sexta-feira, 18 de maio de 2012

Continuo a estranhar

"O desemprego não tem de ser encarado como uma fatalidade mas, antes, como uma oportunidade. Hoje um emprego não é para toda a vida e as pessoas têm de perceber isso." 

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi este argumento, da pessoa que o usou à minha frente e da entoação displicente que deu às palavras. Isto "embrulhado" num daqueles sorriso que dão o tom de "evidência absoluta" ao discurso.

Recorrendo ao slogan publicitário inventado por Fernando Pessoa, confesso que "estranhei" tal argumento, mas não é por ter passado a ouvi-lo com frequência crescente que o "entranhei".

Notei e tenho confirmado, sem conseguir apontar uma única excepção, que quem o usa não se encontra desempregado, nem conta ficar nessa condição. A reforma ("dourada") é o seu horizonte. Não se pode deixar de estranhar paradoxo tão óbvio...

Gostei de saber que não estava só no meu raciocínio: José Pacheco Pereira num artigo do Público, intitulado A nova luta de classes explica claramente o que apenas aqui apontei.

Imagem retirada daqui, onde se encontra um texto muito elucidativo sobre a mentalidade que se esconde (será que se esconde?) sob a designação de empreendedorismo.

4 comentários:

Aurélia Santos disse...

Prof.ª Helena Damião:
Não será a senhora uma "preguiçosa autocentrada" quando os tempos são propícios a que seja uma "descomplexada competitiva"?

joão boaventura disse...

Quando a Troika diz "esfola" o primeiro ministro reforça e diz "mata".

As declarações têm o seu berço na declaração do secretário de estado do desporto aconselhando a emigração à juventude lusa, no que foi apoiado pelo Ministro Relvas, seguindo-se o reforço animado do primeiro ministro.

Depois, como nunca mais se falou nisso, e como é feio repetir uma ideia já feita e contrafeita, o primeiro ministro arranjou a metáfora da emigração nestes termos:

"O desemprego não tem de ser encarado como uma fatalidade mas, antes, como uma oportunidade. Hoje um emprego não é para toda a vida e as pessoas têm de perceber isso."

Melhor metáfora para a emigração não há, e o resultado está no que a imprensas noticia:

"Mais de 80 portugueses abandonam diariamente o país
Mais de dez mil portugueses desempregados abandonaram o país entre janeiro e abril deste ano. Segundo dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional, em média, pelo menos 85 pessoas sem emprego emigram por dia."

"Os números revelam que 10 202 portugueses inscritos nos centros de emprego anularam a sua inscrição por motivos de emigração nos primeiros quatro meses do ano, um número 42 por cento superior ao mesmo período de 2011, revela a TSF."

Se a Europa nos vai esfolando, o primeiro ministro dá uma ajuda: mata-nos suavemente, esvaziando o país, para não sofrermos as dores do esfolamento.

Paulo Batista disse...

No que respeita a este "dogma" do empreendorismo e da oportunidade, faço minhas as palavras de João Pinto e Castro, neste excelente artigo:
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=555265

Helena Damião disse...

Cara leitora Aurélia Santos
Pois é, o mundo que conhecemos parece ter-se dividido nessas duas categorias, a segunda a impor-se à primeira, com a qual, reconheço, mais me identifico.
Cordialmente,
HD

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