensino tinha alma e vida, em que os professores se preocupavam em ensinar e os alunos em aprender. Muito diferente do que acontece hoje.
Eu julgo que, se houver um ponto de partida "ideal" que leve à reflexão necessária para solucionar os graves problemas do ensino em Portugal, este seu post estaria numa primeira linha; isto porque não pode haver ensino/aprendizagem sem uma relação de amizade, de confiança e de grande compreensão e até de admiração mútua; eu penso que essas são qualidades humanas que todos os professores e alunos se deviam esforçar por desenvolver cada vez mais.
Caro Engenheiro Joaquim Ildefonso Dias: O seu comentário foi uma nova homenagem a um ensino em que a afectividade tem um papel que não tem sido devidamente realçado para o bom aproveitamento das aprendizagens escolares. Aprendizagens essas que devem formar o homem capaz de ver no seu semelhante (Professores e Colegas) um companheiro de jornada nos difíceis caminhos que o esperam na vida profissional.
Esta confraternização começou em Maio de 2010, em comemoração de mais um (e eles são tantos) aniversário meu, quando quatro ex-alunos (belíssimos "malandros") da Escola Industrial (o Godinho Antunes, o Carlos António, o Adolfo Figueiredo e o Carlos Silva) resolveram oferecer, em Coimbra, um almoço de Amizade a este “cocuana” (em landim, velho) professor. Um deles aqui residente, os outros deslocando-se de Lisboa, do Norte do País e do Algarve. Este ano éramos mais de quatro dezenas, tendo-se deslocado, inclusivamente de Angola (onde trabalha) um ex-aluno.
De um dos seus comentários aos meus posts, retive de memória a sua frase: "Formar homens sábios nem sempre é o mesmo que formar homens Cultos". Como dizia, a propósito, Gustavo Le Bon: “Grande número de políticos ou de universitários, carregados de diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por guia na vida senão uma alma de bárbaros”.
Na verdade, a Cultura é algo mais do que a sabedoria que se aprende (quando se aprende!) nos livros escolares. Um bem haja, em meu nome pessoal e dos meus antigos Alunos que me fazem acreditar (porque eles, também, assim acreditam) num mundo melhor, mais fraterno, mais cordial e, “last but not least”, de um necessário civismo que tão arredado parece andar da escola actual com reflexos no futuro.
Caro Professor:
Um post, como resposta a um comentário, que é "resposta difícil a uma pergunta difícil" já é por si só resposta à própria pergunta. O meu grande obrigado!
O "leitor Armando Inocentes" nasceu e foi criado (educado!) em Luanda, onde fez o percurso de estudante de Liceu e universitário até aos 19 anos. Se tivesse sido em Lourenço Marques, provavelmente teria sido seu aluno... agora, em Portugal, é Professor...
Sobre a questão, basta dizer que ainda me recordo do nome de alguns Professores que me "marcaram" pela positiva. Assim como de alguns colegas e amigos. Muitos...
O centro da questão situa-se precisamente numa “percepção nítida de valores” que existia em Angola e Moçambique na educação tanto de filhos como de alunos, tal como no ensino destes últimos - daí a aprendizagem e a formação destes também ser diferente (claro que as excepções servem para confirmar a regra!). O centro da questão situa-se nos laços de amizade e solidariedade que se estabeleciam entre Professores e alunos - e entre estes mesmos. Daí a pergunta que coloquei...
Educação e ensino não são a mesma coisa... tal como não o são aprendizagem e formação!
E era tão fácil responder que a noção diferente de ensino e educação era por causa da diferença do calor...
Obrigado e um grande abraço!
Armando Inocentes
Caríssimo Armando Inocentes: Somos conterrâneos, embora não contemporâneos. Também eu nasci em Luanda, e aí estudei até ao 14 anos (no Liceu Salvador Correia e Sá), tendo vindo para a Metrópole, com essa idade, terra de meus Pais e com os meus Pais, por meu Pai ter passado a sua quota da Farmácia Central (de Luanda) de que era um dos proprietários.
Aos 25 anos fui para a então Lourenço Marques, podendo hoje dizer que sou português por raízes, angolano, por gratas recordações da minha meninice e adolescência, e moçambicano do coração de onde os ventos da história de Abril me trouxeram de Lourenço Marques (onde nasceu a minha numerosa prole) para o Portugal de hoje, onde refiz a minha vida e fui acolhido com amizade e simpatia em plena época quente num liceu de Coimbra onde fui colocado.
Quando, aqui chegado, e me colavam o apodo de "retornado" logo respondia que retornada era a minha Mulher, nascida neste rectângulo ibérico. Com um certo “fair-play”, logo desarmava os seus autores assumindo a minha condição de "refugiado político", por não concordar com o sistema político implantado em Angola, terra do meu nascimento.
Vai para alguns anos (mais ao menos uma década), regressei a Moçambique e à sua capital, Maputo, para participar num Congresso de Países de Língua Portuguesa. Aí, revi um antigo aluno da Escola Industrial, o Mascarenhas, que me visitava no Hotel Cardoso, em que estávamos hospedados, levando-me a visitar locais de uma eterna saudade. Tudo isto poderá ser estranho para aqueles que vêm na nossa diáspora apenas a sua faceta de colonialismo, embora diferente do colonialismo de outros países europeus.
Ou seja, um colonialismo de quem para essas terras ia, formava família e dela, não poucas vezes, fazendo (ou desejando fazer) a sua última morada. Pelo que me foi dado ver e sentir no Maputo (sem com isso poder e, muito menos querer, generalizar), um colonialismo quase esquecido, pelos laços de amizade e respeito mútuo que se perpetuaram nos locais que visitei, por exemplo, no Restaurante da Costa do Sol, onde o chefe de mesa se lembrava da minha família passados muitos anos. Acompanhava-me então uma das minhas filhas que lhe mereceu o carinhoso comentário, testemunhado por um antigo aluno moçambicano: “Esta era a menina que não queria comer, e só comia quando era eu a meter-lhe a comida pela boca abaixo…” Sem querer passar por piegas, que ternura!
Meu Caro Conterrâneo Armando Inocentes: No meio de tantas e saudosas recordações, esqueci-me de lhe agradecer e retribuir-lhe o abraço. Mas mais vale tarde do que nunca...
Caro Professor Armando Inocentes e um possível leitor do meu anterior comentário: Com o pedido de desculpas pelo "lapsus calami", na antepenúltima linha do 4.º §, substituir "vêm" por "vêem".
Enviar um comentário