sábado, 5 de maio de 2012

A Mística da Escola Industrial de Lourenço Marques


“Em todas as decadências o primeiro sintoma é a depravação do sentimento de amizade” ( Pierre-Joseph Proudhon, 1809-1865).

Como me competia, enviei um mail ao aluno Augusto Martins, que subscreve a mensagem que será reproduzida no fim deste texto. Nela solicitava-lhe autorização para a publicação de um valioso testemunho seu, sobre a “nossa” Escola Industrial de Lourenço Marques, prova viva de uma perfeita sintonia de amizade e respeito entre professores e alunos.

Clima este que não é demais enaltecer num período em que os  académicos, os políticos, os professores, os pais e o próprio homem comum, discutem a forma de inverter o que se passa de mal nas nossas escolas sem, por vezes, terem em  devida conta serem elas o o cadinho em que a sociabilização da juventude encontra um dos esteios mais sólidos  num mundo em declarada decadência de valores ancestrais e em plena convulsão em que, para utilizar uma imagem desgastada pelo (ab)uso, o ter se sobrepõe ao ser. 

O testemunho deste aluno transmite-nos a mensagem de que a  Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, de Lourenço Marques, foi um alfobre de valores caldeados na sã e constante  convivência estabelecida entre professores e alunos, para além do estrito cumprimento de horários (a toques estridentes de campainhas), de regras ditatoriais, obrigação em  debitar matéria e servidão a funções meramente burocrática, etc. Aliás, princípios teorizado por  Serras e Silva (1868-1965), professor catedrático de Medicina da Universidade de Coimbra, ao defender:

”A convivência dos mestres e alunos, fora das aulas, pode fornecer elementos valiosos, no sentido da formação moral, muito mais úteis que as noções repetidas pelos compêndios, durante as lições. Quantas vocações têm sido determinadas por esta convivência, de que os nossos mestres são avaros por costume, por falta de tempo e ocasião. O mestre digno deste nome, que se isola e se furta ao convívio dos discípulos, é valor que se perde, capital que não produz. Dar ao estudante o gosto das coisas nobres e delicadas, das coisas grandes, de grandeza moral, como o sacrifício, a invenção, a utilidade geral, é fazer obra patriótica, verdadeiramente nacional. A melhor influência do mestre não é a que se exerce nas aulas, não é a que incide na matéria do exame, é  a que forma o bom senso, o carácter, a que faz respeitar a lei moral”.

Devido à minha ignorância informática (hoje dá-se-lhe um nome bem menos agreste de iliteracia!) não chegou esse mail ao seu destino. A insistência minha, obtive a autorização para a sua publicação com interesse, para além de tudo o mais, que bem pouco não é, pela referência que faz à  mística de uma saudosa e sempre presente escola na vivência do nosso dia-a-dia. 

Sem mais delongas, ou comentários que possam deslustrar por não estarem à altura da mensagem (datada de 16 de Abril deste ano),  depois de obtida hoje essa autorização,  aqui estou eu, jubilosamente, a dela dar o devido destaque transcrevendo-a na íntegra:

“Prezado Professor Rui Baptista:

Quero começar por lhe endereçar os meus sinceros agradecimentos pela sua presença na nossa confraternização de sábado passado. Foi com particular emoção que tive o prazer de lhe dar um respeitoso abraço, com a consideração que lhe devo, pelo facto de o ter tido como meu professor. Um desses verdadeiros professores de antanho. Daqueles que, além da matéria prevista pelo respectivo programa escolar, tinham a capacidade de nos mostrarem os verdadeiros caminhos que nos estavam reservados pela vida. Acho que este almoço foi mais uma das ocasiões em que se provou o real valor da camaradagem e do reconhecimento dos alunos ao seu mestre. Desejo-lhe muita saúde e a força necessária para continuar a servir-nos de exemplo.

Peço que aceite os meus mais respeitosos cumprimentos.

Augusto Martins”. 
E se a vida de amanhã é o que for a escola de hoje, como nos legou  António José Saraiva – segundo  Eduardo Lourenço, “uma referência  chave da cultura portuguesa"-  o exemplo dos alunos da “nossa”  Escola Industrial  comprova essa realidade pelos exemplos colhidos neste testemunho. Bem hajam, portanto, os alunos de um estabelecimento de ensino que formou gente que faz da gratidão um dos grandes  valores dos seus diplomas!


Na imagem: Fachada da antiga Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques, hoje Escola Industrial 1.º de Maio do Maputo. 

6 comentários:

Armando Inocentes disse...

E ontem mais um almoço... sei porque familiares meus estiveram presentes.

Grande abraço e votos de continuidade!

Rui Baptista disse...

Como complemento a este comentário:

1.As três confraternizações de que dei conta, nos meus 2 "posts" sobre a Escola Industrial de Lourenço Marques, tiveram o seu início em Coimbra, no ano de 2010, quando três mosqueteiros (Godinho, Carlos António, Adolfo Figueiredo e Carlos Silva, a exemplo dos três mosqueteiros de Alexandre Dumas (pai) também eles quatro: D’Artagnan, Athos, Porthos e Aramis) resolveram fazer-me a surpresa de me oferecer uma almoço em comemoração de mais um aniversário meu e como prova de amizade para com um” professor de antanho”, em citação de Augusto Martins.

2.No ano seguinte, foi repetida a dose então já com dezena e meia de convivas num simpático e acolhedor restaurante de Tomar, propriedade de gente de Moçambique que aí se fixou após a Independência deste país.

3.Em Abril deste ano, os convivas suplantaram, na mesma cidade e no mesmo restaurante, as quatro dezena, com sempre de uma geração entrada na Escola Industrial em finais da década de 50, eles como alunos, eu como professor.

4. O Encontro Anual de Antigos Alunos da Escola Industrial, com várias décadas de realização e várias gerações de alunos , realizado este ano em Alenquer, e ao que me informou um dos presentes, com a participação de mais de duas centenas de convivas comprova que a Mística da Indústria se encontra viva e de boa saúde.

5. Em resumo, o "Encontro Anual de Antigos Alunos da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque" representa a árvore frondosa de uma camaradagem entre os muitos alunos que passaram e se formaram numa saudosa, mítica e sempre recordada Escola. Os encontros de Coimbra e Tomar, um pequeno ramo de uma geração definida no tempo e em recordações de um passado comum de muita saudade e Amizade.

Um abraço reconhecido ao seu autor que, embora aluno do ensino liceal da “Outra Costa” (Angola), tem sido um leitor atento do que se passava no ensino de Moçambique, talvez pelas semelhanças e especificidades próprias de uma saudade que o tempo não apaga da memória.

Armando Inocentes disse...

E não só, caro Professor...

A minha esposa é de Lourenço Marques, veio de lá com 6 anos... o meu sogro parece que foi seu aluno... uma tia minha esteve no almoço de Alenquer...

Como o mundo é pequeno!

Grande abraço!

Rui Baptista disse...

O mundo sempre foi pequeno para os Portugueses.

Um grande abraço de um moçambicano “pelo coração " de Angola para um angolano de Angola, ambos unidos por uma Pátria portuguesa, pela mesma Língua e pelas saudades das belíssimas praias da costa moçambicana e de uma lindíssima Baía de Luanda em que, nos versos de um poeta angolano, "batem palmas as palmas das palmeiras".

Anónimo disse...

Estimado prof.Rui Baptista,
Parabéns pelo sue 81ºAniversário que hoje comemora.Que possa continuar por muitos anos, a celebrar esta data com saúde e, muita alegria.
Li os comentários referentes à epoca em que fui aluno na Escola Industrial de Lço. Marques e, o senhor, nosso professor.
O professor Rui Baptista, como se deve ter apercebido, foi sempre um dos mais populares e queridos docentes daquela Escola.Isto, porque aliava à sua competência,uma grande simplicidade e genuína amizade, para com os muitos alunos com quem informalmente se relacionava, tendo tido a habilidade de saber sempre salvaguardar,o respeito que naturalmente lhe era por nós devido, como professor.
Portanto, quero agradecer-lhe, por ter sido uma das pessoas que contribuiu para o homem que me orgulho de hoje ser!
Peço que receba um abraço com muita amizade e, reconhecimento do,
Paulo Carvalho

Anónimo disse...

Estimado e saudoso prof. Rui Baptista,
O tempo passa , mas as obras ficam.Nunca será demais recordar a nossa juventude da qual o Sr fez parte dentro e fora da escola.Prof. exemplar no desempenho , com uma relação impar assente num respeito,camaradagem e amizade entre si e os alunos o que o tornou uma referencia para quem teve o previlegio de partilhar consigo uma época tão importante para nós.O Sr ficará sempre na nossa memória como as acácias estão para L.M.

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