Nem todo o dióxido de
carbono libertado na queima de combustíveis se mantém na atmosfera. Pelo menos
um quarto é “absorvido” (dissolvido) pelos oceanos, que funcionam como uma
espécie de reserva. Mas o dióxido de carbono dissolvido na água do mar faz descer
o seu pH, e está a ser responsável pela acidificação dos oceanos (a figura
inicial é uma fotografia de um golfinho comum, Tursiops truncatus, surfando uma onda perto
do
Centro Espacial John F. Kennedy. Crédito: NASA).
A
consequência negativa mais conhecida da acidificação (diminuição do pH) dos
oceanos é a diminuição da quantidade de carbonato de cálcio disponível para os
moluscos (e outros animais marinhos) formarem conchas. Mas existem outras consequências
negativas, algumas surpreendentes. Como a alteração das características de
propagação do som. A acidificação está a aumentar o ruído de fundo dos oceanos!
Á
medida que se tornam mais ácidos, os oceanos vão perdendo a capacidade para
absorver sons de baixa frequência (abaixo de 10 000 Hz). Estima-se que desde o
início da Revolução Industrial até hoje o pH da água do mar terá descido, em
média, 0,1. Esta descida terá sido responsável por uma perda de 10% da
capacidade da água do mar para absorver sons de baixa frequência. Até 2050 a
perda poderá ser de 40% (correspondente a uma diminuição de pH de 0,3).
O
gráfico da figura seguinte apresenta a variação da absorção de som em função da
frequência para diferentes valores de pH da água do mar. Quanto menor o valor
de pH menor a capacidade da água do mar para absorver sons de baixa frequência.
A capacidade para absorver sons de frequência superior a 20 000 Hz quase não
diminui (Crédito: Hester et all, 2008).
No
oceano existem muitas fontes de som. As fontes naturais mais importantes são as
ondas geradas pelo vento, a chuva e o movimento dos animais marinhos. As fontes
antropogénicas (geradas por actividade humana) mais importantes são os navios e
os sonares marítimos. A diminuição da absorção de sons de baixa frequência
poderá ter consequências desastrosas para os animais marinhos que, como os
golfinhos e as baleias, dependem da ecolocalização para se alimentarem e
comunicarem entre si. Com o aumento do ruído de fundo torna-se cada vez mais
difícil para estes animais distinguir (filtrar) e interpretar os sons de baixa
frequência.
O
sistema de ecolocalização utilizado pelos golfinhos é fácil de explicar. O
animal emite um som sob a forma de cliques de pequena duração em sequência. O
som emitido pelo golfinho propaga-se pela água até atingir o alvo, que podem
ser peixes (alimento), golfinhos “amigos” ou rivais. Quando atinge o alvo parte
do som é reflectido de volta para o golfinho.
A
ecolocalização permite ao golfinho determinar não só o tamanho e a forma de peixes
(e outros animais marinhos), como também a distância a que estes se encontram e
a sua velocidade. Os golfinhos utilizam sons de baixa frequência na
ecolocalização porque estes propagam-se na água do mar (ou em qualquer outro
meio de propagação) durante mais tempo, e portanto “percorrem” maiores
distâncias.
Não
se conhece ainda bem o mecanismo responsável pela absorção de sons de baixa
frequência nos oceanos. Sabe-se que estão envolvidos alguns solutos dissolvidos na
água do mar, como o sulfato de magnésio, o ácido bórico,
o ião carbonato e o ião de cálcio. A temperatura da água do mar também é
importante: se, como é esperado, a temperatura média do mar aumentar devido ao
efeito de estufa a capacidade para absorver sons de baixa frequência será ainda
menor.
A
diminuição do pH da água do mar também provoca o aumento da velocidade de
propagação do som. Uma diminuição de pH de 0,1 (correspondente à variação dos
últimos 200 anos, desde o início da Revolução Industrial) deverá ser
responsável por um aumento de 10% da velocidade do som nos mares, segundo
investigadores do Montery Bay Aquarium
Recharch Institute, ou MBARI. Até 2050 estes investigadores estimam que a
velocidade de propagação do som na água do mar possa aumentar até 70%.
P.S.: Actualmente são conhecidos casos em que o aumento de ruído de fundo
provocou a alteração do comportamento de cetáceos (baleias e golfinhos). Estão
documentados vários casos destes na sequência de exercícios militares navais em
que são utilizados sonares (sistemas que funcionam como radares, de forma
semelhante à da ecolocalização dos golfinhos).
Nargarida Milheiros
Nota:
Texto adaptado do original, que pode ser encontrado
no blog “Ema não é uma avestruz”, escrito sob o pseudónimo de Rita Robalo
Sobreiro.
3 comentários:
O ruído, o ruído. O problema agora é o ruído?
“Nem todo o dióxido de carbono libertado na queima de combustíveis se mantém na atmosfera. Pelo menos um quarto é “absorvido” (dissolvido) pelos oceanos.”
E quanto é que é lançado na atmosfera pelos mesmos oceanos que são, de longe, a maior fonte emissora de dióxido de carbono?
“Á medida que se tornam mais ácidos (…)”
Há miúdos do ensino Secundário e mesmo do Básico a ler este blogue, como eu, muitos professores o publicitam. Convinha por isso (apesar de ser uma citação) esclarecer que tornar-se mais ácidos não é o mesmo que ser ácidos. Os oceanos são soluções básicas, apresentam um pH médio a rondar os 8,3.
“Até 2050 a perda poderá ser de 40% (correspondente a uma diminuição de pH de 0,3)”
Mesmo que não se libertasse muito mais dióxido de carbono que aquele que se dissolve, e não se vislumbra como tal seria possível, ainda mais com a apregoada subida de temperatura, sendo a dissolução do dióxido de carbono em água favorecida por um abaixamento de temperatura; mesmo que o oceano não fosse uma solução tampão, e é; mesmo que todo o dióxido de carbono da atmosfera terrestre se dissolvesse nos oceanos, chegaria para baixar o pH dos ditos em 0,3?
“A consequência negativa mais conhecida da acidificação (diminuição do pH) dos oceanos é a diminuição da quantidade de carbonato de cálcio disponível para os moluscos”
A cereja no bolo… Mais dióxido de carbono dissolvido implica mais iões H+ (“oceanos mais ácidos”, como refere o texto) ora, mais iões H+ implica mais iões CO3 (2-), ou seja, mais carbonato de cálcio disponível para os moluscos. Ou apagamos o Princípio de Le Chatelier das “leis” da Química como o outro espertalhão queria apagar o Período Quente Medieval da História?
P.S. Um pouco mais de atençao (e cuidado) na selecção de textos prestigiaria mais o blogue.
Desde já obrigada pelo seu comentário. Para mim é muito importante que os leitores do meu texto o avaliem de uma forma crítica e cuidada e apresentem as suas dúvidas e questões. Esta é a melhor forma de aperfeiçoar a capacidade de escrever.
Considero relevantes as questões que coloca. Tentarei responder-lhe numa sequência que torne o meu texto claro e esclareça as suas dúvidas.
Actualmente a água do mar tem um pH básico médio de 8,1. A não referência deste valor no texto foi de facto um lapso, consequência de o texto ser adaptado de um texto publicado no blog “Ema não é uma avestruz”. O texto original fazia referência (com link) a outro texto que indica o valor de pH da água do mar.
Os oceanos “produzem” dióxido de carbono e é natural que parte deste dióxido de carbono possa atingir a atmosfera. Mas terá de existir um equilíbrio dinâmico entre o dióxido de carbono que é dissolvido nos oceanos e o dióxido de carbono que é libertado pelos oceanos para a atmosfera. A acção do homem está a deslocar esse equilíbrio no sentido de uma maior dissolução do dióxido de carbono nos oceanos. E esse dióxido de carbono extra provoca a acidificação da água do mar.
O carbonato de cálcio presente na água do mar tem, realmente, um efeito tampão, ou seja, citando a Infopédia, permite que “o pH se mantenha 'praticamente' invariável face à adição de pequenas quantidades de ácido ou base”. No entanto se a “adição de ácido” for contínua e/ou em quantidades suficientemente grandes, uma solução tampão perde (pelo menos parte de) a sua capacidade de tamponamento e o pH acaba por descer.
“Até 2050 a perda [da capacidade da água do mar para absorver sons de baixa frequência] poderá ser de 40% (correspondente a uma diminuição de pH de 0,3)” A estimativa foi feita por investigadores do MBARI (Monterey Bay Aquarium Research Institute) e é referida num artigo da revista Geophysical Research Letters de 2008. Este artigo, de onde foi retirado o gráfico que acompanha o texto, encontra-se em http://www.mbari.org/highCO2/peerart/noisy-ocean.pdf.
Existem diferentes estimativas para o decréscimo de pH nas próximas décadas. Mas em geral parece haver um consenso na comunidade científica: o pH da água do mar irá descer pelo menos 0,3 até ao início do século XXII.
Um aumento da quantidade de dióxido de carbono dissolvido implica um aumento de iões H+ tornando a água do mar mais ácida. Os iões H+ reagem com iões carbonato [CO3(2-)] formando iões hidrogenocarbonato. Os iões carbonato resultam da decomposição de carbonato de cálcio e esta reacção química segue a Lei de Le Chatelier: a diminuição da concentração de iões carbonato leva a uma progressão da reacção no sentido directo, provocando uma diminuição da quantidade de carbonato de cálcio disponível para os moluscos.
Peço desculpa mas só agora vi a sua resposta ao meu comentário, que agradeço, obviamente, apesar de as questões não serem propriamente dúvidas mas perguntas retóricas.
Na sequência do que escreveu opto por reformular o meu comentário, no sentido de o tornar mais claro.
A escala de pH é logarítmica (de base 10) o que significa que para que o pH da água do mar baixe um valor é necessário que a concentração de iões H+ suba dez vezes.
Diz a Margarida que o pH da água do mar é de 8,1, ora isso significa que a concertação de iões H+ é de 7,9 nanomoles por litro de água do mar. Para que o pH diminua 0,3, isto é, passe para 7,8, a concentração de iões H+ tem de subir para 15,8 nanomoles por litro, ou seja, aumentar para o dobro.
A quantidade total de dióxido de carbono na atmosfera (0,038% em massa) é de 0,046 examoles e a quantidade total de CO2 nos oceanos é de 2,76 examoles. Se (por absurdo) todo o CO2 da atmosfera se dissolvesse no mar, a concentração de dióxido de carbono na água do mar aumentaria 1,67% e o seu pH baixaria de 8,1 para 8,093. Por outras palavras, mesmo que a água do mar não fosse uma solução tampão (e é) para duplicar a concentração de iões H+ e baixar o pH em 0,3 (à conta do CO2 atmosférico) tínhamos de dissolver nos oceanos o dióxido de carbono de 60 atmosferas iguais à nossa.
“Os oceanos “produzem” dióxido de carbono e é natural que parte deste dióxido de carbono possa atingir a atmosfera.”
São cerca de 200 gigatoneladas ano contra cerca de 7 gigatoneladas emitidas pelos humanos.
“Mas terá de existir um equilíbrio dinâmico entre o dióxido de carbono que é dissolvido nos oceanos e o dióxido de carbono que é libertado pelos oceanos para a atmosfera.”
O equilíbrio químico pressupõe uma determinada temperatura (constante), como a temperatura da atmosfera é muito variável (do dia para a noite, por exemplo) esse equilíbrio não existe. O sistema busca permanentemente um equilíbrio que nunca atinge.
“Um aumento da quantidade de dióxido de carbono dissolvido implica um aumento de iões H+ tornando a água do mar mais ácida.”
Correcto.
“Os iões H+ reagem com iões carbonato [CO3(2-)] formando iões hidrogenocarbonato.”
Então, há menos iões H+ (livres) em solução e a água do mar torna-se menos ácida. O pressuposto de partida era o exactamente o contrário, mais iões H+ livres.
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